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Vou assistindo pela TV o depoimento de Eduardo Jorge na subcomissão
do Senado. Ele às vezes estica o pescoço, como se sentisse
uma corda pronta a sufocá-lo. Mas, fora essa reação
muscular, nada parece sugerir que o ex-secretário da Presidência
esteja passando por dificuldades durante a cerimônia.
O senador Jefferson Peres, cujo tom é sempre acre, foi o primeiro
a fazer perguntas. E logo considerou que o interrogatório era
inócuo, por não ter a subcomissão poderes de
CPI.
Alguma dúvida? Desconfio que o caso Eduardo Jorge terá
o mesmo destino do que aconteceu com a pasta rosa, o caso Sivam, o
dossiê Cayman. Parte da imprensa bem que tenta, a oposição
se mobiliza, o assunto se prolonga, mas há como que uma barreira
institucional e política a impedir o aprofundamento das investigações.
Está faltando uma ex-mulher, um genro, um motorista: há
fumaça por todos os lados, mas não surgiu alguém
capaz de soprar com força o caso até produzir um verdadeiro
incêndio.
Mas quanta fumaça! Hoje mesmo a Folha revela que o próprio
relator do caso no Senado, José Jorge, é colega de Eduardo
Jorge no conselho consultivo de uma empresa, a Delphos, que presta
serviços a seguradoras. E que foi ajudada pelo Banco
Brasil. E Eduardo Jorge era sócio de um ex-diretor do Banco
do Brasil. E o Banco do Brasil ajudou a Encol, construtora que faliu.
E Eduardo Jorge presta serviços de consultoria, presta serviços
de assessoria... sabe-se lá junto a quantas empresas.
A fumaça está no seguinte: não me parece imaculado
o fato de que alguém saia da sala contígua da Presidência
da República para dedicar-se a serviços de assessoria
junto a empresas de qualquer tipo. Só isso, sem entrarmos em
detalhes, justifica uma investigação completa.
A impressão que tenho, contudo, é que o problema é
bem mais amplo do que um caso individual ou um escândalo específico.
Onde quer que se procure, sempre surgem novas ligações:
o ex-ministro X está ligado com o empresário Y, que
por sua vez é primo do foragido Z, que não passa uma
semana sem se encontrar com o deputado A --e aos poucos o que se vê,
no governo federal, estadual ou municipal, é que todas as pessoas
estão ligadas demais entre si.
Se este fosse um país de quinhentos mil habitantes, dedicado
à exportação de bananas, seria natural que todos
os ocupantes do poder fossem primos, amigos e cupinchas. Que o dono
da emissora de TV fosse ao mesmo tempo ministro do Supremo Tribunal,
e que sua mulher fosse ministra das Comunicações. Não
chegamos a tanto. Mas as ligações familiares,
empresariais e governamentais de que se tem conhecimento por aqui
andam estreitas demais para um país com as dimensões
do Brasil.
O que isto significa, senão que, com uma economia complexa,
uma população enorme e uma burocracia fortíssima,
o Brasil está na verdade nas mãos de uma elite excessivamente
restrita? É um país pouco republicano e pouco democrático.
Todos se conhecem. Todos estão ligados.
A impessoalidade da vida pública não pode depender necessariamente
da conduta correta daqueles que... se dispõem a ter uma conduta
correta. Amizades, acertos, tapinhas nas costas, telefonemas, bons
restaurantes, mordomias e galhos a quebrar fazem parte da rotina do
poder. Isso em todo lugar. Aqui, mais do que em qualquer outro, o
poder parece ser apenas isso.
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