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Café com leite
Pão com manteiga
Goiabada com queijo
Acarajé com vatapá
Morango com chantilly
Arroz com feijão
Casamentos eternos (com pequenas traições) e fidelidade à
prova de fogo.
Quem somos nós para tentarmos desunir o que, não digo
Deus, mas o gosto comum, aceitável e digerível institucionalizou?
Paladar oficial, expressão diária gustativa, esperada e imprescindível.
Quase todo o país tem o seu pão. As receitas mudam de padarias
bairristas a Boulangeries francesas, no intuito de levar à
mesa pão com manteiga no café da manhã. Francês crocante,
ciabata tão em voga, pão de banha, baguetes e brioches, baguel,
matzá, chappatti, sueco, centeio, integral. E o feijão? Feijão
preto na feijoada, no tutu mineiro, baião de dois, roxinho
na mesa paulistana, tropeiro pra mineiro nenhum botar defeito,
de corda com manteiga de garrafa, branco com dobradinha, no
cassoulet, no tchuland, a chamada feijoada judaica...Quase
todos clamam a companhia de seu melhor amigo, o arroz.
Produtos democráticos, feijão com arroz, mudam de cor, temperos,
receituários, mas transitam na sociedade de mesa em mesa,
marmita, cumbuca, prato e travessas. Quanto ao arroz e o seu
preparo, permitam-me contar uma história.
Minha avó faleceu, hoje faz sete dias e eu garanto que o seu
arroz era melhor do que o de qualquer outra avó. Tinha um
"jeito solto de ser", de cair independente os grãos uns dos
outros, quando levantada ao ar a colher. Deixávamos a "cachoeira
branca" percorrer o ar rumo ao prato, num desafio ao dote
da nossa velhinha, quase que torcendo para que uns grãos se
abraçassem a outros, mas isso nunca acontecia. Ela vencia
discreta, fingindo não perceber o nosso jogo simulado, evitando
causar constrangimentos às netas e que essas perdessem então
o paladar. Impossível. Além da desunião de qualquer que fosse
a marca ou tipo de arroz, o seu sabor expressava o mesmo ritual
e maneirismo diário no ato do preparo.
Prato tão elementar e ao mesmo tempo tão especial. Não que
os demais acepipes expostos à mesa não fossem convidativos,
mas queríamos comer compulsivamente, arroz, arroz e arroz.
Digo isso ainda comovida com a recém-ausência da Dona Aida,
impossibilitada de reproduzir em detalhes a sua tão especial
receita do cereal, embora já tivesse tido a oportunidade inúmeras
vezes de reparar no seu método de preparo. Questão de mão,
de alma, de coração. Isso existe na cozinha sim, por isso
livros de receitas devem ser adquiridos, seguidos, porém interpretados.
Temos que encontrar nas receitas alheias uma maneira de contribuirmos
na sua adaptação ao nosso prato. Só tenho a dizer que
o ritual resumia-se assim: Lavava bem os grãos de arroz até
remover a parafina esbranquiçada que tornava a água opaca.
Utilizava para tal função uma bacia de ágata, onde escorria
os grãos amparando-os com a palma da mão. Dispensava o uso
de peneira de plástico (essas com design de arrepiar os cabelos),
onde os grãos gordinhos entalam-se nos orifícios. Escorria
bem o arroz, misturava uma gema de ovo, um punhado de sal
e o colocava, quando havia tempo bom, a secar ao sol por cerca
de uma hora. Ai então o preparava com água fervida, sabe-se
lá quanto a utilizava, pois como todo o expert no assunto,
aplicava o líquido a gosto.
Depois desta etapa do processo, não consigo me recordar das
seguintes, pois nossa ansiedade em ver e devorar o conteúdo
da panela era tanta, que mudávamos de assunto esperando cerca
de vinte minutos se passarem.
É comer com ou sem feijão e sentir-se no céu, perto de alguma
coisa que se chama de Deus, onde está agora a receita
na íntegra e a minha querida autora.
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