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Uma
boa entrevista é irresistível. Pena ter-se tornado,
na área cinematográfica, uma prazer raríssimo
na era dos "junkets" -a reunião de uma dezena de
jornalistas do mundo inteiro em torno de uma estrela ou cineasta.
Dois volumes obrigatórios desembarcaram há pouco no
mercado brasileiro, lembrando-nos da grande arte da entrevista. Foram
ambos produzidos por personalidades anfíbias, metade críticos,
metade cineastas. Reconstituem momentos capitais da história
de duas cinematografias -a brasileira e a americana.
Falo de "O Processo do Cinema Novo" (Aeroplano Editora),
de Alex Viany, e "Afinal", Quem Faz os Filmes" (Companhia
das Letras), de Peter Bogdanovich. Somados, são quase 1.500
páginas do melhor papo sobre cinema.
O livro de Viany repercutiu muito menos do que merecia. É o
testamento de um dos nossos mais influentes homens de cinema. Para
uma entrevista para a "Ilustrada", em 1991, Sérgio
Augusto e eu visitamos Viany pouco antes de sua morte. Já muito
frágil, o encontro rendeu menos que o esperado. Ficou, contudo,
a certeza de que "O Processo do Cinema Novo", seu último
projeto, herdado por José Carlos Avellar, enchia Viany de orgulho.
Durante quase três décadas Alex Viany, assumidamente
de esquerda e neo-realista de carteirinha, preparou-se para nos trazer
a história oral do Cinema Novo, movimento do qual foi pioneiro,
como cineasta realista em filmes como "Agulha no Palheiro"
(1953), e defensor de primeira hora, como provam alguns textos aqui
reunidos. Metodicamente, Viany gravou entrevistas com os principais
diretores do movimento, às vezes reunindo-os em grupos, não
raras vezes ouvindo-os uma segunda ou mesmo terceira vez.
Como o título adianta, Viany procura fotografar a história
em processo, sem medo da multiplicidade de pontos de vistas e das
inevitáveis contradições. O resultado é
não menos que fascinante.
Se Viany é cara, Bogdanovich é coroa. É a crônica
dos cinemas nacionais versus a micro-história de Hollywood.
Bogdanovich faz parte da chamada geração Roger Corman,
ao lado de Coppola e De Palma, entre outros. Foi ator de teatro, crítico
e curador de cinema, até emplacar uma promissora carreira como
diretor no final dos anos 60 e início dos 70 (o nostálgico
"A Última Sessão de Cinema", 1971, ainda me
parece seu apogeu).
A partir de então, Bogdanovich morreu esteticamente. A ressurreição
veio por meio da crítica, já nos anos 90. Seu volume
de entrevistas com Orson Welles, já lançado por aqui,
é o mais desmistificador livro sobre um dos dois ou três
gênios que passaram perto de uma câmera.
"Afinal, Quem Faz Os Filmes" é seu acerto de contas
com Hollywood. É tanto uma autobiografia maquiada quanto uma
antologia de entrevistas com alguns dos maiores diretores da era clássica
do cinema americano. Bogdanovich é um assumido nostálgico.
Celebra o sistema de estúdios e sua complexa estrutura de poder,
vigente grosso modo dos anos 20 aos 50, na qual a organização
industrial da produção permitia o desenvolvimento de
obras autorais naqueles que tinham potencial para tanto.
Bogdanovich extraiu depoimentos fundamentais de pioneiros como Allan
Dwan, de mestres do filme B como Joseph H. Lewis e Edgar G. Ulmer
e de diretores hollywoodianos por excelência como Howard Hawks.
É curioso ver como Fritz Lang também o engambelou.
Não que fosse fácil. Bogdanovich viu tudo (talvez apenas
Scorsese, entre seus contemporâneos, ostente cultura cinematográfica
similar) e viu bem. Suas perguntas revelam um raro crítico
que a um só tempo compreende as evoluções de
um estilo e conhece os instrumentos concretos para desenvolvê-lo.
É assim que nasce o melhor cinema para ler.
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