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Amir Labaki
labaki@uol.com.br
  4 de maio
  Cinema para ler
  Uma boa entrevista é irresistível. Pena ter-se tornado, na área cinematográfica, uma prazer raríssimo na era dos "junkets" -a reunião de uma dezena de jornalistas do mundo inteiro em torno de uma estrela ou cineasta.
Dois volumes obrigatórios desembarcaram há pouco no mercado brasileiro, lembrando-nos da grande arte da entrevista. Foram ambos produzidos por personalidades anfíbias, metade críticos, metade cineastas. Reconstituem momentos capitais da história de duas cinematografias -a brasileira e a americana.
Falo de "O Processo do Cinema Novo" (Aeroplano Editora), de Alex Viany, e "Afinal", Quem Faz os Filmes" (Companhia das Letras), de Peter Bogdanovich. Somados, são quase 1.500 páginas do melhor papo sobre cinema.
O livro de Viany repercutiu muito menos do que merecia. É o testamento de um dos nossos mais influentes homens de cinema. Para uma entrevista para a "Ilustrada", em 1991, Sérgio Augusto e eu visitamos Viany pouco antes de sua morte. Já muito frágil, o encontro rendeu menos que o esperado. Ficou, contudo, a certeza de que "O Processo do Cinema Novo", seu último projeto, herdado por José Carlos Avellar, enchia Viany de orgulho.
Durante quase três décadas Alex Viany, assumidamente de esquerda e neo-realista de carteirinha, preparou-se para nos trazer a história oral do Cinema Novo, movimento do qual foi pioneiro, como cineasta realista em filmes como "Agulha no Palheiro" (1953), e defensor de primeira hora, como provam alguns textos aqui reunidos. Metodicamente, Viany gravou entrevistas com os principais diretores do movimento, às vezes reunindo-os em grupos, não raras vezes ouvindo-os uma segunda ou mesmo terceira vez.
Como o título adianta, Viany procura fotografar a história em processo, sem medo da multiplicidade de pontos de vistas e das inevitáveis contradições. O resultado é não menos que fascinante.
Se Viany é cara, Bogdanovich é coroa. É a crônica dos cinemas nacionais versus a micro-história de Hollywood. Bogdanovich faz parte da chamada geração Roger Corman, ao lado de Coppola e De Palma, entre outros. Foi ator de teatro, crítico e curador de cinema, até emplacar uma promissora carreira como diretor no final dos anos 60 e início dos 70 (o nostálgico "A Última Sessão de Cinema", 1971, ainda me parece seu apogeu).
A partir de então, Bogdanovich morreu esteticamente. A ressurreição veio por meio da crítica, já nos anos 90. Seu volume de entrevistas com Orson Welles, já lançado por aqui, é o mais desmistificador livro sobre um dos dois ou três gênios que passaram perto de uma câmera.
"Afinal, Quem Faz Os Filmes" é seu acerto de contas com Hollywood. É tanto uma autobiografia maquiada quanto uma antologia de entrevistas com alguns dos maiores diretores da era clássica do cinema americano. Bogdanovich é um assumido nostálgico. Celebra o sistema de estúdios e sua complexa estrutura de poder, vigente grosso modo dos anos 20 aos 50, na qual a organização industrial da produção permitia o desenvolvimento de obras autorais naqueles que tinham potencial para tanto.
Bogdanovich extraiu depoimentos fundamentais de pioneiros como Allan Dwan, de mestres do filme B como Joseph H. Lewis e Edgar G. Ulmer e de diretores hollywoodianos por excelência como Howard Hawks. É curioso ver como Fritz Lang também o engambelou.
Não que fosse fácil. Bogdanovich viu tudo (talvez apenas Scorsese, entre seus contemporâneos, ostente cultura cinematográfica similar) e viu bem. Suas perguntas revelam um raro crítico que a um só tempo compreende as evoluções de um estilo e conhece os instrumentos concretos para desenvolvê-lo. É assim que nasce o melhor cinema para ler.


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