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6 de julho |
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Mais dois MSTs
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Se um MST já dava suficiente dor de cabeça ao governo FHC, eis que
dois novos surgem na liderança da oposição à política cultural. Uma
espécie de MST (Movimento dos Sem-Tela) do cinema surgiu na semana
passada em Porto Alegre com o 3. Congresso Brasileiro de Cinema. Há
mais tempo já se organiza algo como um MST (Movimento dos Sem-Teatro)
na área das artes cênicas, com o movimento Arte Contra a Barbárie,
que exibiu força crescente há dez dias ao reunir mais de 600 pessoas
no Teatro Oficina de São Paulo.
Uma ponte entre os dois movimentos já se esboça. Mesmo sem conhecer
muito do Arte contra a Barbárie, o produtor Luiz Carlos Barreto expressou,
ainda em Porto Alegre, desejo de estreitar laços. O movimento teatral
também já prepara um debate público para o qual vai convidar lideranças
do congresso cinematográfico, tornado instituição permanente como
'representante e interlocutor legítimo do Cinema Brasileiro junto
ao governo e à sociedade'.
As dinâmicas são distintas e a classe cinematográfica, mesmo saindo
atrasada, passou alguns corpos à frente com a demonstração de força
representada pela ampla e maciça participação no congresso (quase
50 entidades assinam o documento final). Mas bandeiras comuns não
faltam, a começar da crítica à ênfase governamental em mecanismos
de renúncia fiscal como instrumento de política cultural.
* * *
O secretario do Audiovisual do Ministério da Cultura, José Álvaro
Moisés, participou da sessão inaugural e da primeira mesa de debates
do congresso em Porto Alegre. Moisés sintetizou com extrema clareza
os fundamentos da política audiovisual em vigor, baseada num 'modelo
híbrido' entre o intervencionismo na França e a hegemonia do mercado
nos EUA. 'Estamos abertos a ouvir as propostas, mas o Governo foi
eleito mediante uma plataforma e pretende levá-la adiante', disse
com rara sinceridade.
O secretario reconheceu contudo a necessidade de o governo 'diversificar
as fontes de financiamento do setor (...), sem descartar a política
de incentivos fiscais' (clique aqui
para ler um artigo de Moisés sobre as atuais dificuldades para a utilização
desses incentivos). Os próprios números por ele exibidos demonstram
uma correção de rumos, dobrando-se em 1999 as inversões diretas da
União no setor em relação ao ano anterior, e a manutenção da curva
ascendente neste ano. Ainda assim, do total de R$ 386 milhões de recursos
públicos investidos na produção audiovisual entre 1995 e 2000 ('mais
que o dobro que a Embrafilme investiu em 12 anos', orgulha-se Moisés),
apenas 11,4% vieram diretamente do orçamento da União. Quase a totalidade
do restante veio por meio de incentivos fiscais, como a Lei do Audiovisual
e a Lei Rouanet.
O relatório final do Congresso (clique aqui
para lê-lo na íntegra) bate duro na política vigente. Fala em 'grave
situação da atividade cinematográfica', caracteriza o momento como
que de 'paralisia da produção', 'descontrole dos mecanismo de mercado'
e 'esgotamento dos mecanismos atuais da leis de incentivo', entre
outros. O texto atribui esses problemas 'em grande parte, à deficiente
forma de relacionamento do setor cinematográfico com o governo e também
à fragilidade do atual órgão governamental responsável pela política
de cinema no Brasil, a Secretaria de Audiovisual do Ministério da
Cultura'. Seguem-se nada menos que 69 propostas de ação, da criação
de um novo órgão gestor ao estabelecimento de cotas de telas nas TVs
brasileira para curtas e longas nacionais. Analisá-las exige uma coluna
específica mas, desde logo, sua abrangência é sua maior força.
* * *
Visando sintetizar algumas das questões principais da discussão sobre
cinema, organizei o papo virtual que segue abaixo. Esse debate imaginário
reúne declarações, escritas ou faladas, vindas à luz durante o 3.
Congresso. Elas são citadas aqui naturalmente fora do contexto original
em que apareceram mas procurei ser fiel à intenção original de seus
autores, aos quais desde logo agradeço.
(Clique para acessar textos de apoio à presente discussão, como o
discurso
de abertura do presidente do congresso, Gustavo Dahl, e o último
manifesto do Arte
Contra a Bárbarie.)
Gustavo Dahl (cineasta e presidente do 3. Congresso) - O momento
indica veementemente que dissociar o cinema brasileiro e insisto,
o hábito social de frequentar o cinema como lazer, do destino do conjunto
da Nação e de seus anseios pela erradicação da miséria, pela imposição
do equilíbrio social, pelo fim de nossa inserção subalterna na ordem
mundial, nos levará a uma causa perdida.
Luiz Carlos Barreto (produtor) - A situação de captação talvez
seja a mais dramática desde o governo Collor.
Tizuka Yamasaki (cineasta) - Ninguém está captando. Estamos
'mals'. José Álvaro Moisés (secretario do Audiovisual) - Há um engajamento
do governo em enfrentar os problemas e dar um novo patamar para as
soluções.
Barreto - Aqui no RS é o único lugar em que se está filmando
devido a uma vontade política transformada em ação.
Olívio Dutra (governador, RS) - O Estado como ente público
deve ser um dos financiadores da produção cultural, também na área
cinematográfica.
Moisés - Não sei se num contexto democrático de fomento à cultura
não devessemos criar um contexto mais democrático com um maior número
de atores participando do processo de decisão.
Roberto Farias (cineasta) - A Embrafilme tinha uma vantagem:
só tratava com cineastas. O curioso é que isso foi conseguido na ditadura
e não conseguimos repeti-lo na democracia.
Barreto - A democracia foi até hoje madrasta da cultura brasileira.
José Carlos Avellar (crítico e distribuidor) - Nenhum produtor
ou distribuidor pode apostar no mercado. Ele está conformado de um
modo que não atende às exigência de nosso produto. Nenhum cinema nacional,
seja brasileiro, francês ou iraniano, cabe nele. Não vai ser um orgão
centralizador qu poderá mudar sozinho esta questão.
Barreto - Nos mercado complementares (TVs, video, etc.) o ganho
do cinema brasileiro é zero. Não podemos mais ficar restritos ao 'fracassinho'
da tela de cinema.
Manoel Rangel (presidente da ABD_SP) - Ninguém vai dizer aqui
que o acordo para reduzir a tela de cota (para o filme nacional) de
49 para 28 dias é um avanço de posição.
Ugo Sorrentino (distribuidor) - Há a sala (de cinema) McDonald's
e a sala delicatessen.
Carlos Diegues (cineasta) - Há a interessante proposta de criação
de uma nova receita a partir do faturamento publicitário televisivo.
José Joffily (cineasta) - Temos uma televisão ilegislável.
Não são emissoras, são produtoras de televisão.
Evandro Guimarães (vice-presidente de Relações Institucionais da
Rede Globo) - Não há nenhum trabalho da televisão brasileira em
conquistar incentivos fiscais para produzir cinema.
Diegues - Não se estupra o Mike Tyson, é preciso provar para
ele que a gente é gostoso.
Walkíria Barbosa (produtora cultural) - Temos que pensar na
nossa organização. Não podemos deixar sempre nas mãos do Estado a
representação para solucionar nossos problemas.
O crítico Amir Labaki esteve em Porto Alegre a convite
da organização do 3º Congresso Brasileiro de Cinema.
Leia colunas anteriores
29/07/2000 - Os melhores risos de nossas
vidas
22/06/2000 - Uma visita a Bondland
15/06/2000 - Oscar 2001: "Bossa
Nova" ou "Eu Tu Eles"
08/06/2000 - Um certo John McCarten
1º/06/2000
- Secos e molhados
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