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  9 de outubro
  Ciência em dia
 

Quem disse que o trabalho de dois neurônios não pode resultar num Prêmio Nobel? Pois é precisamente o funcionamento da sinapse, ponto de comunicação entre duas células nervosas, que deu o Nobel de Medicina ou Fisiologia anunciado hoje ao sueco Arvid Carlsson e aos norte-americanos Paul Greengard e Eric Kandel (este, nascido na Áustria).

Os cerca de 100 bilhões de neurônios do cérebro humano funcionam em grandes redes, ditas redes neurais, que têm arquitetura complexa. Para poder entendê-las, os neurocientistas partem do bom e velho método reducionista: estudar a transdução de sinal (comunicação) entre dois neurônios, a base de tudo.

Essa conversa entre neurônios usa uma língua química. Em lugar de ondas sonoras, eles dirigem moléculas (neurotransmissores) uns aos outros. Conforme o tipo de palavra neuroquímica pronunciada por um neurônio, ocorrerá uma coisa diferente com o próximo (bloquear ou transmitir um sinal, por exemplo). Desse bate-papo nascem as redes neurais, cujo relacionamento, por sua vez, dá origem às representações e memórias.

Carlsson -primeiro sueco a levar o prêmio idem desde 1982- se destacou por ter provado que a dopamina é um dos neutotransmissores mais importantes. Sua ausência pode provocar efeitos devastadores, como o mal de Parkinson, em que o doente perde controle sobre movimentos.

Greengard deu um passo além, mostrando como a dopamina e outros neurotransmissores agem para compor um tipo de conversa neuronal batizada de transmissão sináptica lenta. Ela está na base de coisas como prontidão e humor (sua contraparte, a transmissão sináptica rápida, responde pela fala e pela locomoção). Kandel, por seu turno, investigou o papel desses mecanismos químicos na formação de memórias.

O trabalho desse trio de peso está na base de muitos avanços a neurociência nos últimos anos. Por exemplo, o desenvolvimento de uma droga como a L-dopa, que trouxe algum alívio para milhões de portadores de Parkinson -alguns dos quais estavam condenados a uma morte em agonia, por sufocação. Ou uma melhor compreensão dos mecanismos de dependência a drogas. Ou ainda, da esquizofrenia.

O trabalho de dois neurônios, se mal feito, pode provocar grandes estragos.

Para saber mais: http://www.nobel.se/announcement/2000/medicine.html

Morre a cientista que mais fez pela soja

Se você nunca ouviu falar de Johanna Döbereiner, deveria. Essa alemã que emigrou para o Brasil aos 25 anos fez mais pelo país do que muitos doutores e bacharéis. Morreu quinta-feira (5/10), aos 75 anos, numa localidade fluminense de nome esquisito (Seropédica), e merece ser lembrada como cientista de primeira grandeza.

Magnificar sua contribuição para a agricultura brasileira não é retórica, mas coisa que pode ser medida em cifras. Calcula-se que os estudos sobre fixação de nitrogênio
por plantas realizados pelo grupo de Döbereiner na Embrapa rendam ao país de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões por ano, em fertilizantes nitrogenados que deixam de ser usados no cultivo de soja, como informou reportagem de Ricardo Bonalume Neto na Folha.

Johanna Döbereiner

Nunca encontrei Johanna Döbereiner pessoalmente, mas sou tomado de admiração diante desse dado, que traduz na língua do tempo atual toda uma vida de trabalho incrivelmente fecundo. Quantas pessoas haverá no Brasil que lhe tenham prestado tamanho serviço? O que mal se entende é que uma personalidade dessas -a mulher mais citada do Brasil em publicações científicas auditadas- seja quase que desconhecida do público.

Na música, seria uma Clementina de Jesus. Na literatura, uma Clarice Lispector. Nas artes plásticas, uma Lygia Clark. Em pesquisa, foi Johanna Döbereiner.


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Alguns leitores escreveram para repudiar a coluna da semana passada, que comparava o QI de amebas e o de eleitores. Antes de reproduzir trechos de uma mensagem representativa, reconheço aqui que eles têm razão. Avancei o sinal.

Um dos leitores a se queixar foi Luiz Gonzaga, médico que votou em Paulo Maluf. Leia trechos do que ele escreveu:

"Nós, as amebas, achamos muito interessante. Toda a imprensa tem como estandarte que 'a função da mídia é apresentar os fatos', ficando o julgamento e a opinião por conta das amebas.

"Não é estranho o fato de toda a imprensa só se manifestar se for contra o Maluf? Será que essa nata privilegiada da sociedade, com QI absurdamente alto, os que fazem a imprensa, não consegue perceber que se o candidato está lá é porque recebeu votos de muitos milhões de amebas?

"Ou será que eles não estão agindo como amebas que se movem por esforço e motivação próprios, mas sim como algo até mais inferior na escala, e se deixando levar por razões que, apesar do alto QI, desconhecem?"


Imagem da semana


ISTO NÃO É UMA COELHA - É arte. Tem cara de coelha, nome de coelha (Alba), pêlos brancos de coelha e olhos vermelhos de coelha -até que seja posta sob luz ultravioleta, quando passa a emitir uma cor esverdeada. Ela foi geneticamente alterada para isso, por encomenda de Eduardo Kac, artista plástico brasileiro que dá aulas no Instituto de Arte de Chicago e que traz para o campo da estética a discussão sobre os limites ora confusos entre natureza e tecnologia.

Site da semana


Saíram esta semana os agraciados com o prêmio IgNobel, conferido pela publicação "Anais da Pesquisa Improvável". Entre os ganhadores, investigações sobre o sabor de girinos secos da Costa Rica (obra de um canadense) e o sobre o uso de ímãs para fazer sapos levitarem (Holanda), por exemplo. Isso para não falar da lubricidade circunscrita de "Imagens de Ressonância Magnética dos Órgãos Genitais durante o Ato Sexual", levada a cabo (perdão) por outra impagável equipe holandesa.


Documento
Uma comissão da AAAS (pronuncia-se tripôl-êi-éss), a SBPC norte-americana, discutiu por mais de dois anos as implicações, riscos e possibilidades da engenharia genética de células germinativas humanas, ou seja, de modificações no genoma humano que possam ser transmitidas para a descendência, incorporando-se ao patrimônio genético da espécie. Embora as conclusões sejam sóbrias (conclui-se que a tecnologia atual é totalmente insegura, por exemplo), não deixa de ser espantoso que tal discussão já esteja em curso.

Antes cedo do que nunca, talvez seja o caso de dizer. Leia o documento final e confira se ele não se parece muito com uma preparação de terreno, por parte dos cientistas, para uma revolução que consideram inevitável -algo que vai pôr no chinelo tudo que você já achava desconcertante, da clonagem de animais à terapia genética de células somáticas.



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02/10/2000 - Eleitor não tem QI de ameba, não
25/09/2000 -
Quem é mais feroz, ianomâmis ou antropólogos?
18/09/2000 - Governo FHC embaça rotulagem de transgênicos
11/09/2000 - Malária na Sibéria também já é demais
04/09/2000 - Bem-vindo ao mundo dos autorrobôs e dos Golems


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