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  23 de agosto
  Raul Cortez, primeiro ator
 

Sei bem que não devia escrever sobre um espetáculo antes da estréia. Mas não sou mais crítico. E não é bem de "Rei Lear" que quero falar, mas de Raul Cortez.
Vi no fim-de-semana um ensaio corrido da tragédia shakespeariana, encenada por Ron Daniels _e recordei o sentimento de espanto que foi acompanhar, quase dez anos atrás, a construção do personagem da Madame por Raul Cortez, em "As Boas", de Jean Genet.
Muito se tem falado e escrito, eu mesmo tenho insistido nesse tema, do rompimento dos limites entre realidade e ficção em peças como "Apocalipse", filmes como "Cronicamente Inviável", programas como "No Limite".
A realidade é a marca, onde antes reinava a alegoria. Mas uma realidade editada, é certo; realidade segundo quem a recorta e apresenta, com determinado fim, até comercial.
O que revi agora em Raul Cortez, o que havia me abismado dez anos atrás, é uma outra realidade. Uma realidade assumidamente falsa, de máscara.
A realidade como a conhecemos, reproduzida nos espetáculos citados de palco e tela, é a nossa miséria cotidiana, nada muito além nem aquém. Mas o que o ator representa vai além do homem.
Com Shakespeare na boca e no corpo, ele vai abrindo portas, fazendo revelações, como não é possível conhecer na nossa realidade a não ser em situações extremas, trágicas _aquelas que não vivemos cotidianamente e, quando vivemos, mal conseguimos reconhecer, tão estranhas nos parecem, situações de morte de pessoas que amamos, por exemplo.
Na minha falecida carreira de crítico, as cenas que mais me marcaram foram sempre aquelas de morte. A morte de Príamo, como relatada em "Hamlet", a morte de "Cacilda", como representada na peça homônima, a morte dos próximos de Jó.
Em "Rei Lear", é novamente a morte que invade o espírito. O espectador acompanha o homem, o velho Lear, aos poucos sendo desnudado de tudo, do poder, da família, da segurança, da casa, da vida.
Nesse caminho, tudo é subvertido, como diz o próprio, e o comando passa a ser dos baixos, levando ao limite a existência do personagem e a presença do ator. Uma presença, uma verdade muito maior do que nos permite a nossa realidade.
Não conheço muita gente que consiga o que Raul Cortez consegue, no palco. A presença, na expressão de Artaud. O homem dionisíaco, na expressão de Nietzsche. Consigo mencionar Bete Coelho.
E eles fazem isso com um profissionalismo, uma construção tão consciente, com um tamanho domínio de seus corpos e pensamentos, que sempre me fazem lembrar do super-homem nietzschiano.
Não sei se "Rei Lear" resultará, como me parece, na peça do ano. Certamente a encenação de Ron Daniels, que transpõe como eu nunca vi as qualidades do teatro inglês para o país, deve ter o efeito de choque no teatro nacional.
O que eu sei, de certo, é que Raul Cortez, em "Rei Lear", é um banquete para as sensações.

 

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