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Coincidiram, na semana passada, dois fatos envolvendo a Igreja Católica.
Um desmente o outro.
Primeiro, foi lançado pelo cardeal Joseph Ratzinger, da Congregação
para a Doutrina da Fé (novo nome da velha Inquisição),
o documento "Dominus Iesus", no qual a Igreja reafirma a
superioridade do catolicismo sobre outras denominações
cristãs e mais ainda sobre outros credos.
Depois, o episcopado da Argentina emitiu também o seu documento,
para confessar que havia sido omissa durante a selvagem ditadura militar
do período 1976/1983. Mais que omissa, foi conivente, a ponto
de padres terem participado de sessões de tortura, nas quais
alentavam os torturados a confessarem (mesmo que não tivessem
o que confessar).
Quem, como é o meu caso, acompanhou de perto o que foi o terror
implantado pela ditadura militar argentina sabe perfeitamente que
foram violados todos os princípios de respeito à vida
e à dignidade humana. Talvez tenha sido a mais selvagem de
todas as inúmeras ditaduras que, nos anos 70 principalmente,
mancharam de sangue quase toda a geografia latino-americana.
Como é, então, possível que a Igreja Católica
se diga superior a todos os demais ramos do cristianismo e aos demais
credos se um de seus braços é capaz de se colocar ao
lado dos assassinos e, por extensão, contra o respeito à
vida? Não é justamente o respeito à vida um princípio
sagrado para quem acredita que o ser humano foi criado à imagem
e semelhança de Deus?
Seria mais coerente admitir a falibilidade humana também da
hierarquia católica e do próprio papa, única
forma de explicar porquê uma parte importante das igrejas chilena
e brasileira, por exemplo, estendeu seu guarda-chuva protetor para
abrigar as vítimas da repressão nos dois países,
ao passo que, na Argentina, só um ou outro sacerdote assim
o fez.
Como aceitar pacificamente a teoria da superioridade da Igreja Católica
se seus pastores têm conduta divergente em um assunto que não
admitiria divergência, posto que trata do respeito à
vida?
Leia colunas anteriores
06/09/2000 - Inveja
da Argentina?
30/08/2000 - Mais
humilhação
23/08/2000 -
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16/08/2000 -
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09/08/2000 - Renda mínima, versão
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