Setembro amarelo: Expor sofrimento nas redes pode piorar problema em vez de atrair atenção

Pensamentos negativos e vontade de desistir acontecem a todos, diz psicóloga, que dá dicas para lidar com o problema

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São Paulo

As redes sociais estão lotadas de desabafos. Tem gente reclamando do namorado, da escola, dos pais. E tem também quem poste fotos e mensagens mais, digamos, enigmáticas, dizendo que as coisas andam complicadas, que está difícil aguentar, que parece que não há saída.

Não está escrito ali, mas a gente sabe: essas são formas de pedir ajuda. Só que será que o TikTok e o Instagram são os melhores lugares para isso? "Não acho legal expor seu sofrimento nas redes sociais. Ali você encontra pessoas em sofrimento igual ou pior que o seu, e que vão fazer comentários que vão te deixar ainda mais pra baixo", afirma a psicóloga Karina Fukumitsu.

Este texto aqui vai apresentar dicas dela, e pode trazer gatilhos a pessoas mais sensíveis. Se esse é seu caso, prefira não seguir adiante.

A especialidade de Karina é a suicidologia, ou seja, o estudo do suicídio. Karina trabalha com a prevenção em seu consultório, em São Paulo, e também em escolas. Ela explica que a ajuda de verdade para quem está passando por problemas emocionais não vem da internet, mas sim de psicólogos e de pessoas próximas.

Tipo um professor, uma madrinha ou padrinho, um amigo. "Procure principalmente os adultos, pessoas que gostam de você. Alguém que não te critique e que te acolha. Você está vulnerável, é como uma ferida aberta. E não conheço ninguém que, estando ferido, deva ir para um campo minado. Você precisa de proteção e segurança", diz Karina.

Jovem em posição introspectiva olha para o horizonte numa montanha acima das nuvens que forma um rosto repousando com os olhos fechados em formato de lua minguante
Catarina Pignato

Nas redes, também há muitos conteúdos que ela chama de tóxicos, com o compartilhamento de assuntos mórbidos. "Se você não está bem, fuja desses grupos. Eles só alimentam aquilo que faz mal para você e que vão te levar para uma escuridão maior. O que você vê na internet é uma escolha sua, então escolha o que pode te fazer sentir esperança de melhorar."

Uma expressão muito usada por lá nas redes é "pensamento suicida", e Karina explica que essa escolha de palavras às vezes não corresponde à realidade. Isso porque, em alguns momentos, o que rola são os chamados "pensamentos negativos".

"São coisas diferentes. Os pensamentos negativos são coisas que todos nós temos, todo ser humano que passa pelo desespero tem, e pode inclusive ter pensamentos sobre a morte. É comum a gente se sentir enfraquecido, com a sensação de que precisa desistir. Mas o pensamento suicida é outra coisa. Ele faz parte de um processo de autodestruição, e que tem um ápice", diz ela.

Por isso, é importante estar sempre fazendo acompanhamento com um profissional da psicoterapia. Essa pessoa vai saber diferenciar, entender e conduzir uma maneira de tratar os motivos da ansiedade e do sofrimento, explica Karina.

A Folha mostrou na última semana que desde 2019 aumentaram em 82% os casos de adolescentes que se autolesionam, ou seja, que se machucam. Esse é um exemplo de questão que pode ser conversada no consultório.

"Já ouvi de pessoas que se autolesionam que é melhor sentir a dor física do que a dor emocional. É como se a pessoa não conseguisse comunicar para os outros que algo não está legal, e essa comunicação vem em forma de cortes", conta Karina.

Esse método, ela diz, pode até causar alívio imediato, mas o sofrimento continua. "É disfuncional porque vai trazer mais sofrimento. Você ao mesmo tempo vai ser sua vítima e seu agressor. E, quando a gente se torna vítima dos nossos próprios atos, isso se torna o que chamamos de processo autodestrutivo."

Uma das sugestões que Karina faz no tratamento desse problema é que as pessoas em vez de colocarem a dor "para dentro" tentem direcioná-la "para fora". "Rasgue coisas, papéis, objetos, almofadas, o que for. Encontre outro lugar para cortar em vez de cortar a si mesmo. Corte inclusive a rede social que está te fazendo mal e se desvincule de grupos de WhatsApp que te dão ansiedade."

E, se o problema estiver dentro de casa, com desentendimentos em família, a psicóloga diz que uma boa estratégia é mostrar aos responsáveis que você está amadurecendo e já pode tomar algumas decisões —sendo a primeira delas a busca por ajuda profissional.

"A maior parte dos pais só oferece aquilo que têm, ou seja, se eles não receberam acolhimento dos próprios pais e da família, é muito difícil oferecer isso pra a gente. Não quero com isso defender os pais, mas falar que muitas vezes eles ainda têm a percepção de que o adolescente ainda é criança. Então, tome a dianteira, seja maduro e sugira um atendimento psicoterápico familiar, envolvendo todos vocês", sugere.

"Isso não é transgredir, brigar, se revoltar, mas criar e desenvolver um filtro do que faz sentido para você ou não. E, se não fizer sentido e estiver te machucando, comunique que isso te machuca. Os filhos muitas vezes ensinam aos pais."

Como suicidologista, Karina atende muitas famílias que perderam seus filhos. Ela diz que a dor de quem passa por isso é "sem nome" e dura muito tempo.

"Essa dor traz um vazio enorme e questionamentos múltiplos. É como os pais tivessem sido colocados no primeiro carrinho da montanha-russa sem pedir, passando por sentimentos de vergonha, culpabilização, questionamentos do que deveríamos ter ou não feito. É um processo de 'morrência', e demora pra gente se reerguer."


Onde buscar ajuda

CVV
Disque 188 ou acesse www.cvv.org.br

Centro de Prevenção ao Suicídio Unifesp
https://www.unifesp.br/reitoria/dci/releases/item/4701-caism-unifesp-promove-campanha-e-inaugura-centro-de-prevencao-ao-suicidio

Caism
https://www.saude.sp.gov.br/caism-philippe-pinel/institucional/sobre-o-caism-pp

CAPS infanto-juvenil
http://buscasaude.prefeitura.sp.gov.br

ONG Espaço Ser - Casa Matheus Campos
Ligue para (11) 97173-1792 ou acesse https://www.espacoser.org.br/site/

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