Saiba como lidar com o medo de ir à escola nas semanas após episódios violentos

'Ficar em casa às vezes faz com que o medo aumente em vez de diminuir', diz o psicanalista Christian Dunker

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São Paulo

Como ainda são muito recentes os episódios de violência em duas escolas brasileiras, algumas famílias têm deparado em casa com o receio das crianças e dos jovens de ir às aulas nestes dias que sucedem as tragédias —as fake news nos aplicativos de conversa também não ajudam a apaziguar a situação.

Você ou alguém que você conhece ficou com medo de ir para a escola nessa semana? "Ficar em casa às vezes faz com que o medo aumente em vez de diminuir", acredita Christian Dunker, psicanalista e professor titular em psicanálise e psicopatologia do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). Ele deu dicas para crianças e adultos se sentirem mais seguros durante este período.

Por que a gente fica com medo ao ouvir notícias como essas? E é tudo bem sentir esse medo?

Acho que é tudo bem sentir esse medo, sim. Sempre que acontece algo inesperado, diferente, com que a gente não está acostumado, a gente vai pensar "E se fosse comigo, com minha mãe, com meu avô?". E pensar isso é muito importante para a gente entender o que está acontecendo com o outro. Mas, depois de pensar nisso, a gente sempre tem que pensar que o outro é o outro. Que ele tem a vida dele, que aquilo aconteceu com ele.

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Crianças brincam em escola de educação infantil na zona leste de São Paulo - 26.jan.2021-Rivaldo Gomes/Folhapress

A gente tem que olhar para a nossa vida e como a gente está indo para a escola, como está se relacionando com os nossos amigos, fazendo nosso trabalhos, levando em conta isso, que existem outras famílias, vidas, universos, e que a gente pode se comunicar com eles e trazê-los para perto de nós.

Os problemas que acontecem com os outros têm uma espécie de duplo, uma espécie de tradução naquilo que a gente mesmo está vivendo.

Como a gente pode lidar com esse medo?

O medo fica mais perigoso quando ele se junta com o isolamento, quando a gente vive esse medo sozinho, quando a gente não consegue pensar nele. Quando ele dá tanto medo que a gente só quer esquecer tudo. Daí esse medo vai dominando a gente.

Mas a gente pode fazer outras coisas com o medo: conhecer a causa dele, conversar sobre esse medo com outras pessoas, ir criando uma condição para decidir se a gente pode enfrentar esse medo, como a gente pode ser corajoso para olhá-lo de perto, pensar do que ele é feito, encontrar o tamanho certo dele.

Ou mesmo dizer que ele é tão grande e tão forte que eu preciso de distância, preciso de um tempo, de decidir junto dos outros antes de enfrentar esse medo. Coragem e inteligência são importantes para conhecer o medo, informação também, mas nem sempre a gente consegue. Nem sempre a gente está confiante para atravessar o medo. E, nesses casos, a gente precisa respeitar o medo que a gente está tendo.

Posso faltar na escola por um tempo?

Não é porque você não enfrenta o medo que você é covarde ou está fazendo algo errado. Mas também não temos que fugir, ficar em casa, nos separar da situação, porque às vezes isso faz com que o medo aumente em vez de diminuir.

Acidentes acontecem até dentro de casa, né? Até nesse lugar mais seguro do mundo acontecem coisas que a gente não gostaria que acontecessem. E como a gente lida com isso? Vai no hospital, liga para os outros e pede ajuda, passa um remédio, e com isso a gente consegue se sentir bem em casa.

Então, é importante que a gente confie que, quando acontece um acidente, providências vão ser tomadas para que a gente volte a se sentir bem. Algo parecido pode ser feito na escola. E, se você ficar com medo e a sua escola tem um psicólogo entre os funcionários, procure por ele. Mas, se sua escola não tem um psicólogo, peça a ajuda de algum adulto para ter acesso a um destes profissionais.

Algumas crianças e adultos vêm conversando sobre maneiras de deixar escolas mais seguras. Você acha que essa segurança vem de aparatos como detectores de metal, muros mais altos, saídas de emergência e seguranças armados, ou essa segurança pode vir de algum outro jeito?

A gente precisa sentir que tem adultos que podem proteger a gente. Professores, pessoas na rua, guardas, porque todo mundo se protege junto. Esse é o melhor jeito de a gente se sentir seguro, quando está junto com os outros.

Mas, se pusessem um policial em cada escola, será que ele ia conseguir vigiar todos os muros, janelas e saídas? Acho que não. É muito mais prático se todo mundo se protege, se ajuda, se avisa e sente que está junto para o que der e vier, em vez de imaginar que a gente vai estar num mundo onde estamos totalmente protegidos.

O que os alunos de todas as idades podem fazer pelas suas escolas quando ficam sabendo que coisas tristes aconteceram em outras escolas?

A gente pode tentar descobrir e cuidar da braveza que a gente tem às vezes, das brigas que acontecem e vão continuar acontecendo, do que a gente faz quando alguém fica contrariado, com vergonha, ou quando esse alguém fica sentindo que é culpado por tudo.

A gente precisa falar mais das coisas que deixam a gente contrariado e resolver essas contrariedades. Porque muitas dessas coisas que têm acontecido vêm quando a gente fica bravo, com medo, contrariado, quando a gente sente que foi incompreendido e não cuida disso, ou acha que só acontece com a gente, que a gente tem que resolver sozinho e que o problema tem que ser resolvido pela vingança.

A gente precisa criar jeitos de não lidar violentamente com a violência. Isso é muito difícil, mesmo os adultos não estão sabendo fazer isso direito, mas é tarefa deles ajudar a gente a fazer as coisas de outro jeito.

Há adultos que acham que os videogames e a internet como um todo podem ser a causa dos problemas, e que seria melhor evitar que crianças usassem essas ferramentas. O que você acha disso?

Toda vez que você encontrar ódio nesses lugares, é importante que você saiba reconhecer isso. Reconhecer essa violência de pessoas querendo humilhar os outros, dizendo uns para os outros que é legal agredir alguém. Quando você reconhecer algo assim no computador ou no celular, ou na sua vida, converse sobre isso com seus pais.

Acho que você não precisa parar de jogar. Sim, existem pessoas que gostam de falar palavrão, qualquer um que joga videogame sabe disso, mas a gente não precisa se intimidar diante disso, ao mesmo tempo que também não deve estimular esse comportamento dos outros.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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