Descrição de chapéu Todo mundo lê junto

Cola na sala de aula vira debate entre crianças com a chegada do ChatGPT

'Conheço pessoas que já colaram, mas não vou dizer o nome', diz aluno; educadores veem oportunidade para mudança em escolas

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São Paulo

Pense na pergunta mais difícil que já apareceu em uma prova da sua escola. Agora, imagine que você está diante dela de novo, e não estudou o suficiente antes da avaliação, seja porque o cachorro comeu as páginas do seu livro, seja porque você teve outro imprevisto. Como você faz para resolver a questão complexa? Vale bisbilhotar a prova do amigo?

Não há registros históricos sobre em que época da humanidade a cola surgiu —e aqui falamos da prática de copiar conteúdo de outra pessoa sem dar crédito. Ainda assim, é muito provável que, quando alguém inventou a prova, ela tenha vindo junto de brinde.

Miguel, 11 anos, não acha cola muito legal, mas é compreensivo com os colegas - Zanone Fraissat/Folhapress

Joana F. S. K. tem 13 anos e se lembra de duas situações envolvendo cola na sua turma. Na primeira, uma professora de matemática, ciente de que tinha proposto uma avaliação "muito difícil", liberou os cinco minutos finais da prova para que os alunos compartilhassem os cálculos entre eles.

Na segunda, em meio a uma atividade, a professora precisou sair da sala e, quando voltou, se deparou com o que Joana chama de "silêncio absurdo". "Estava todo mundo pedindo resposta. Ela voltou, tinha mesa grudada, e a gente nunca fica em silêncio, né? Ela obviamente percebeu que tinha coisa errada", conta.

"Já vi muita gente que cola. Acho errado, mas, às vezes, a pessoa pode ter um déficit de atenção e não consegue estudar, daí tem que apelar pra cola. Mas, se não tem nada, não deveria colar."

Miguel P. D., 11 anos, também não acha a cola legal, mas é compreensivo principalmente no caso dos alunos que fazem sua parte no colégio, prestando atenção às aulas e estudando, mas que, por algum motivo, na hora da prova acabam travando.

"Já teve umas questões que falei ‘não sei’, daí precisei recorrer à ajuda de um amigo. Mas o mais fácil de acontecer é eu dar a ajuda. Não é passar a resposta, é para o amigo entender a questão. Não gosto de passar a resposta, mas às vezes passo a cola", diz.

"Lembro de uma prova de matemática que meu amigo não tinha entendido nada da questão, e eu já tinha as respostas na mão. E, quando faço isso, não é para questões textuais, que cada um tem a sua resposta. Então é como se ele tivesse acertado mesmo."

Em outra ocasião, Miguel precisou de uma mãozinha na prova de ciências. "Meu amigo me fez entender melhor a pergunta", lembra.

Miguel e seu material de estudos - Zanone Fraissat/Folhapress

"Conheço pessoas que já colaram, mas não vou dizer o nome. Eu nunca colei. Acho que às vezes a cola ajuda bastante, mas talvez seja um problema", completa Teo H. B.

A educadora e professora da pós-graduação da Faculdade de Educação da USP Silvia Colello explica que pensar a curto prazo, ou seja, no dia de hoje e não no amanhã, é natural quando somos crianças.

Por isso, é comum encontrar na escola colegas que pensem em "se dar bem no aqui e agora", como ela define. "Porém, será que um aluno que está sempre colando o pensamento e as resoluções dos colegas vai se dar bem no futuro?", ela questiona.

"Eu chupo a resposta do meu colega e vou me dar bem, mas até quando? É importante trabalharmos conceitos como roubo intelectual e plágio desde a infância."

Para ela, o ideal a se fazer diante de um "branco" na hora da prova é mostrar ao professor tudo que se sabe a respeito daquele tema, ainda que isso signifique não dar a resposta completa ou correta.

"Você responde tudo de que você der conta de responder. Porque às vezes você não chega ao resultado correto, mas sua atitude em face do problema, e o modo como você lida com as variáveis da questão, já mostram um conhecimento que deveria ser avaliado pelo professor", ensina.

Silvia acredita que a cola é mais que um sinal de como uma criança se comporta: é um reflexo dos valores da sociedade. "A cola é um boicote às regras da escola. E acho que as escolas estão mudando muito no processo de avaliação, com avaliações formativas, que exigem do aluno uma certa criatividade."

Esse debate sobre cola surge em meio à preocupação com que algumas pessoas receberam a criação do Chat GPT, uma ferramenta que funciona como um bate-papo, e em que é possível fazer perguntas ou dar instruções. Apresentado ao público no final de 2022, o chat poderia, por exemplo, fazer trabalhos escolares e dar respostas em provas com consulta.

"A tecnologia é sempre uma ferramenta que tem suas vantagens e desvantagens, dependendo do uso que você faça dela. E a escola sempre foi, historicamente falando, muito resistente a assimilar novas tecnologias, pensando sempre mais no mau uso delas", diz Silvia.

"Foi assim com o celular, por exemplo. Mas todas essas tecnologias são inevitáveis, não adianta coibir. Se proíbe uma, aparece outra. O papel da escola é trabalhar com conscientização dos alunos, e esse tema [ChatGPT] merece ser discutido com as crianças."

Nelson Pretto, professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), acha que a chegada do ChatGPT pode ser comparada à da máquina de calcular. "As reações foram intensas. Achavam que, com ela, ninguém mais pensaria matematicamente. Mas olha as Olimpíadas de Matemática e a quantidade de gente que ainda participa."

Se os professores não ficarem com medo e proibirem o chat, ele pode trazer bons debates para a sala de aula, segundo Nelson. "Infelizmente os processos educativos estão muito centrados nas preparações para provas, numa lógica de treinamento. Mas, se na sua escola não é assim, bem-vindo chat!", brinca.

Silvia Colello concorda. "Ele pode encorajar as escolas a se aprimorar, mas também pode ajudar professores a preparar aulas e alunos a estudar. Dá para pedir, por exemplo, para o chat fazer um texto sobre Revolução Francesa e treinar nele, fazendo uma síntese e conferindo o que já sabe."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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