Palavra 'velho' virou 'pesadelo' que reforça medo da sorte que é envelhecer, diz especialista

Crianças contam relação com idosos em casa, e gerontólogo explica que ficar idoso é sinônimo de estar vivo

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São Paulo

Quando se fala sobre velhice, várias palavras vêm à cabeça das pessoas, mas é raro que alguém pense na mesma definição que Emanuel Lopes: "Ficar velho é um privilégio, principalmente porque nem todo mundo consegue chegar lá", diz ele, que se formou na Universidade de São Paulo (USP) em gerontologia, um curso que forma especialistas no envelhecimento e na qualidade de vida nessa época da vida.

Ficar velhinho, compara Emanuel, é como ter a sorte de chegar ao "final round", ou seja, àquela fase mais especial e desejada do videogame —e quem seria bobo de só querer jogar os primeiros níveis e ir embora antes do grande final?

Os irmãos Bruno (esq.) e Lucca (dir.) - Ronny Santos/Folhapress

Envelhecer é privilégio porque quem morre antes disso não tem essa sorte, que inclui sinais visíveis como cabelos brancos, rugas, alguns esquecimentos e um pouco de dificuldade de ouvir e enxergar como antigamente, mas nada que se pareça com uma doença, ensina Emanuel.

"Tudo isso é natural e inevitável. Algumas pessoas vão experimentar isso mais cedo, outras, mais tarde, e vai depender da maneira com que elas viveram os outros ciclos antes da velhice", diz.

Para o menino Bruno D. V., 8 anos, dá para dizer que alguém está velho "por causa da idade e por causa da pele". "Ela fica mole e começa a dar pra puxar, fica enrugada", ilustra. Seu irmão Lucca D. V., 12, identifica os mais velhos quando eles começam a precisar de ajuda para tarefas.

Lucca acha que "a maioria da população" trata bem as pessoas velhas. "Se você for muito apegado a uma pessoa idosa você vai tratar ela muito bem. Agora, tem algumas pessoas que não dão espaço pra sentar no ônibus, ficam xingando só porque é velho, não têm paciência. E a gente deveria ser mais gentil com eles e passar mais tempo juntos", opina.

Esse preconceito tem nome, é o etarismo. E ele aparece todas as vezes em que limitamos o que uma pessoa mais velha pode ou não fazer. Pense se no seu squad do "Fortnite" ou na call do "Among" entrasse uma senhora de 70 anos, o que você diria?

Emanuel Lopes

gerontólogo

Esse jeito de falar, aliás, usando as palavras "velho" e "velha", pode parecer ofensivo para algumas pessoas, mas o gerontólogo Emanuel entende que há uma explicação importante para isso.

"Quando me refiro a algum paciente claro que sempre o chamo de 'senhor', mas em alguns ambientes, como a sala de aula, quando estou ensinando, uso a palavra 'velho' sim. Como uso as palavras 'criança' e 'adolescente'", diz.

"A verdade é que a gente criou um grande pesadelo em cima da palavra 'velho', e isso de uma forma ou de outra faz a gente rejeitar, temer ou até negar esse presente que é se tornar velho", acredita.

Ele acha que a velhice é um assunto que, assim como a morte, "acaba com o churrasco", no sentido de que, sempre que é abordado, deixa um "climão" no lugar. Acontece que, além desse desconforto passageiro, também pode haver situações em que falar sobre envelhecer pode ir um pouco além, se tornando um preconceito.

"Esse preconceito tem nome, é o etarismo. E ele aparece todas as vezes em que limitamos o que uma pessoa mais velha pode ou não fazer. Pense se no seu squad do 'Fortnite' ou na call do 'Among' entrasse uma senhora de 70 anos, o que você diria?", provoca.

"Esse preconceito tem muitas origens, mas vem principalmente de ligarmos o trabalho ao fato de sermos úteis, ou seja, quando se para de trabalhar, a utilidade vai embora", explica.

"Vivemos em um mundo onde há padrões a ser seguidos, tem gente que promete produtos para interromper o envelhecimento. E, quando você está fora desse padrão, corre o risco de ser descartado."

"Algumas pessoas não ajudam os idosos. Por exemplo, quando caem as compras deles e as pessoas passam e não ajudam", exemplifica o menino Bruno. Para Felipe B. P. R, 10 anos, é feio quando alguém retruca ou grita com idoso. "Também não pode ficar falando coisa nada a ver, e assim por diante", aponta.

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Os irmãos Felipe, 10 anos, e Breno, 6 anos, com a avó Sonia Odete - Arquivo Pessoal

Ele é apaixonado pela avó Sonia Odete, 59 anos, com quem gosta de jogar Uno. "A gente tem que dar amor, abraçar, falar 'eu te amo', desenhar desenho e dar pra ela. Ela cuida de mim, então eu tenho que cuidar dela", resume.

Os irmãos Bruno e Lucca também adoram passar tempo com os mais velhos da família, incluindo o tio Valdecir, o tio Nenê e a tia Judite, mas os idosos favoritos são os avôs e avós.

"Eles brincam comigo e sempre quando tô precisando de ajuda pra fazer alguma lição, ou ler um livro de várias páginas, eles conseguem me ajudar", diz Bruno. "Quando minha avó Leni vem aqui a gente desce pra andar de bicicleta, minha vó Erne também. Eles passaram grande parte da minha vida comigo, e me preocupo com eles porque eles são muito especiais pra minha vida, e eu não gostaria de perdê-los", completa Lucca.

"Se você ouvir alguém falando que não quer envelhecer abrace essa pessoa e diga que você deseja que ela consiga explorar cada vantagem e desvantagem desse momento. Viver e envelhecer são sinônimos", sugere o gerontólogo Emanuel.

Ele acha que, aos poucos, a mentalidade das pessoas está se modificando, e com isso olhando para a velhice de uma maneira mais generosa. "A gente não sabe lidar com mudanças, e por isso podemos pensar que ficar velho é a pior coisa que pode nos acontecer, e eu discordo disso", avalia.

"Espero que a geração de vocês respeite os idosos mais do que a nossa respeitou, que dê mais oportunidades, e que enxergue a velhice como um presente para a gente desembrulhar. Até porque o envelhecimento acontece desde o primeiro respiro que damos na Terra, basta estar vivo para envelhecer."

Para que essa mudança aconteça dentro de casa, uma ideia que Emanuel dá é que as crianças façam perguntas para os idosos, como por exemplo sobre quais foram os momentos mais felizes e tristes das vidas deles. Assim, diz ele, surgem "lições de vida importantes".

"O futuro pode até ter carros voadores, Elon Musk surfando com marcianos e chips no cérebro, mas garanto que só seremos um lugar melhor se entendermos o verdadeiro papel do idoso na sociedade", acredita.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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