Descrição de chapéu Família Todo mundo lê junto

Bucket list é ideia saudável e ajuda a falar sobre a morte com crianças

Lista de desejos do que fazer antes de morrer pode servir de estímulo ao tema em casa, ensina psicóloga

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São Paulo

O avô de João Guilherme S. P., 14 anos, sempre dizia que a morte é a única certeza da vida. Um dia, os dois se encontraram para almoçar, se despediram normalmente, e junto do tchau o neto quis dizer que o amava, mas fechou a porta antes, pensando que no dia seguinte faria isso.

"O dia seguinte nunca chegou. Ele morreu dormindo e foi lá pro céu", conta João Guilherme. "Toda vez que uma pessoa se afasta eu particularmente penso que preciso falar com ela porque vai que é a última vez. Porque ninguém imaginava que do nada ia perder ele e nunca mais ver ele. É muito difícil."

Por conta disso, a família de João tem conversado mais sobre a morte ultimamente. Ele diz que é uma conversa "chata e delicada", mas também importante. E que, por conta dela, o menino também tem pensado sobre a própria mortalidade.

Ilustração tem fundo degradê de cores pastéis, mostra em linhas brancas uma criança comendo macarrão que forma a - e - i - o, uma piramide e uma fatia de pizza, outra criança faznedo uma bola de chiclete de onde sai uma lua, um pé com cadarço desamarrado chutando uma bola.
Ilustração de Carolina Daffara com itens de bucket lists de crianças - @carolinadaffara

"Me incomoda um pouco quando começo a pensar muito a fundo, refletir. Mas se tem uma coisa que aprendi é que não tem o que fazer. Então, a gente tem que tentar aproveitar o máximo pra, quando for, ter realizado todos os desejos", diz.

João Guilherme talvez não saiba, mas tem feito algo muito bom: reconhecer que esse ponto final um dia vai chegar. "Lidar com a morte nada mais é do que lidar com a vida, com o significado dela", resume a doutora em psicologia clínica Gabriela Casellato, especialista em luto.

"Muitos de nós têm muita dificuldade de pensar no fim e acabam vivendo como se não houvesse amanhã. E, por isso, podem chegar à morte sem ter realizado coisas importantes, o que lhes rouba a sensação de paz e conforto."

É conhecida a história da jornalista Ana Michelle Soares. A AnaMi, como gostava de ser chamada, tinha recebido o diagnóstico de câncer em 2011, e compartilhava em seu perfil no Instagram o tratamento da doença.

Foi lá que ela também apresentou aos seguidores o conceito de bucket list, uma lista de coisas que alguém gostaria de fazer antes de morrer —o nome em inglês vem da expressão "kick the bucket", que é um jeito de se falar "morrer" (em português "chutar o balde" é sinônimo de desistir).

Na bucket list de AnaMi havia o desejo de conhecer lugares como o Museu do Louvre, em Paris, a Chapada dos Veadeiros, no Brasil, e comer pastéis de Belém em Portugal. Ela realizou tudo isso com a ajuda de pessoas famosas e amigos. AnaMi morreu no dia 21 de janeiro.

"A bucket list é uma ideia ótima, uma possibilidade de você ser protagonista da sua vida até o fim dela. E é legal, mais do que planejar, nos perguntar o que nos impede de colocar a lista toda em prática desde já", comenta a psicóloga Gabriela.

Na bucket list de João Guilherme também há viagens —ele quer visitar a Europa e o Egito— e várias coisas relacionadas aos esportes."Visitar o Maracanã, assistir às Olimpíadas e à Copa do Mundo, e assistir meu time Coritiba ser campeão brasileiro de novo", completa.

Thomas B. A., do Rio de Janeiro, tem 11 anos e colocou vários destinos em sua bucket list: Inglaterra, França, Indonésia, Colômbia e Japão. Ele também quer jogar futebol e dormir. "E comer muito chocolate, chiclete, bala, macarrão, batata frita e pizza. E queria também ir pra lua", diz.

"Quando você é criança você tem outras coisas que quer fazer, tem outros interesses. Aí quando vai crescendo seu humor vai ficando diferente, e talvez quando eu for maior eu queira fazer outras coisas", opina.

Ele fala que só se incomoda de pensar sobre a própria morte se ela não for acontecer "por coisas naturais, tipo por atropelamento" —isso dá medo, ele diz. "Mas, se for só por velhice, tudo bem, porque a vida passa muito rápido. E na nossa família a gente nunca conversa sobre morte."

"As famílias alimentam muito a ideia de que se falarem sobre a morte com as crianças elas vão sofrer mais. Mas, quando a gente impede a criança de participar, é como se a gente dissesse que ela não é capaz de lidar com aquilo, e essa é uma percepção muito ruim para ela", ensina a psicóloga Gabriela.

Outra dica que ela dá para os adultos falarem mais sobre esse tema com as crianças em casa é nunca mentir ou distorcer as informações. "A criança, a depender da idade, é muito literal. Se você falar para ela que o vovô virou estrelinha, ela vai realmente achar que o vovô virou estrelinha", fala.

"A gente tem que tomar cuidado com algumas explicações que podem parecer simples e mais fáceis de dar, mas que depois nos custam algumas confusões. Sempre que for falar da morte, dizer 'morreu', e não 'descansou' ou 'dormiu para sempre'."

Também não se deve esconder a tristeza. Ao demonstrar que a morte pode deixar todo mundo triste, inclusive quem já é grande, os adultos ensinam que aquele sentimento que a criança está experimentando não é só dela, e que está tudo bem vivê-lo.

Para quem não viveu uma perda recente, mas quer abordar o assunto da morte e não sabe como, Gabriela recomenda que se use livros legais, escritos para crianças, como ajuda para o primeiro pontapé. Ou, por que não, dar a ideia de que todo mundo em casa monte a sua bucket list.

Gabriela tem também a lista dela, em que há o desejo de ter muitos netos, para ser "uma avó bem dengosa", ver as luzes da aurora boreal e passar um tempo na Itália, de onde vem sua família.

"E eu gostaria muito de envelhecer bem e de ter uma morte digna. Eu não quero morrer intubada, com máquinas, quero morrer simples e bem. E quero antes ter momentos alegres de risada frouxa com meus amigos, e de partilha de memórias boas."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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