Na ABL, imortais não têm salário, trabalham bastante e gostam do chá com amigos

'Costumo brincar que somos quarenta vaidosos, mas quem não é?', diz escritora Ana Maria Machado; conheça os bastidores da Academia Brasileira de Letras

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São Paulo

Há épocas em que os adultos falam bastante sobre a ABL (Academia Brasileira de Letras), e algumas pessoas ficam se perguntando o que é esse lugar e por que ele é tão importante. Antes de qualquer coisa, não, a ABL não é uma academia tipo aquelas de ginástica —ela é uma instituição, com uma sede física, em que a principal função de tudo e todos é preservar a memória da literatura nacional.

Como "guardiões" desse tesouro, existem 40 pessoas eleitas, os chamadas "imortais". E, não, os imortais não são imortais de verdade —eles vão morrer um dia, igual a todo mundo.

Membros da ABL no dia da posse do escritor e jornalista Ruy Castro. Ana Maria Machado é a quinta sentada, da esquerda para a direita, e Antônio Carlos Secchin é o oitavo na mesma fileira - Tércio Teixeira-03.mar.2023/Folhapress

"Tudo morre. Se não morresse, nem tinha mais lugar no mundo para tanta gente, tanto bicho e tanta planta", comenta Ana Maria Machado, escritora e imortal na ABL desde 2003.

"O que chamam de imortal é a obra da gente, porque somos todos escritores e os livros vivem de novo cada vez que alguém lê", explica Ana, que já foi presidente da ABL entre 2012 e 2013. Lá na academia a presidência dura um biênio, como é chamado o período de dois anos consecutivos.

A cada vez que um imortal morre (esquisito dizer isso, realmente, mas já entendemos que é o que acontece), seu cargo —chamado de "cadeira"— fica vago. Qualquer pessoa que tenha nascido no Brasil e já publicado ao menos um livro pode se candidatar à ABL.

Mas o que será que move alguém a querer fazer parte da academia? "Os motivos são variados. Mas o desejo de convívio constante com grandes nomes da cultura do país é um grande estímulo", acredita Antônio Carlos Secchin, poeta e crítico literário, imortal desde 2004.

"Eu acho que as pessoas querem entrar por vaidade. Costumo brincar dizendo que somos 40 vaidosos, cada qual com seu tipo de vaidade, mas quem não é?", opina Ana Maria.

"Eu sou escritora. Minha vaidade é fazer parte de uma casa de grandes escritores, fundada por Machado de Assis e Joaquim Nabuco, e da qual já fizeram parte grandes autores como Manuel Bandeira e Guimarães Rosa, João Ubaldo e Lygia Fagundes Telles."

A ABL foi inaugurada em 20 de julho de 1897 por um grupo de escritores que incluía Machado de Assis e Olavo Bilac. Ela fica no bairro do Castelo, no Rio de Janeiro.

"Nós temos reuniões, chamadas sessões, toda quinta-feira de tarde. E às terças organizamos conferências, que são uma espécie de aula sobre livros e outros assuntos, para qualquer pessoa que queira ir", conta Ana Maria.

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Integrantes da 'panelinha da ABL', criada em 1901 para a realização de festivos ágapes e encontros de escritores e artistas. A fotografia é de um almoço no Hotel Rio Branco (1901), que ficava na rua das Laranjeiras, 192. De pé, : Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, José Veríssimo, Sousa Bandeira, Filinto de Almeida, Guimarães Passos, Valentim Magalhães, Rodolfo Bernadelli, Rodrigo Octavio, Heitor Peixoto. Sentados: João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos. - Arquivo ABL

"Quem mora fora do Rio vem de ônibus, se for de cidade vizinha, ou de avião. Durante a pandemia, fizemos reuniões virtuais, mas não foram muitas", lembra Antônio Carlos. Hoje em dia, só as conferências e cerimônias de posse são transmitidas pelo Zoom, mas as sessões, não.

Nesses encontros de quinta, antes de a sessão começar, são servidos lanchinhos e o famoso "chá da ABL". Ana Maria Machado diz que sua comida favorita são os sucos e as frutas que já chegam descascadas à mesa.

"Tem chá mesmo, café, suco, água, biscoitos. Tem o gosto que essas coisas têm de verdade, igualzinho ao que a gente toma em casa. Não é nada de mais", diz. Antônio Carlos gosta do bolo de rolo pernambucano.

"No chá, é hora do recreio, a gente fala o que der vontade na hora, sem planejar nada. Não é assim que é bom conversar com os amigos? Contar casos e piadas, falar das coisas que acontecem, ouvir o que eles contam", conta Ana Maria.

"Na sessão, falamos de coisas sérias: autores, livros, projetos para a academia desenvolver com comunidades do Rio, administração da nossa biblioteca e do nosso arquivo, publicações novas da ABL, ideias sobre o que acontece no país, projetos de exposições, comemorações de datas importantes, uso do nosso palco em apresentações musicais e teatrais, intercâmbio com outras instituições… É muito variado."

Quando é dia de sessão, os imortais vão à ABL com roupas normais, mas, nas cerimônias de posse de um novo membro, o clima fica mais formal e eles vestem fardões criados a partir de um modelo francês, explica Antônio Carlos, e que tem bordados de fios de ouro.

Por mais que fazer parte da ABL não seja um emprego como os outros, Ana Maria explica que trabalha bastante dentro da academia, escrevendo e desenvolvendo projetos. "Quando eu fui presidente da ABL, trabalhava oito horas todos os dias, era difícil ter tempo para escrever meus livros", lembra.

E, embora os imortais tenham direito a um pagamento se comparecerem às sessões, o chamado "jeton", como explica Antônio Carlos, não há salário na Academia Brasileira de Letras.

"Estive dez anos na diretoria, trabalhei para caramba e nunca tive salário da academia. Pode ser que tenha alguém que ache que tem salário lá, mas é gente mal informada. Não tem nem nunca teve", esclarece Ana Maria.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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