Descrição de chapéu maternidade

Livro fala sobre filhos de mães solo que precisam de apoio enquanto trabalham

Protagonista que acorda em uma casa diferente daquela em que foi dormir ilustra rotina de 1,7 milhão de mulheres no Brasil

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Ilustração de 'Aqui e Aqui', de Caio Zero Divulgação

São Paulo

O protagonista de "Aqui e Aqui" vive toda noite a mesma situação: ele adormece em uma cama e acorda em outra diferente, plantada em outro quarto de outra casa de outra rua. Ele não faz ideia de como essa mágica acontece, e chegou até a achar que fosse sonâmbulo, atravessando o bairro sozinho e se enfiando em um colchão desconhecido.

Na teoria, esse menino do livro é inspirado no autor Caio Zero, que trabalha como educador e ilustrador, mas é também um retrato de muitos brasileiros filhos de mães solo (que comandam sozinhas a família) que precisam da ajuda de vizinhos e parentes para lidar com o dia a dia dos cuidados com uma criança.

História mostra menino que todas as noites adormece em uma casa e, na manhã seguinte, acorda em outra - Divulgação

(Se você é criança e está lendo este texto, talvez não se dê conta de que seus responsáveis têm bastante trabalho para manter tudo funcionando direitinho: providenciar comida, uma casa, escola, higiene, diversão e carinho são tarefas que exigem bastante dos adultos. E, se você é um adulto que veio parar na Folhinha, não tem problema, tudo que a gente conversa aqui não tem censura.)

Quando Caio era pequeno, adormecia na casa da sua mãe e acordava na casa da Luzimar, a vizinha legal da família. "Era um percurso de muito mistério. Minha mãe nunca foi de explicar muito bem as coisas, às vezes ela desconversava. E isso serviu como motivação para eu e meus irmãos buscarmos nossas próprias respostas a partir dos nossos sentidos e percepções", lembra o autor.

A irmã mais velha de Caio conhecia o grande segredo que fazia com que ele fosse parar na Luzimar. Mas pensa que ela contava para ele? Jamais! E não porque ela fosse vacilona, mas porque ela e a mãe, dona Cintia, queriam manter acesas a curiosidade e a imaginação de Caio.

Luzimar e Cintia moravam em Bangu, no Rio de Janeiro, e eram amigas havia muitos anos. Os filhos e filhas das duas estudavam na mesma escola, porque só havia uma instituição no bairro. Então, além das manhãs na casa da Luzimar, as crianças também conviviam nas salas de aula, no recreio e no ônibus de volta no fim do dia.

"Até hoje eu percebo o quanto são importantes essas redes de apoio. E como elas são eficazes e são um ponto muito positivo nas comunidades, nas favelas, nos subúrbios. É como entender que eu faço parte também do outro, pois eu estou vivendo em coletividade com ele dentro desse espaço", diz Caio.

As redes de apoio a que Caio se refere são aqueles grupos de pessoas com quem as mães solo sabem que podem contar. Há um provérbio africano que diz que é preciso uma comunidade para que se crie uma criança, justamente porque é muito difícil cuidar de tudo sozinha —quanto mais gente puder colaborar, melhor.

Caio diz que nos bairros periféricos a vida das mães solo é mais complicada porque, além das dificuldades da falta de ajuda, também existem problemas lá fora, de estrutura, segurança etc. Em Bangu, ele afirma, o sistema de transporte "é horrível", o que complicava ainda mais a vida de dona Cintia.

Ainda assim, "Aqui e Aqui" é uma homenagem a este bairro em que Caio cresceu e viveu, assim como também celebra a vida de Luzimar (a quem o livro é dedicado) e, especialmente, a vida de dona Cintia.

Caio se lembra da falta que sua mãe fazia em vários momentos da infância, quando ela estava trabalhando e ele estava com sua rede de apoio. "Você tem que entender que não é por um descuido da mãe que essa ausência acontece, mas porque a jornada de trabalho é muito longa, o transporte é muito ruim… Só que, quando a mãe retorna, traz todo aquele afeto e aquela companhia que, infelizmente, não pôde dar", diz.

"Eu quis dizer para essa criança leitora que, apesar de isso doer, de isso machucar, ela tem muito carinho, muito afeto, e sua mãe vai te dar esse acolhimento quando ela voltar. E durante essa ausência dela, o seu bairro vai cuidar de você."

Atualmente, existem no Brasil 1,7 milhão de mães com a responsabilidade de criar seus filhos sozinhas, sem a participação do pai da criança. A pesquisa que descobriu esse número, feita pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, também diz que quase 15% dos lares brasileiros são comandados por mães solo, e 72,4% destas mães não contam com uma rede de apoio próxima.

São crianças que infelizmente não podem desfrutar da oportunidade que Caio teve na infância, e que a autora deste texto aqui e o filho dela também tiveram: acordar na casa de alguém que nos ama e saber que, no fim das contas, as mães sempre acham um jeito mágico de fazer tudo dar certo.

Aqui e Aqui

  • Preço R$ 54,90 (64 páginas)
  • Autoria Caio Zero
  • Editora Companhia das Letrinhas
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