Descrição de chapéu Livros maternidade

Livro sobre mãe que tem medo da própria filha sai do forno já contratado para a TV

Em 'O Impulso', a estreante canadense Ashley Audrain faz da insatisfação com a maternidade um suspense psicológico

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 Mother and Daughter - Egon Schiele

'Mother and Daughter', obra do artista austríaco Egon Schiele, realizada em 1913 Creative Commons

São Paulo

Falar abertamente sobre a insatisfação de uma mãe de primeira viagem com a maternidade já seria bastante difícil. Mas Blythe não só está triste, cansada e esgotada, como também vê atitudes propositalmente maldosas em sua filha, Violet.

Blythe é a protagonista de “O Impulso”, primeiro livro da canadense Ashley Audrain, recém-chegado ao Brasil. Vendido para mais de 30 países, a obra já sai do forno com um contrato de adaptação para uma minissérie pelos mesmos produtores do filme “História de um Casamento”, da Netflix.

Nos últimos anos, mais livros, filmes e séries têm tratado a maternidade de forma menos edulcorada, mostrando que ela pode nem sempre ser um mar de rosas.

mulher de camisa branca e cabelo loiro de braços cruzados e um grande sorriso
A escritora canadense Ashley Audrain, que estreia em 'O Impulso' - Alex Moskalyk/Divulgação

“Progredimos muito em alguns aspectos, mas ainda há muito na maternidade sobre o qual não abrimos espaço para que as mulheres falem”, diz Audrain. Segundo ela, há coisas sobre as quais as mães sentem que, se falarem, serão julgadas.

“Ainda é esperado de nós que amemos a maternidade e que ela seja natural para nós, não devemos nunca sentir nenhum arrependimento. Há essa pressão para que nos sintamos sempre gratas por sermos mães, mas você pode ser grata, amar profundamente seu filho, e ainda sim ter dias nos quais não curta ser mãe, dias em que deseje não ter aquelas responsabilidades, e a sociedade não gosta de ouvir isso das mulheres.”

Blythe não é ouvida. Ela não encontra um interlocutor para suas inquietações e as pessoas mais próximas, seu marido e sua sogra, minimizam suas reclamações e temores. “Definitivamente não damos espaço para verdades mais duras, como as de mulheres que se arrependem de ter tido filhos, que gostariam que seus filhos fossem diferentes, e essas são coisas muito difíceis de admitir e sentimentos muito duros para as mães carregarem.”

“O Impulso” tem a toada de um suspense psicológico. Narrado em primeira pessoa pela protagonista, deixa o leitor desconfiado quanto ao que está sendo contado. Devemos acreditar ou fazemos como todos ao redor de Blythe?

Somos apresentados a ela quando está a olhar, do banco de seu carro estacionado, sua filha pela janela da casa de seu ex-marido. Ela está ali para entregar a Fox, seu ex, um livro que escreveu com o seu lado da história. E é a sua versão sobre como foi separada de sua filha que acompanhamos ao longo do romance, intercalada por momentos da vida de Etta e Cecilia, avó e mãe de Blythe. Marcadas por um acontecimento trágico, elas não foram —como é a mãe de Fox—um exemplo de mãe perfeita.

Não se trata de um “O Bebê de Rosemary”, mas, como em todo bom suspense, contar mais aqui seria contar demais.

“Blythe tinha essa ansiedade sobre se seria como elas [sua mãe e avó] ou se tinha chances de ser diferente”, diz Audrain sobre sua personagem.

“Quando as pessoas vêm de passados trágicos ou de uma educação difícil, elas podem se esforçar para fazer tudo o que é possível para ser diferente, lutam para ter um tipo diferente de vida, para serem outro tipo de pessoa com outro tipo de família, e é notável que possam quebrar o círculo, ou então, por outro caminho, se sentem sem esperanças, incorrigíveis, porque não conhecem nada diferente daquilo.”

Segundo Audrain, a protagonista de “O Impulso” está no meio, entre os dois caminhos. “Ela sabe que esses são os caminhos possíveis, e estar nesse espaço cinza entre os dois é difícil para ela, e ela não consegue decidir qual seguir.”

Blythe é escritora e, da mesma forma que Audrain, tenta escrever seu primeiro livro depois do nascimento de sua filha. Antes diretora de imprensa da editora Penguin no Canadá, Audrain já havia pensado em escrever sobre maternidade, mas o livro só começou a tomar forma depois que seu primeiro filho completou seis meses.

“Sempre fui fascinada pelo motivo pelo qual as mulheres escolhem se tornar mães e por como isso muda suas identidades e suas vidas”, diz ela em conversa por vídeo. Ela conta que o fato de seu filho ter nascido com uma doença —sobre a qual não dá mais detalhes— fez com que ela pensasse sobre as expectativas “quanto à maternidade, como achamos que vai ser, com o que deve se parecer, e o jeito como devemos falar sobre maternidade e sobre sermos mães”.

Logo que pôde, Audrain passou a contar com a ajuda de uma baby-sitter por algumas horas na semana, quando ia a um café para escrever. Levou três anos para finalizar o primeiro esboço do livro e, no meio tempo, teve um segundo filho. “Fiquei sem tocar no livro por meses, até que os dois tivessem idade o suficiente para ir à escola e à creche, e aí foi luxo total, fui muito mais produtiva então.”

Quando falamos de seu livro já ter sido comprado para uma adaptação para a TV, na qual Audrain estará diretamente envolvida, ela aponta duas adaptações que servem de exemplo, “Big Little Lies” e “Little Fires Everywhere”, séries baseadas em livros escritos por mulheres.

Segundo Audrain, a literatura feita por mulheres chegou a um inédito nível de valorização e a passagem dessas histórias ao audiovisual deve garantir que se mantenham ali as vozes femininas. Por isso, ela diz, garantiu que o projeto tenha mulheres na adaptação do roteiro e, se possível, direção também feminina.

Entre as ofertas para a adaptação, havia também a oportunidade de que o livro virasse um filme. “Escolhi uma minissérie e não cinema por ter mais horas. Era muito importante para mim manter empatia pela Blythe e isso seria difícil se não houvesse tempo o suficiente para mostrar as nuances”, diz ela.

Um livro que já fazia barulho antes mesmo de ser publicado poderia ter levado sua autora estreante a uma turnê de divulgação por diferentes países, mas a pandemia impediu essa estratégia de divulgação. Audrain diz que foi decepcionante, que ansiava por encontrar leitores de outros países com quem pudesse discutir aspectos da maternidade em cada lugar.

O isolamento social, porém, se relaciona com o livro, segundo ela. “Há um grande tema ali, isolamento e solidão, e é assim que as pessoas se sentem agora”, diz a escritora. “Particularmente mulheres, e sobretudo mães, podem se reconhecer nesse livro, porque sempre nos sentimos um tanto sozinhas, muitas de nós não temos ajuda com nossos filhos, e temos que atravessar os dias em casa com eles.”

O Impulso

  • Preço R$ 49, 90 (328 págs.)
  • Autor Ashley Audrain
  • Editora Paralela
  • Tradutora Lígia Azevedo

"O Impulso" será tema do Clube de Leitura Folha em junho, junto de "Morra, Amor", de Ariana Harwicz.

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