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Josias Teófilo

Domínio do streaming deixa cineastas reféns de agenda identitária

Governo mira a esquerda, mas paralisa produção nacional independente como um todo

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Josias Teófilo

Cineasta, escritor e fotógrafo, dirigiu o documentário "O Jardim das Aflições", sobre Olavo de Carvalho

Quando a pandemia interrompeu sets de filmagens no Brasil e no mundo (foi a primeira vez na história que isso aconteceu), o setor audiovisual já enfrentava uma série de dificuldades no país.

Primeiro o Tribunal de Contas da União, o TCU, apontou irregularidades no sistema de prestação de contas da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, produzindo um impasse que levou o presidente da agência a suspender a liberação de recursos e uma grande quantidade de filmes ficou paralisada, até que o TCU arquivou o processo.

A Lei do Audiovisual, principal instrumento para a realização de filmes no Brasil, foi vetada pelo governo e ficou inutilizada por meses até que o Congresso derrubasse o veto.

O Fundo Setorial do Audiovisual, outro importante instrumento, está parado desde o começo do atual governo —com mais de R$ 1 bilhão em recursos parados, contrariando a lei do setor.

Com a paralisação de boa parte da produção independente no Brasil, os grandes beneficiários são os streamings, que têm recursos para investir na produção nacional.

André Sturm escreveu aqui na Folha sobre as condições draconianas que essas empresas impõem aos produtores brasileiros, obrigados a renunciar aos direitos das obras. E o problema não é só esse: além de uma série de demandas técnicas, vêm também as ideológicas.

As grandes plataformas de streaming são reféns da agenda identitária —a Netflix, por exemplo, força temáticas como transexualidade até em documentário sobre videogames da década de 1980; a Disney tem censurado os próprios desenhos animados clássicos por não se encaixarem no atual padrão do politicamente correto; nos Estados Unidos, o HBO Max retirou do ar o clássico "E o Vento Levou" por considerá-lo racista.

Clássicos como "O Silêncio dos Inocentes", filmes de Clint Eastwood da década de 1970, e até mais recentes como "Superbad", são impensáveis em tal contexto de produção.

O governo mira a esquerda, que de fato domina a produção cinematográfica autoral, mas acerta na produção independente como um todo, que inclui os filmes religiosos (espíritas, católicos, evangélicos), as séries de TVs policiais, que não tem muito em comum com a esquerda.

Não custa lembrar que o primeiro filme de Danilo Gentili, o filme "Polícia Federal" e "Real - O Plano por trás da História", feito por realizadores de oposição ao petismo, foram aprovados durante o governo Dilma.

Isso mostra que a Lei do Audiovisual é um instrumento que garante a diversidade da produção independente, além de uma alternativa contra a padronização imposta pelos streamings.

O secretário especial da Cultura, Mario Frias, parece buscar um difícil equilíbrio para se manter no cargo, tentando aplacar a vontade do presidente de acabar com a Ancine e as leis de incentivo e a necessidade de manter uma produção audiovisual no país.

E o ponto que ele parece ter encontrado é a questão da prestação de contas. Não há dúvida de que os filmes feitos com dinheiro público ou leis de incentivo têm que prestar contas.

O problema é que tal estrutura burocrática é inviável. O secretário não apresenta soluções para esses problemas nem para o Fundo Setorial do Audiovisual. Enquanto isso, atua como se fosse secretário de Comunicação do governo nas redes sociais.

Com a burocratização e a paralisação da produção audiovisual por meio das leis de incentivo —porque é simplesmente isso que tem acontecido— só vão existir os filmes feitos pelas plataformas, e quem vai decidir o que vai virar filme no Brasil são, no final das contas, executivos em Seattle, em Washington, ou em Los Gatos, na Califórnia.

E pior: diferentemente dos cinemas, os streamings têm grande poder de persuasão sobre o que os espectadores devem assistir, e eles na maioria dos casos apontam para filmes anglófonos, recentes, desprezando as produções locais e os clássicos.

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