Descrição de chapéu
Cinema América Latina

'A Chorona' usa clichês do terror para abordar guerra na Guatemala

Longa-metragem esteve entre os 15 semifinalistas do último Oscar de filme internacional

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A Chorona

  • Quando Estreia nesta quinta (23), nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco María Mercedes Coroy, Julio Diaz e Margarita Kenéfic
  • Produção Guatemala/França, 2019
  • Direção Jayro Bustamente

A lenda da Chorona surgiu no México, de raízes pré-colombianas, e ganhou variantes por quase toda a América Latina. A história básica lembra o mito grego de Medeia. Uma mulher indígena é seduzida por um conquistador espanhol, com quem tem três filhos. Quando ele a abandona, ela enlouquece de dor, afoga as crianças e se suicida. Desde então, seu fantasma vaga por aí, chorando de arrependimento.

Em 2019, Hollywood se apropriou da lenda. “A Maldição da Chorona” trouxe a entidade para a Los Angeles contemporânea e a transformou numa assassina vulgar e sanguinária.

No mesmo ano, o diretor e roteirista guatemalteco Jayro Bustamante deu um sentido político ao conto folclórico, que também é popular em seu país. Seu terceiro longa, chamado simplesmente “A Chorona”, venceu o prêmio Giornate degli Autori no Festival de Veneza de 2019 e representou a Guatemala na disputa pelo último Oscar de melhor filme internacional, ficando entre os 15 semifinalistas.

Aqui no Brasil, “A Chorona” está sendo lançado como um filme de terror convencional, na tentativa de atrair os fãs do gênero. Não que faltem sustos na obra, mas o ritmo lento e o complexo contexto histórico vão desapontar alguns.

O general Enrique Monteverde, vivido por Julio Diaz, é um ex-ditador que vai a julgamento por crimes cometidos durante a guerra civil que arrasou a Guatemala entre 1960 e 1996. O personagem não corresponde a nenhuma figura real, mas simboliza os muitos mandatários que sujaram as mãos de sangue ao longo do interminável conflito.

Seu tumultuado julgamento é acompanhado por mulheres com os rostos cobertos por pesados véus, que choram as mortes de seus filhos. Quando Enrique é condenado, elas se revelam —são todas da etnia maia-ixil.

Mas o tirano logo é libertado por causa de uma tecnicalidade e volta para seu palacete. Não demora a perceber que está em prisão domiciliar —manifestantes acampam à sua porta, dia e noite. Batucam tambores, entoam cânticos de protesto e, de vez em quando, quebram vidraças com pedradas.

Para piorar, Enrique começa a ouvir uma mulher chorando pela casa. Certa noite, sai do quarto de arma em punho, desce à cozinha e dispara quando percebe um vulto. Quase mata sua mulher Carmen, interpretada por Margarita Kenéfic. Essa atriz impressionante é uma dama do teatro na Guatemala, mas faz aqui apenas seu segundo filme.

Assustados, os muitos empregados, todos indígenas, pedem demissão. Só a mais velha fica, a governanta, o que a patroa suspeita ser fruto de uma aventura extraconjugal do marido. Junto com o casal estão a filha Natalia, papel de Sabrina de la Hoz, e a neta Sara, feita pela pequena Ayla-Elea Hurtado. A garota quer saber do que seu avô é acusado, mas sua mãe a proíbe de fazer perguntas.

A esse núcleo familiar se junta a jovem Alma, a nova empregada. Sua intérprete, María Mercedes Coroy, foi revelada pelo longa de estreia de Bustamante, “O Vulcão Ixcanul”, que tentou uma vaga no Oscar de 2016 e foi exibido no circuito brasileiro.

Carmen proíbe Alma de usar uniformes, que ela julga serem muito apertados e reveladores. A velha mulher não desconfia que o perigo oferecido pela bela criada é bem outro —como seu nome insinua, ela na verdade é um espírito, que veio cobrir de culpa o lar do patriarca.

Apesar de ter terminado há um quarto de século, a guerra civil deixou feridas abertas na Guatemala, visíveis no racismo e na desigualdade que ainda vigoram no país. Jayro Bustamante encontrou uma maneira original de abordar o assunto, usando os clichês do cinema de horror numa trama, que no fundo, não esconde mistério algum.

Só que as atrocidades mostradas na tela, em flashbacks ou sonhos, também aconteceram na realidade, e ameaçam voltar. Neste momento, até países bem mais ricos da América Latina, com instituições democráticas que pareciam consolidadas, correm o risco de resvalar para o genocídio indiscriminado de seus povos originários.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.