Uma professora por volta dos 30 anos tem uma filha pequena, um namorado e uma rotina simples. Ela observa as magnólias florescendo diante do colégio onde trabalha e lamenta que sua existência pareça tomada por uma espécie de inércia.
A primavera revela a exuberância das plantas, enquanto a narradora, cujo nome não é revelado aos leitores, parece entediada, entorpecida. “Eu acho que a vida vai parar aqui. Não espero nada nem ninguém.”
Em uma festa, a professora conhece Sarah. A impressão causada pela violonista na narradora –“ela é cheia de vida”– se repete ao longo do livro como um refrão. A violonista também se interessa pela professora.
As afinidades entre as duas parecem o início de uma amizade intensa e repentina, até que Sarah admite estar apaixonada. No primeiro encontro após a declaração, elas se beijam e fazem sexo pela primeira vez, dando início a um relacionamento vertiginoso.
O romance é estruturado com capítulos curtos, vários deles formados por fragmentos. A linguagem é poética e marcada por repetições. A intenção de registrar a intensidade do desejo, do prazer e da felicidade experimentada pelas duas, assim como a sensação de urgência que a vida da professora ganha ao lado de Sarah, se refletem no ritmo da prosa na primeira parte do texto.
As descrições evocam cheiros, texturas e paisagens e lembram "As Guerrilheiras", de Monique Wittig, embora uma das epígrafes do livro venha de "Os Anos", de Annie Ernaux, lançado recentemente no Brasil.
Nos momentos em que a narradora divaga sobre filmes e sonatas, seu tom dialoga com a narrativa impessoal usada por Ernaux em seus livros biográficos. No entanto, as referências à música clássica e aos filmes de Marguerite Duras, de François Trufffaut e de Alain Resnais servem como um respiro.
São instantes nos quais a professora não escreve sobre Sarah, mas busca em outras linguagens uma forma de tentar registrar o que não se pode exprimir sobre uma relação amorosa a quem nunca se apaixonou perdidamente.
A espontaneidade de Sarah se reflete em surpresas cotidianas, viagens repentinas, festas e bebedeiras. A narradora admira uma certa inconsequência de sua namorada e se rende aos seus caprichos por descobrir prazeres e uma felicidade desconhecida.
No entanto, a incapacidade da violonista de lidar com a vida e a relação com mais leveza torna aquilo exaustivo para as duas. As brigas se tornam frequentes, Sarah fica agressiva. A narradora se diz cansada de acompanhar o apetite de Sarah pela vida e de apaziguar os tormentos de sua amada, mas não termina o relacionamento.
Entretanto, o rompimento acontece, e a segunda parte do livro é dedicada a um processo de luto pela separação. São diversas as perdas com as quais a narradora precisa lidar. Ela tem medo do que virá a ser a vida sem Sarah, de não amar nem ser tão amada outra vez.
Sozinha, a narradora tem gestos que se assemelham aos de Sarah –cozinha algo de que gosta, dança observando a vista para o mar, passeia por lugares desconhecidos, mas também é assombrada pelo passado e teme que a felicidade tenha se tornado inalcançável, o que dificulta a retomada de sua vida após o término.
Ao fim da leitura, percebemos saber muito pouco sobre Sarah e a narradora. Talvez porque este não seja um livro sobre suas mulheres e seu relacionamento, mas uma reflexão sobre o encontro e o desejo como forças transformadoras na existência humana.
"Sarah É Isso" aborda a paixão como uma força da vida e da morte. Contudo, essa característica do romance pode ser o ponto alto do livro para alguns leitores e justamente o seu problema para outros.
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