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Arnaldo Jabor brilhou na TV, fingindo até cheirar cocaína para provocar

Cineasta morto aos 81 anos começou como colunista da Folha e passou por vários veículos, mas se encontrou nas telas

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O Arnaldo Jabor jornalista poucas vezes esteve à altura do Jabor cineasta em talento e originalidade. Mas foram os jornais, o rádio e, especialmente, a TV que deram ao diretor, morto nesta terça-feira, aos 81 anos, uma visibilidade que jamais tivera com os filmes.

Jabor não foi um cineasta alternativo, de produções voltadas para um público restrito. "Eu te Amo", de 1981, por exemplo, foi visto por mais de 3,4 milhões de pessoas. Os filmes, porém, não se equiparam em projeção e repercussão aos comentários de um minuto e meio que ele costumava fazer nos principais telejornais da TV Globo.

Arnaldo Jabor, cineasta, roteirista, diretor de cinema e TV, produtor cinematográfico, dramaturgo, crítico, jornalista e escritor brasileiro - Bob Wolfenson

Como disse ao programa Roda Viva de abril de 2005, ele aderiu ao jornalismo em 1991 por razões financeiras, mas não só. Estava imbuído de "uma coisa meio romântica da minha geração, de interferir na realidade do país". E o cinema, àquela altura, ia de mal a pior.

A estreia aconteceu a convite da Folha, como ele contou em texto de despedida como colunista de jornais, publicado em abril de 2017 –naquele momento, escrevia para veículos como O Globo e O Estado de S. Paulo.

"Eu fiz cinema por 30 anos e, como todo cineasta, sofria de duas angústias básicas: ansiedade e frustração. Fiz nove filmes e, mesmo assim, passava necessidade para sustentar minhas filhas. Um dia falei: ‘Enchi. Chega de sofrer’. Encontrei Fernando Gabeira num avião e pedi que ele me recomendasse à Folha, onde ele escrevia. Pois não é que o bom Gabeira me indicou ao Otavinho Frias, que me empregou? Sou grato a Gabeira por isso e pelo importante trabalho desse grande brasileiro", escreveu.

Começou como articulista e, no ano seguinte, ganhou uma coluna na Ilustrada, publicada às terças. Alternava reflexões sobre a vida política e econômica do país com análises de cinema, literatura e fenômenos comportamentais. Com o passar do tempo, ele se concentrou mais nas questões de Brasília, sempre em tom provocativo.

Em diferentes jornais, Jabor comentou a atuação de sete presidentes, a começar por Fernando Collor de Mello, com quem foi demolidor. "Collor é uma caricatura caligulesca da burguesia brasileira e tem a missão inconsciente de desnudá-la, como quem desvenda um crime, cometendo-o", escreveu na Folha em julho de 1992.

É provável que tenha publicado seus melhores textos –os mais imaginativos e contundentes– nesses primeiros anos da década de 1990.

Jabor não tinha Itamar Franco em alta conta –"Collor sofria de ansiedade, Itamar, de nostalgia"– até o lançamento do Plano Real, saudado por ele. Dedicou, de modo geral, textos elogiosos ao presidente seguinte, Fernando Henrique Cardoso.

As críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva cresceram, sobretudo, no segundo mandato do petista e se ampliaram com Dilma Rousseff.

"A Lava Jato é o primeiro passo para o país sair da barbárie", disse Jabor no Jornal da Globo em junho de 2017. Ele não foi exatamente um entusiasta do governo Michel Temer, mas deu ao emedebista votos de confiança. A indignação em alto calibre só voltou nos anos Jair Bolsonaro.

A colaboração com a Folha rendeu três coletâneas, "Os Canibais Estão na Sala de Jantar", lançada pela editora Siciliano, em 1993, "Sanduíches de Realidade", lançada pela Objetiva, em 1997, e "A Invasão das Salsichas Gigantes", também da Objetiva, em 2001, e pelo menos uma controvérsia de peso.

Em maio de 1998, a então ombudsman, Renata Lo Prete, alertada por uma leitora, mostrou que o texto "As Ideias e as Palavras" era muito parecido com um artigo do próprio Jabor publicado dois anos antes. Em sua coluna, ela exibiu os números —"59% do que saiu na semana retrasada é reprodução literal do material de 1996; desconsideradas as alterações cosméticas, a intersecção sobe para 65%". Jabor respondeu —"reutilizei trechos de ideias para tratar do mesmo tema".

Ele deixou de escrever na Folha em 2001 e passou a publicar seus artigos no jornal O Estado de S.Paulo, além do Globo, do qual já era colunista desde 1995. Jabor se manteve nesses dois veículos, entre outros, até 2017.

Vieram, claro, instantes luminosos na imprensa escrita, mas o declínio ficava, ano após ano, mais evidente. Com alguma frequência, ele se entregou a polêmicas ocas, construídas com frases de efeito, e se acomodou muitas vezes no papel de vilão da esquerda.

No rádio e, sobretudo, na TV, ocorreu um movimento contrário —não naquilo que ele dizia, mas em como dizia. Jabor foi se aprimorando desde que, nos anos 1990, começou a fazer comentários curtos para os telejornais, especialmente o Jornal da Globo, onde permaneceu por mais tempo –ficou um período no Jornal Nacional, entre o fim dos anos 1990 e meados da década de 2000.

Era, definitivamente, um jornalista da televisão.

Impressionava pelo poder de síntese e por uma eloquência envolvente, amparada em gestos largos. Nos telejornais, Jabor soube unir um jornalismo incisivo e alguns artifícios do cinema e do teatro. "É quase uma performance, não apenas opinião. Um cinema de mim mesmo, em que sou ator e diretor", disse ele também no Roda Viva.

Interpretou personagens e cantarolou músicas para concluir seus comentários. Ao falar sobre tráfico de drogas, chegou a fingir que cheirava cocaína —era açúcar. Gostássemos ou não da opinião de Jabor, seu poder de comunicação diante da câmera de TV era uma proeza.

O sucesso não apenas impulsionou a carreira de palestrante. Novos livros vieram, como "Amor É Prosa, Sexo É Poesia", lançado pela Objetiva, em 2004, com crônicas sobre relações amorosas, família, pudores. O texto que dá nome ao livro inspirou uma música de Rita Lee.

No texto de despedida, de 2017, deixou sinais de humor, uma marca desde sempre. "Vou continuar escrevendo, mas sem ritmos semanais, somente 'gratia artis', talvez até tentando alguma coisa mais alentada como o romance definitivo de minha geração (rs rs rs)."

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