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Festival de Berlim premia 'Alcarràs', de Carla Simón, e coroa o cinema feminino

Depois de Cannes e Veneza, Berlinale fecha trinca inédita de louros a diretoras mulheres nas competições europeias

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Veneza

A 72ª edição do Festival de Berlim consagrou o cinema feminino em sua premiação, divulgada na tarde desta quarta-feira. "Alcarràs", longa espanhol dirigido por Carla Simón, cineasta ainda em seu segundo longa, não parecia ser um dos favoritos ao prêmio, mas abocanhou um Urso de Ouro bastante merecido.

O nome se refere a uma pequena cidade na Catalunha, onde uma família agricultora precisa colher o fruto de seu trabalho pela última vez, já que os reais proprietários de sua terra querem ocupar a área. É um filme solar, sobre relações familiares, o conflito entre tradição e modernidade, e a questão fundiária na Espanha. Era de fato uma das obras mais sólidas exibidas na Berlinale neste ano.

Cena do filme 'Alcarràs', vencedor do Festival de Berlim
Cena do filme 'Alcarràs', da espanhola Carla Simón, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2022 - Divulgação

Convém lembrar que o último Festival de Cannes premiou "Titane", de Julia Ducournau, enquanto o de Veneza laureou "L’Événement", da também francesa Audrey Diwan. Assim, o prêmio de Simón foi o terceiro troféu principal consecutivo entregue a uma mulher nos maiores festivais de cinema do mundo —é a primeira vez que tal fato acontece. Algum significado isso certamente tem.

Aliás, a Berlinale concedeu outros dois prêmios muito importantes a diretoras mulheres. A láurea pela melhor direção foi entregue à francesa Claire Denis, por "Avec Amour et Acharnement". O longa aborda um triângulo amoroso entre cinquentões na Paris contemporânea, discutindo questões como liberdade de amar e compromisso de fidelidade com o parceiro. Foi um aceno do júri à complexidade no tratamento dos relacionamentos modernos, bem ao gosto da cineasta.

A diretora espanhola Carla Simón, premiada com o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2022, ao lado do cineasta M. Night Shyamalan, que presidiu o júri da edição - Ronny Hartmann/AFP

O Prêmio do Júri foi entregue a "Robe of Gems", da boliviano-mexicana Natália Lopez Gallardo, que mostra como o tráfico de drogas é capaz de destruir a vida tanto de jovens que aceitam fazer parte do esquema criminoso quanto a de seus familiares, trazendo também malefícios para a sociedade como um todo. Este talvez não tenha sido lá um prêmio dos mais merecidos, porque se trata de uma narrativa um pouco confusa e afeita a estetizações desnecessárias, mas é um filme forte sem dúvida.

O primeiro Festival de Berlim presencial desde o início da pandemia foi um bocado estranho em termos estruturais, para dizer o mínimo. Para começar que foi bem mais curto —durou seis dias, em vez dos 11 habituais, contando com bem menos jornalistas e público.

Como resultado, houve inevitavelmente uma certa frieza durante as sessões —como as salas precisavam ter só metade da capacidade de público, faltou aquele tipo de calor humano festivaleiro que costuma gerar respostas inflamadas dos espectadores. Não há notícia de alguma sessão que tenha tido uma mísera vaia ou algum aplauso mais intenso.

Era impossível intuir que filmes seriam do agrado do júri presidido pelo indo-americano M. Night Shyamalan —e que trazia o brasileiro Karim Aïnouz como um dos membros. Difícil saber como receberiam, por exemplo, o novo filme de Hong Sang-soo, com um trecho final que pode ser visto tanto como belo e poético quanto decepcionante e desleixado, dependendo da boa vontade de quem vê.

Ao que parece, os jurados penderam para a primeira avaliação —o longa do mestre sul-coreano, que pelo terceiro ano consecutivo teve um filme na disputa por troféus no festival, levou o Grande Prêmio do Júri. Com uma trama sobre uma escritora que decide fazer um filme quando encontra uma atriz num parque, o filme se revela, com o tempo, uma grande homenagem do cineasta a Kim Min-hee, sua musa nas telas e mulher na vida real. Ao receber o prêmio, Sang-soo fez questão de chamar a atriz para o palco.

A comédia alemã "Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush", de Andreas Dresen, levou dois prêmios. A melhor performance principal foi para a comediante Melten Kaptam, numa atuação de fato reluzente, na pele de uma mãe que faz o impossível para tirar o filho muçulmano da prisão de Guantánamo, onde o rapaz foi preso por soldados americanos depois de ser associado ao Talibã.

O longa, que trata com humor o complicado tema do terrorismo, também levou o prêmio de melhor roteiro —este um troféu bem mais discutível, já que o filme aborda o assunto de forma superficial, priorizando sempre a comicidade.

O Urso de performance coadjuvante foi para a indonésia Laura Basuki, por "Nana", filme que muitos achavam que levaria algum troféu mais importante. Já o prêmio de contribuição artística foi para "Everything Will Be Ok", do cambojano Rithy Pahn, devido à "concepção e execução de um memorável universo". O longa usa várias maquetes e miniaturas em argila para ilustrar um filme-ensaio que reflete sobre várias tragédias da humanidade.

O júri fez ainda uma menção especial ao coro de "Drii Winter" —"A Piece of Sky", no título internacional—, do suíço Michael Koch. A homenagem foi ao grupo de músicos que pontua o drama sobre um homem com uma doença terminal.

O diretor Bruno Ribeiro recebe o Urso de Prata pelo curta-metragem "Manhça de Domingo", durante o Festival de Berlim de 2022 - Stefanie Loos/AFP

O Brasil não saiu de mãos abanando da Berlinale. O carioca Bruno Ribeiro ganhou o segundo prêmio mais importante entre os curtas-metragens do festival —"Manhã de Domingo" levou o Urso de Prata na categoria. O filme mostra uma pianista negra às vésperas de seu mais importante recital —enquanto espera seu grande momento na carreira, ela é invadida por memórias da mãe, morta há pouco.

"Dedico [o Urso] a minha mãe, que morreu durante a pandemia, mas que foi quem mais me apoiou a me tornar um cineasta", disse Ribeiro, muito emocionado, ao receber o troféu. O diretor quase não conseguiu estar presente no festival —precisou inteirar o orçamento com uma vaquinha virtual. Seu caso é uma das provas de que, a despeito das terríveis adversidades na cultura brasileira atual, ainda há no Brasil quem acredite em nossa capacidade de produzir e fazer bonito lá fora.

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