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No Lolla, o rock está vivo só que nas mãos de cantoras pop e emos

Acostumado a trazer figurões de um rock mais tradicional, festival tem se inclinado ao pop e feito acenos ao rap

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A cantora Miley Cyrus se apresenta no palco Budweiser para fechar o segundo dia de shows do Lollapalooza de 2022

A cantora Miley Cyrus se apresenta no palco Budweiser para fechar o segundo dia de shows do Lollapalooza de 2022 Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

Na noite do último sábado, dezenas de milhares de pessoas no Lollapalooza, em São Paulo, cantavam a plenos pulmões o hit "7 Things", que Miley Cyrus lançou em 2008 e que, na MTV, passava entre um clipe do Panic! At the Disco e outro da Beyoncé. Naquela época, Cyrus estava com um pé em cada um desses universos —era uma cantora pop recém-saída da Disney, mas gritava por cima de guitarras sobre um romance do qual não conseguia se desvencilhar.

No dia mais concorrido da edição "pós-pandêmica" do festival no Brasil —foram 103 mil presentes, segundo a organização—, o evento se abria pela primeira vez para uma cantora pop mainstream desta magnitude, mas eram as guitarras distorcidas que davam o tom no palco. De certa forma, o rock continua presente no Lollapalooza, mas agora tem mais força nas mãos de artistas do pop e no revival cada vez mais explícito do pop punk e do emo.

Desde sua primeira edição brasileira, há dez anos, o Lolla tem recebido figurões de um rock mais tradicional, que fizeram sucesso há pelo menos 20 anos —de lá para cá tocaram no evento bandas como Foo Fighters, Pearl Jam e os irmãos que um dia formaram o Oasis, Liam e Noel Gallagher. Mas, paralelamente, tem tornado todo o resto do lineup mais inclinado ao pop, além de apostar alto na música eletrônica e ter feito acenos ao rap.

A apresentação um tanto morna dos Strokes na sexta, apesar de reunir uma plateia significativa, passou longe de representar a euforia e a urgência que este mesmo tipo de show tinha há dez anos. Já havia sido assim quando a banda tocou por aqui em 2017 e também nas passagens mais recentes de nomes como o The Killers, Kings of Leon e Arctic Monkeys, e até mesmo com o Libertines, neste ano —apesar dos hits, a banda não tem mais a mesma pegada de antes.

Ao mesmo tempo em que o rock de outros tempos parece cada vez mais anacrônico para o público do Lolla, a história é outra quando ele vem de quem o incorpora de outra forma em suas músicas.

Ainda que impulsionado pela saudades das grandes aglomerações depois de dois anos de isolamento social, o público presente no show de Miley Cyrus, por exemplo, foi muito mais vibrante e emocionado do que o de outras figuras mais clássicas que já fecharam o festival. Isso só elevou os ares épicos da performance.

Num show simbólico, a americana traduziu no palco duas tendências que a música pop tem retomado de alguns anos para cá e que andam de mãos dadas —o revival sonoro e estético do rock e outro revival das décadas de 1970 e 1980.

Visualmente, a fase atual de Miley Cyrus evoca uma mistura do auge de Debbie Harry, do Blondie, banda que inclusive apareceu no setlist, com um cover de "Heart of Glass", com algo de Cherie Currie, a vocalista de vocal rasgado do The Runaways, que apostava nos macacões colados no corpo e muito couro. O último álbum de Cyrus, "Plastic Hearts" de 2020, inclusive, tem uma música em parceria com Joan Jett, lendária guitarrista da banda de mulheres.

Até a presença de Anitta no show para cantar sua recente "Boys Don’t Cry", um pop com sintetizadores que remetem a outros tempos e tem um pé no rock oitentista —e também no emo— foi uma clara alusão a disso. A cereja do bolo foi a total conversão de "See You Again" em uma música de rock, sem nenhum indício de que ela foi feita há 15 anos para a trilha sonora pop da série infantil "Hannah Montana", estrelada por Miley Cyrus.

Vários outros acenos ao gênero musical e ao pop punk foram feitos pelas cantoras pop durante o festival. Na sexta-feira, por exemplo, Doja Cat incluiu no repertório "Bottom Bitch", que começa com um sample de "What's My Age Again", do Blink-182; no mesmo dia, no palco eletrônico, a estreante Ashnikko mostrou para o público "L8r Boi", música que repagina "Sk8er Boi", hit de 20 anos atrás de Avril Lavigne, com batidas de hip-hop e novos versos feministas.

Com algumas exceções, essas guitarras que soaram no festival tinham um destino bem específico —o pop punk e o emo. No domingo, Lucas Silveira, vocalista do Fresno e ícone desse movimento no Brasil, disse que "revival é o caralho, a gente sempre esteve aqui". Ele não está errado. O Fresno é uma das poucas bandas que alcançaram o sucesso mainstream nos anos 2000 e se mantém até hoje fiel ao estilo que o consagrou, ainda que sem se limitar a ele.

A frase também valeria para os shows de A Day to Remember e Alexisonfire, bandas mais pesadas e de diferentes vertentes do emo, mas que são veteranos e levaram um público que os acompanha há anos ao festival. Mas há muita gente fazendo o caminho inverso, e também jovens que emulam a estética de 15 anos atrás.

O Machine Gun Kelly, que tocou para uma plateia bem cheia, no palco principal, na sexta, era trapper até um dia desses. Num movimento bastante improvável para a indústria dos dias de hoje, ele passou a fazer mais sucesso depois que trocou o Auto-Tune e as batidas eletrônicas por guitarras cor-de-rosa e baterias no estilo Travis Barker —o famoso baterista do Blink-182 que é uma espécie de padrinho deste novo momento do pop punk.

Barker não esteve no Lolla —e talvez nunca esteja, já que, desde que sofreu um acidente, não viaja mais de avião. Mas sua presença foi sentida mesmo assim, do sample de Blink usado por Doja Cat, passando pelas canções com participação ou produção dele de Machine Gun Kelly, ou MGK, e Jxdn e até na influência sobre outros bateristas no evento.

Show do músico Machine Gun Kelly no palco Budweise
Show do músico Machine Gun Kelly no palco Budweise - Rubens Cavallari/Folhapress

​MGK é um artista do tipo retrô, que emula o pop punk e o emo na estética e no som, com músicas como "Emo Girl", uma ode a uma garota emo. Já Jxdn, sucesso no TikTok, até na grafia do nome —como se fosse um usuário de rede social— parece ter sido criado por um algoritmo. Ele não tem o visual semigótico e tocou no Lolla com uma camiseta do Brasil e calças largas, mas suas músicas ecoam Blink e Simple Plan —ainda que sua plateia seja de uma geração que estava nascendo quando esses grupos começavam a ganhar espaço no rádio e na TV.

Essa é uma movimentação que vai além do próprio Lolla —o Rock in Rio, por exemplo, já escalou Green Day, Avril Lavigne e Fall Out Boy para celebrar esta nostalgia no festival carioca em setembro.

Para manter a coerência, o Lollapalooza deveria enviar um barco até a Califórnia para trazer Travis Barker e o Blink-182 pela primeira vez ao Brasil. E a experiência de sucesso com Miley Cyrus, quem sabe, poderia abrir caminho para um show de Olivia Rodrigo, nova estrela pop que tem pelo menos um hit, "Good 4 You", no estilo pop punk.

Momentos do Lollapalooza 2022

Adeus, Taylor
O Lolla foi marcado pela morte do baterista do Foo Fighters, Taylor Hawkins, dois dias antes da banda se apresentar no festival. Artistas homenagearam o músico em seus shows e o festival acabou com uma bateria iluminada em cima do palco

Caos
Na sexta-feira, uma tempestade interrompeu o show da banda The Wombats, atrasou a programação e fez uma estrutura cair em cima de um homem. Os shows foram novamente interrompidos no domingo por causa do mau tempo

Furacão Miley
O melhor e mais emocionante show do evento foi o de Miley Cyrus, que fez performance histórica e cantou hits, homenageou o amigo Taylor Hawkins, ajudou num pedido de casamento e dançou com Anitta no palco

'Lulapalooza'
O show de Pabllo Vittar no primeiro dia de festival pautou o resto do evento —por causa de uma toalha estampada com o rosto do ex-presidente Lula, O TSE, a pedido do partido do presidente Jair Bolsonaro, o PL, quis proibir que artistas se manifestassem politicamente no palco nos dias seguintes. O pedido inflamou ainda mais os artistas e o público

Rappers contra Bolsonaro
No lugar do show do Foo Fighters, o festival escalou um timaço de nomes do rap brasileiro —tocaram Emicida, Planet Hemp, Mano Brown e outros. Os artistas homenagearam Taylor Hawkins, visitaram clássicos do gênero e falaram com frequência contra Bolsonaro e sobre a tentativa de censura do TSE

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