De Lucille Ball a Sarah Jessica, atrizes se reinventam como empresárias

Em comum, elas têm desejo que muita atriz tem de desenvolver outros talentos além daqueles pelos quais ficaram conhecidas

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São Paulo

As divas de Hollywood –ou do cinema brasileiro, ou mesmo da TV Globo– não são as únicas profissionais que sentem o baque dos 40 anos, ou da volta ao trabalho depois de terem filhos. Qualquer mulher, em qualquer cultura, sabe que esse desafio é uma das provas mais evidentes do machismo nosso do dia a dia, aquele totalmente assimilado, que quase ninguém nem vê. Até a própria natureza parece contribuir para a sensação de déjà vu que é ter uma versão parecida com você, mas com 20 anos a menos, fazendo o trabalho que você sabe que poderia fazer melhor.

Mas, ao contrário de nós, meras mortais, pessoas como Cameron Diaz, Jennifer Aniston, Gwyneth Paltrow e Sarah Jessica Parker, entre outras, estão usando a beleza que Deus lhes deu e a fama que Hollywood trouxe como ativos em negócios que dão muito dinheiro.

Se não são mais convidadas para protagonizar os filmes, as séries ou as novelas de TV mais cobiçadas, como costuma acontecer a quem ousa ter filhos ou completar 40 anos, podem investir todo o valor agregado que seus nomes e suas fotografias trazem para faturar de outro jeito.

Sarah Jessica Parker acena durante os agradecimentos de sua nova peça, "Plaza Suite", em Nova York
Sarah Jessica Parker acena durante os agradecimentos de sua nova peça, "Plaza Suite", em Nova York - Eduardo Munoz/Reuters

A jornalista e assessora de imprensa especializada em audiovisual Anna Luiza Muller, dona da Primeiro Plano Comunicação, baseada no Rio de Janeiro, avalia que "não há mais atrizes com carreiras como as de Glória Menezes, Arlete Salles ou Susana Vieira, por exemplo, que foram só atrizes a vida inteira. O mercado mudou, o mundo mudou. Não tem mais aqueles contratos que duram a vida toda, acabou isso".

Além dessa transição fundamental, Anna Luiza acredita que um sinal dos nossos tempos atuais é o desejo que muita gente tem de ser mais múltiplo, de desenvolver outros talentos além daqueles pelos quais ficaram conhecidos ou ganharam dinheiro. "Com as atrizes isso é muito evidente, porque muitas delas começam a trabalhar e vivem o auge de suas carreiras muito novas, e só depois sentem o desejo de ter mais autonomia na profissão, ou outro propósito mesmo."

A comediante Lucille Ball (1911-1989) foi pioneira desse movimento. Começou a carreira como modelo em 1929, depois, contratada pelo estúdio RKO nas décadas de 1930 e 1940, fez vários filmes em papéis sem expressão.

Quando completou 40 anos, já casada com o músico e produtor de TV nascido em Cuba Desi Arnaz, criou a sitcom "I Love Lucy", em que atuava como showrunner, antes mesmo de esse termo existir. Em 1962, depois de se divorciar de Desi, foi a primeira mulher a dirigir um estúdio de TV, o Desilu Productions, responsável por sucessos como as séries "Missão: Impossível" e "Star Trek".

Passar para o lado de trás das câmeras e atuar também como produtoras, selecionando peças, filmes e séries com bons papéis para elas mesmas, foi o caminho que seguiram as atrizes Reese Witherspoon, 46, vencedora do Oscar de melhor atriz em 2006 por "Johnny & June", Jennifer Aniston, 53, de "Friends", e Drew Barrymore, 47, de "As Panteras".

Reese Witherspoon, 46, fundou, em 2012, a produtora Pacific Standard, que tem como foco histórias escritas por mulheres ou com bons papéis femininos, não especificamente para ela. A produtora lançou o filme "Garota Exemplar" (2014), com Ben Affleck e Rosamund Pike, e a série "Big Little Lies" (2017-2019), em que ela também trabalha como atriz, entre outros.

Em 2015, Witherspoon investiu em outro negócio que também atrai atrizes de Hollywood: uma linha de roupas e lifestyle, ou seja, coisas para a casa, livros, acessórios e até máscaras de pano, chamada Draper James, inspirada em suas raízes sulistas.

Tem ainda a produtora Hello Sunshine, criada em 2016, um braço da Pacific Standard, também com foco em histórias de e para mulheres, com um clube do livro, dois podcasts e um canal de TV paga. Seu patrimônio é avaliado em US$ 200 milhões.

Sua colega na série "The Morning Show", Jennifer Aniston, 53, já é veterana no mundo das estrelas-produtoras. Em 2001, enquanto ainda fazia parte do elenco da série "Friends" (1994-2004), fundou com seu então marido, Brad Pitt, e o sócio Brad Grey a Plan B Entertainment, que ganhou um Oscar de melhor filme em 2014 por "Doze Anos de Escravidão". Mas Aniston tinha saído da sociedade em 2006, quando acabou seu casamento com Pitt.

Fundou em seguida outra produtora, a Echo Films, em 2008, que lançou os filmes independentes "Cake - Uma Razão Para Viver" (2014), em que tem o papel principal, "Fofinha" (2018), em que encarna a mãe careta de uma adolescente gorda que participa de um concurso de beleza e o especial de TV "Friends: A Reunião" (2021), que marcou o lançamento do canal HBO Max no Brasil. Aniston chegou à lista da revista Forbes das artistas mais ricas dos Estados Unidos em 2017, ao lado de nomes como Madonna e Oprah Winfrey.

Drew Barrymore, 47, atriz que começou a carreira aos seis anos no filme "E.T., o Extraterrestre" (1982), de Steven Spielberg, também foi precoce ao fazer a transição para o lado de trás dos holofotes. Aos 20 anos criou sua produtora, a Flower Films, que existe até hoje e está por trás de seus últimos trabalhos como atriz, como a série "Santa Clarita Diet" (2017-2019), e sua nova empreitada, o programa de entrevistas "The Drew Barrymore Show", distribuído pela CBS, que entrou no ar em setembro de 2020 e está atualmente na segunda temporada.

Seu portfólio não para de crescer. Barrymore chegou ao mundo da beleza com a marca Flower Beauty, que vende maquiagens, perfumes e acessórios. Tem também uma linha de óculos, a Flower Eyewear e uma de objetos para a casa, a Flower Home. Todos seus produtos têm preços acessíveis e estão à venda em lojas de departamentos populares como a Walmart.

E, desde 1999, Drew Barrymore tem uma vinícola na Califórnia, na região de Monterey, em que cria 3 tipos de vinho: dois Pinot Noirs e um Pinot Grigio. À venda no Brasil por meio da importadora World Wine, custam por volta de R$ 200. O patrimônio da atriz e empresária é estimado em US$ 125 milhões.

Foi a paixão por vinhos que converteu a atriz Cameron Diaz, 49, em mulher de negócios. Em 2018, em uma conversa com a amiga e atual sócia Katherine Power, Cameron conta, em uma entrevista publicada no site de sua grife, Avaline, que quis saber que outros ingredientes, além das uvas, existiam nos vinhos, e por que algumas vezes se sentia mal depois de ingerir a segunda taça.

Com a intenção de conseguir beber mais sem sofrer as consequências comuns associadas ao consumo de álcool, a dupla começou uma pesquisa, que resultou em uma linha de vinhos que elas chamaram de "clean", a palavra da moda, que está em comidas, cosméticos, roupas etc.

Quer dizer livre de qualquer coisa que faça mal ao corpo, à natureza, ao planeta. Os vinhos de Cameron, que provocaram bafafá no Twitter por conta dessa nomeação, foram chamados de "clean" por serem feitos com uvas orgânicas e sem adição de açúcares ou conservantes.

Aqui no Brasil esse movimento ainda é muito incipiente, mas já dá sinais de que está ganhando força. A atriz Glória Pires, 58, uma das mais importantes da TV brasileira, com 50 anos de uma carreira que não parece ter sofrido o baque da idade ou da maternidade, acaba de estrear como produtora no filme "A Suspeita", em que também tem o papel principal, exibido pela primeira vez no último Festival de Gramado, em agosto de 2021.

Mas desde 2014 ela exercita seu lado empreendedora com o projeto Bemglô, criado junto de seu marido, o músico Orlando Morais, e a ex-modelo Betty Prado, em que vende produtos artesanais brasileiros criados com baixo impacto ambiental. São objetos de decoração, de arte, roupas, acessórios, cosméticos e até cafés. A Bemglô começou só com vendas online, mas em maio de 2019 inaugurou a primeira loja física na rua Oscar Freire, na região dos Jardins, em São Paulo.

Suzana Pires, de 45 anos, é uma das únicas atrizes brasileiras que também trabalha como roteirista na televisão. Ela, aliás, fez o movimento contrário da maioria, caso raríssimo. Começou a carreira nos bastidores, como criadora de projetos para a TV paga e chegou à Rede Globo como autora, onde trabalhou em programas como Vídeo Show e Os Caras de Pau, depois escreveu as novelas "Flor do Caribe" e "Sol Nascente", ao lado do veterano Walther Negrão.

Mas foi como atriz dos folhetins "A Regra do Jogo", "Fina Estampa" e "Gabriela", entre outras, além dos seriados "A Grande Família" e "A Diarista", que ficou famosa. E investiu o poder da exposição que ganhou com esses trabalhos para criar o Instituto Dona de Si, que tem a missão de ajudar outras mulheres a se tornarem empreendedoras. No dia 8/3 deste ano, dia internacional da mulher, Suzana lançou o livro "Dona de Si", em que explica o método adotado em seu instituto.

A maternidade foi o que abriu os olhos da atriz Fernanda Rodrigues, 42, mãe da Luísa e do Bento, para outros horizontes. Junto de sua mãe, Isabel, lançou há 10 anos o portal Cheguei ao Mundo, que reúne dicas de especialistas sobre como criar os filhos, conversas de mães e informações de consumo, entre outras coisas relacionadas ao tema mães e filhos.

Bárbara Paz, 47, a atriz de teatro underground que ficou conhecida ao vencer um reality show, quando isso ainda era novidade, em 2001, se reinventou como cineasta e produtora com o filme "Babenco - Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou", lançado em 2020, quatro anos após a morte do cineasta Hector Babenco, com quem foi casada até 2016, quando ele morreu em decorrência de um câncer.

"A mulher, principalmente depois dos 40, começa a ter mais possibilidades de produzir suas próprias criações. No Brasil, recentemente, começaram a prestar mais atenção à figura da mulher. Até poucos anos atrás era muito difícil comandarmos uma produção. Mas eu sempre busquei isso e fui atrás. Parei de esperar e parti para a ação. E espero que isso influencie outras atrizes, da minha geração e de outras", disse à Folha.

Sarah Jessica Parker, 57, é um caso único. A atriz capitalizou as características de sua personagem mais famosa, a escritora Carrie Bradshaw, de "Sex and the City", alter ego da jornalista e escritora Candace Bushnell, 63, autora da coluna de jornal que deu origem ao seriado de TV.

A paixão de Carrie, na verdade de Candace, por sapatos, acabou inspirando a linha de sapatos de luxo feitos à mão, na Itália, lançada pela atriz. Os calçados da grife SJP by Sarah Jessica Parker são tipicamente coloridésimos e brilhantes, custam entre US$ 300 e US$ 600 e são vendidos no site sjpbysarahjessicaparker.com e nas três lojas físicas que ela inaugurou em Las Vegas, Dubai e Nova York.

O site também vende os perfumes de Sarah Jessica, inclusive o recém lançado Lovely Nights, inspirado na "energia de Nova York e no espírito da Broadway", onde ela e o marido, Matthew Broderick, estão em cartaz desde o final do mês passado, na peça "Plaza Suite". Ela tem ainda uma linha de vinhos, o Invivoxsjp, que vende um Sauvignon Blanc neo-zelandês e um rosé francês. Seu patrimônio está estimado em US$ 150 milhões.

Sandra Bullock, 57, vencedora do Oscar de melhor atriz em 2010 por "Um Sonho Possível", também tem uma produtora, a "Fortis Films", responsável por um de seus maiores sucessos de bilheteria, "Miss Simpatia" (2000). Kate Hudson, 42, tem uma linha de roupas de ginástica desde 2013, a Fabletics.

Jessica Alba, 40, nunca teve grandes sucessos de bilheteria, mas é a mais bem-sucedida como empresária. Em 2012 lançou a empresa The Honest, especializada em itens ecologicamente corretos para a casa e para bebês, que agora tem também uma linha de beleza e de cosméticos e chegou a ser avaliada em US$ 1,7 bilhão.

Tyra Banks despontou como modelo na virada dos anos 1980 para os anos 1990 e depois engatou uma carreira como atriz e apresentadora de realities. Hoje aos 48 anos, com um diploma de Harvard na área de negócios, ela é dona de uma produtora, a Bankable, e de um site especializado em moda e beleza, o TypeF.

Scarlett Johansson é a nova celebridade que fez a transição para o mundo dos negócios. A atriz anunciou neste mês uma linha "clean" de beleza chamada The Outset. São apenas seis produtos, vendidos pelo Instagram ou pelo site da empresa, com embalagens minimalistas inspiradas nas referências trazidas por seu pai, um arquiteto escandinavo.

Mas talvez o exemplo mais extremo seja o de Gwyneth Paltrow, 49, vencedora do Oscar de melhor atriz em 1999 pelo filme "Shakespeare Apaixonado", produzido pela Miramax, de Harvey Weinstein. Muitos anos depois, quando outras histórias de assédio sexual, abuso e estupro do produtor foram reveladas, Paltrow contou que, assim que foi escolhida para o papel de Emma, em 1996, aos 22 anos, Weinstein a convidou para um quarto do hotel Peninsula Beverly Hills, em Los Angeles, e sugeriu que fizessem massagem um no outro.

Não foi o trauma que a fez procurar uma alternativa à vida em Hollywood, e sim o sucesso inesperado de uma newsletter semanal lançada sem maiores pretensões, em 2008, batizada de Goop, uma corruptela de suas iniciais, com dicas de beleza e bem-estar.

Quatorze anos depois, Gwyneth Paltrow é quase um guru do bem estar, que atrai tanto fãs ardorosos quanto críticos severos. O site Goop tem uma linha de beleza, uma de roupas, uma de objetos de decoração e uma de bem-estar, além de vender vibradores e velas com o cheiro da vulva da atriz.

Já produziu duas séries para a Netflix, "The Goop Lab", de 2020, e "Sex, Love & Goop", de 2021. Segundo o New York Times, a empresa vale US$ 250 milhões.

O caminho inverso também foi traçado em Hollywood pela colombiana Sofia Vergara, 49, conhecida pelo papel da "mulher-troféu" Gloria Delgado-Prichett, na sitcom "Modern Family" (2009-2020). Antes de emplacar como atriz, Vergara já era uma mulher de negócios ambiciosa e bem sucedida, fundadora da agência de talentos especializada em modelos e atores latinos "Latin World Entertainment", criada em 1994.

O sucesso na série de TV americana atiçou ainda mais o lado businesswoman da colombiana, que desde então lançou uma linha de jeans, uma de móveis, uma de perfumes e uma de lingerie, a EBY, vendida apenas por assinatura e entregue mensalmente ou a cada quatro meses, dependendo do plano escolhido pelo comprador.

Dez por cento dos lucros da EBY são destinados para a fundação Seven Bar, que ajuda mulheres pobres do terceiro mundo a investirem em pequenos negócios. O patrimônio de Sofia Vergara é avaliado em US$ 180 milhões.

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