Lula e Bolsonaro disputam batalha fashion em roupas e acessórios além do Planalto

Imagem dos políticos aparece em camisetas, toalhas e bonés vendidos aos montes no comércio popular e em lojas online

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Bonés e camisetas de Lula e Bolsonaro Gabriel Cabral/Folhapress

São Paulo

Aos finais de semana, bancas e barraquinhas se espalham pela avenida Paulista, em São Paulo, para vender toda sorte de quinquilharia, de artesanato a ímãs de geladeira, camisetas, canecas, toalhas, bandeiras, bonés.

As estampas do momento trazem figuras da cultura pop, como personagens de desenhos animados e do cinema, bandas de rock, frases engraçadinhas, palavras de ordem. E, nesse caldeirão, Lula e Bolsonaro também estrelam peças, refletindo a polarização política às vésperas das eleições mais tensas desde a redemocratização do país na década de 1980.

Embora seja possível encontrar um ou outro item com palavras como "mito" ou que exibam as cores da bandeira do Brasil, é o candidato petista que domina o comércio popular na região, onde aparece junto a outros objetos de temática progressista, em camisetas vermelhas estampadas com a estrela do PT, com o seu rosto, junto a frases de impacto ou de campanhas antigas, como "o Brasil feliz de novo".

Numa banquinha próxima à esquina com a alameda Ministro Rocha de Azevedo, o vendedor Yuri Ribeiro dos Santos vende itens com estampas que remetem a causas progressistas. Muitas delas exibem, sobre o vermelho que identifica o PT, o rosto de Lula, ou um desenho de uma mão com os dedos formando um "L". "As peças saem bem. Sai muita coisa do Lula. Tem domingo que chego a vender 30 camisetas", conta ele. O preço de cada uma é R$ 35.

A poucos passos dali, um varal improvisado expõe toalhas de banho com o rosto dos dois pré-candidatos à disputa eleitoral. A do Lula reproduz uma foto antiga, sob o lema "o Brasil feliz de novo", da campanha de 2018 —a mesma que Pabllo Vittar exibiu no festival Lollapalooza deste ano. Na de Bolsonaro, por sua vez, se lê "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" sobre as cores da bandeira nacional.

Imagem reproduzida de vídeo mostra a cantora Pabblo Vittar andando ao lado do público, abaixo do palco de seu no show no festival Lollapalooza. A cantora segura uma toalha de banho que tem a figura do ex-presidente Lula estampada
Reprodução de vídeo, do canal Multishow, mostra a cantora Pabllo Vittar segurando uma toalha com a imagem do ex-presidente Lula, durante seu show no Lollapalooza Brasil 2022 - Reprodução - 26.mar.2022/Multshow

"Cada uma custa R$ 50, mas dá para negociar por até R$ 30", diz o vendedor Jaime Carvalho Gonçalves. "As do Lula vendem mais. De cada dez vendidas, oito são dele."

Durante a semana, um ambulante monta seu ponto no largo da Santa Cecília, na região central, para vender bonés e chapéus com bordados de times de futebol —e opções dos rivais políticos. Enquanto o de Lula é vermelho e apresenta uma releitura do logo da campanha do petista de 1989, o de Bolsonaro é verde e tem seu nome escrito sobre a bandeira do Brasil. Cada peça custa R$ 20.

"Eu percebo que aqui nessa região, o pessoal prefere o Lula. Do Bolsonaro mesmo eu só tenho esse", diz o comerciante, que não quis se identificar.

Santinhos, bonés e camisetas com estampas de políticos são parte da cultura brasileira. Mas hoje muitas dessas peças são mais que meras lembrancinhas de campanha, usadas para o eleitor lembrar o número de seu candidato, por exemplo. Neste ano eleitoral, o consumidor paga para exibir no peito em qual lado das urnas ele está.

O fenômeno mostra um ponto no qual política e consumo convergem. "Já faz um tempo que marcas têm se identificado com causas", comenta a professora Isabela Kalil, coordenadora do curso de sociologia e política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. "Com isso, quando você compra produtos de determinadas empresas, você se coloca em uma certa posição —não necessariamente partidária", diz. Isso vale, também, para estampas de temática política.

Segundo o sociólogo Tulio Custódio, os elementos que ajudaram a criar esse caldo no Brasil são a cultura do personalismo e o marketing político, que, grosso modo, separam para o público a imagem do político de projetos e bandeiras, e culminam num terceiro ponto, que é a despolitização.

"Exacerbar o conflito entre Lula e Bolsonaro é um processo que muitas vezes está desconectado dos caminhos que são fundamentais para o exercício da política dentro de uma democracia, que são a negociação, o debate, a construção de consenso dentro do dissenso." Ou seja, quem usa peças com imagens de um ou de outro se põe de um lado da disputa, mas não discute, necessariamente, os programas eleitorais do candidato que escolheu apoiar publicamente.

Apesar do esvaziamento da discussão política, a disputa na moda e no consumo tem um universo imagético rico em significados —assim como os duelos que inundam o mundo do entretenimento.

Meca do comércio popular de São Paulo, a região da 25 de Março ainda tem pouca oferta de tralhas eleitorais. Mas, como tudo por ali, basta procurar.

Numa barraquinha coberta por camisetas pretas, com estampas de bandas de rock e super-heróis, novos itens disputam a atenção dos fregueses. Chamam a atenção peças de tecido amarelo e um símbolo parecido com o da banda Ramones, mas com a frase "é melhor Jair se acostumando", uma em que se lê "meu partido é o Brasil" ou ainda outra, esta escura, que exibe uma caricatura sorridente do presidente Jair Bolsonaro fazendo um joinha enquanto usa os óculos pixelados do meme "turn down for what".

Camiseta com estampa dedicada a Jair Bolsonaro faz uma versão do logo dos Ramones com a frase "É melhor Jair se acostumando"
Camiseta com estampa dedicada a Jair Bolsonaro faz uma versão do logo dos Ramones com a frase "É melhor Jair se acostumando" - Gabriel Cabral/Folhapress

"O pessoal chegava a fazer fila para comprar as camisetas do Bolsonaro", conta a comerciante Quila Ferreira, que vende os produtos desde 2018 —as camisas custam R$ 25 e os bonés, R$ 15. "Tem dia que é o que salva as vendas." Ela só tem produtos dedicados ao atual presidente.

Além da simbologia nacionalista, que remete aos tempos da ditadura, Kalil diz que também aparecem muitos elementos ligados ao universo da cultura pop. A professora lembra que desde as eleições de 2018 a comunicação bolsonarista o apresenta como um personagem de filme ou de videogame. "Até mesmo a questão das armas é algo que aparece muito nesses universos."

Segundo Custódio, o sociólogo, "a extrema direita conseguiu se apropriar dos signos da linguagem rápida conectada à internet e da cultura dos memes, e, de alguma forma, esses símbolos acabaram tomando parte do debate".

Ele lembra a pesquisa da antropóloga Rosana Pinheiro Machado, que começou a identificar a origem do bolsonarismo por volta de 2014. "Estudando o movimento de consumo de jovens nas periferias de Porto Alegre, ela percebeu como de alguma forma havia uma condensação de toda a frustração em torno de uma figura mítica —o personalismo—, que responderia aos anseios daquelas pessoas."

Foi nesse contexto, de frustração e ressentimento, que começou a surgir a figura de um certo deputado antiestablishment que fazia promessas insurgentes como armar a população. Talvez isso explique também, por exemplo, a campanha de Dia dos Namorados do site bolsonarista Camisetas Opressoras, que expõe, ao lado de corações decorados com os óculos pixelados, duas camisetas estampadas com a silhueta de cachorros que defecam a foice e o martelo, que simbolizam o comunismo. Na promoção romântica, duas peças saem por R$ 99,90.

Campanha do Dia dos Namorados do site bolsonarista Camisetas Opressoras
Campanha do Dia dos Namorados do site bolsonarista Camisetas Opressoras - Reprodução/camisetasopressoas.com.br

Os produtos criados pelos lulistas, por sua vez, também têm uma forte simbologia própria. Depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, a derrota nas urnas em 2018, a prisão e a soltura de Lula, e agora o anúncio de sua candidatura, o imaginário do eleitor do PT se volta para algo que o sociólogo Tulio Custódio chama de "retórica do retorno".

É um olhar para um passado de esperança e desenvolvimento, que pode ser resumido num retorno para o Brasil da capa da revista The Economist de 2009, aquela em que o Cristo Redentor aparece decolando rumo ao espaço do alto do Corcovado. Até o jingle lançado em maio remete a isso, já que é o mesmo da campanha de 1989.

Um projeto de resgate de imagens de arquivo no Instagram chamado Crianças Petistas trabalha nesse sentido nostálgico. Administrado por ​​Camille Bolson, Gabrielle Paiva e Maria Galant, o perfil publica fotos antigas da militância do partido. Mas logo elas também começaram a produzir camisetas com a marca da campanha de 1989.

"Nós três queríamos demais essa camiseta e não encontrávamos para vender. Em julho do ano passado, fizemos um lote muito pequeno, de 30 camisetas para nós e pessoas próximas. Simplesmente nunca mais conseguimos parar de vender camisetas", contam. Cada peça sai por R$ 60.

Coincidentemente, foi a mesma marca escolhida pela campanha atual de Lula. "A gente começou com essa estampa porque ela aparecia muito nas fotos que a gente recebia, com os pais usando ou as crianças usando em tamanhos descomunais. Adoramos que a pré-campanha em 2022 esteja usando uma arte parecida e uma releitura do jingle desse ano, porque é uma campanha que a gente acha muito bonita", diz Galant.

Camiseta das Crianças Petistas recria marca da campanha de 1989 de Lula; coincidentemente, a marca é a mesma escolhida para o momento atual
Camiseta das Crianças Petistas recria marca da campanha de 1989 de Lula; coincidentemente, a marca é a mesma escolhida para o momento atual - Gabriel Cabral/Folhapress

Kalil, a professora, observa que há algo curioso na simbologia escolhida pelos dois lados. Enquanto de um lado, Bolsonaro lança mão de uma simbologia que remete à ditadura, Lula surge com elementos da campanha de 1989 —o que lembra outro momento histórico do país, o da redemocratização.

"É quase como se a gente estivesse vivendo um período em que, simbolicamente, a gente tem de lidar com esses dois paradigmas. De um lado, esse saudosismo da ditadura, e do outro, o processo de redemocratização", ela diz. "Não que a gente vá democratizar alguma coisa agora, ou que essa seja a realidade, mas acho que é isso que está em jogo simbolicamente."

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