Conheça a 5 Bocas, galeria de arte em favela do Rio criada por jovem artista e motoboy

Influenciado pela Igreja do Reino da Arte, Allan Weber aumenta circuito que traz novos nomes junto com Casa Bicho e Bacorejo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Retrato de artista com parede vermelho e obras de arte ao fundo

O artista Allan Weber, 28, na sua galeria chamada 5 Bocas, na zona norte do Rio de Janeiro Eduardo Anizelli/Folhapress

Rio de Janeiro

A galeria 5 Bocas leva o nome da favela onde vive Allan Weber, artista de 29 anos que abriu o espaço de arte no ano passado. É o brasão do time de futebol da região que estampa a placa do lugar em Brás de Pina, na zona norte do Rio de Janeiro.

As referências ao local em que levantou a galeria —que Weber considera, na verdade, uma espécie de "instalação permanente"—, é uma extensão do que ele já elabora no seu próprio trabalho plástico.

"Uso a geopolítica carioca, os domínios, as facções, e [o fato de] o Estado não ter poder sobre isso aqui como uma pesquisa", diz ele, na porta da galeria, à repórter. "Uso os códigos que nós, da favela, conhecemos, no meu trabalho."

Nessa operação, a galeria é como se fosse uma boca de fumo, exemplifica Weber, e alcançar outros territórios com seu trabalho exige mapear quais são as galerias da cidade, onde estão os colecionadores, quais os editais para chegar a espaços institucionais como o Parque Lage. "Consegui ter um trabalho exposto em São Paulo? Já consegui minha boca lá."

Mas a 5 Bocas parece expressar, principalmente, uma intenção de Weber de se comunicar com quem também vive lá. Com exposições coletivas e futuras chamadas abertas, ele também amplia uma rede de espaços que se voltam a produções de artistas em começo de carreira ou que estão fora de um circuito mais comercial, como a Casa Bicho, no Jardim Botânico, e Bacorejo, aberta neste ano no centro.

"Quero acessar a rapaziada e, para isso, eu tenho que falar a língua deles", diz Weber. "Quando eu conheci arte foi difícil me sentir representado dentro de uma galeria. Só estou tentando fazer a mesma coisa que aconteceu comigo."

Artista, em seu ateliê, segura na altura do rosto uma obra de arte feita com máquinas analógicas que formam uma arma
Allan Weber em seu ateliê, com obra de arte feita com máquinas analógicas - Eduardo Anizelli/Folhapress

O que aconteceu com ele foi que, atravessado por trabalhos exibidos na zona sul em que não se via muito, o artista encontrou a produção da turma da Igreja do Reino da Arte, idealizada na Rocinha por nomes como Maxwell Alexandre, brasileiro que pinta em papel pardo crônicas de bonança e já é reconhecido internacionalmente.

Conhecida como a Noiva, a Igreja promove cultos para a adoração da "altíssima arte" e busca reunir artistas, curadores, mecenas e outros atores do circuito.

"No evangelho, Jesus Cristo é o Noivo, que voltará para se casar com sua Noiva, que seria a Igreja, que é a congregação, os membros. Cada fiel é a noiva de Cristo, assim como toda a comunidade também é", afirma Alexandre. "Venho dessa cultura, e essa foi minha contribuição simbólica para nomear a Igreja do Reino da Arte."

A Igreja teve um templo físico na Rocinha pela primeira vez em 2018 e, neste ano, ganhou um edital da Funarte. Eles também fizeram parcerias com galerias do circuito comercial propriamente, como A Gentil Carioca e a Fortes D'Aloia & Gabriel.

"O projeto do Allan recebe essa influência porque foram realizados diversos cultos na favela da Rocinha muito parecidos com uma exposição de arte, com uma porção de objetos, instalações, vídeos dispostos no templo, casa, laje e quarto", afirma o artista. "Por mais que esses rituais não recebessem o nome de galeria, quem conhece os códigos da arte contemporânea poderia facilmente assimilar dessa forma."

"Ter um espaço numa favela, fazendo o que a Igreja fez ali na Rocinha, mas com o nome de galeria, é uma afirmação muito necessária e importante." Maxwell Alexandre diz ainda que o cenário de espaços culturais em favelas se alterou nos últimos anos, com mais agentes interessados em abrir locais em áreas periféricas.

Ainda que não sejam em periferias, outros espaços no Rio de Janeiro reforçam esse circuito que apresenta artistas jovens, de contextos sociais distintos ou que não circulam no circuito oficial de arte. É o caso da Casa Bicho, aberta no fim de 2019 num casarão que passou 15 anos fechado.

Foto de casa com piscina esvaziada e espaço arborizado ao fundo
Espaço de arte Casa Bicho, no Rio de Janeiro - Divulgação

"A curadoria é pensada para que a gente represente a maior parte da cidade na exposição, com artistas das zonas sul, norte, oeste", afirma Carla Oliveira, diretora artística do espaço.

"O que acontece hoje é que muito desse movimento de expor esses artistas vem por um hype, com galerias e outros espaços que descobriram que pobre também dá dinheiro, que LGBTs dão dinheiro. E o nosso intuito, na verdade, é cada vez mais democratizar a arte", diz ela, em referência tanto sobre quem expõe no espaço quanto sobre quem o visita.

Carla Oliveira, Allan Weber, e outros artistas que têm despertado interesse do meio artístico, como Elian Almeida, estavam na abertura agitada da Bacorejo, em maio deste ano, no centro da cidade.

Foto de espaço de arte fechado, com quadros em paredes brancas
A galeria Bacorejo, no centro do Rio de Janeiro, aberta neste ano - Rafael Salim/Divulgação

Rafael Baron, nome da fluminense Nova Iguaçu que dominou a Untitled, uma das feiras paralelas da Art Basel Miami Beach, abriu o espaço de arte com seu sócio DJ Papagaio no imóvel em que era seu ateliê. É uma forma, contou ele à repórter na abertura, de devolver algo para o meio artístico em que ele já conseguiu alavancar seu trabalho.

Miguel Afa, artista do Complexo do Alemão que inaugurou a Bacorejo com uma individual também será exposto na Casa Bicho neste mês.

Enquanto Baron opera com uma dinâmica em que uma porcentagem de venda das obras sustenta o espaço, o lugar comandado por Carla Oliveira e mais três sócios aluga salas do casarão e cria algumas parcerias. Já Weber conta que ele mesmo banca o aluguel do imóvel ou com o trabalho de entregas como motoboy ou com venda de obras de arte dele mesmo.

O que o artista da 5 Bocas reforça é que seu projeto, mesmo que não funcione numa pegada comercial de venda de obras, mira um "cubo branco", o modelo modernista da arquitetura de locais de exposições que seria isento, sem excessos e distrações.

A galeria mesmo serve como uma discussão do que seria, afinal, esse cubo sem interferências. Numa troca de tiros no bairro, o vidro da porta da galeria se estilhaçou e alguns pontos ficaram com marcas de balas. Os cacos acabaram incorporados pelo espaço, e se tornou uma obra exposta bem no centro da 5 Bocas.

"Penso dessa forma, de criar um 'cubo branco', porque para gente daqui essa é uma parada nova. A rapaziada me pergunta se eu vou botar um grafite na parede, se eu vou botar um sofá. E eu explico que isso tem que ser um cubo branco", defende Weber.

"Pôr um espaço branco, tradicional, na favela também é um contraste. Ninguém de fora imagina esse retângulo fundo e branco numa comunidade."​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.