Mestre Ambrósio renasce e volta aos palcos com sua subversão do manguebeat

Banda pernambucana volta a fazer shows após 18 anos e celebra os 30 anos do grupo e do movimento que ajudou a fundar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O Brasil visto de cima do palco é um país em convulsão política, onde a desordem estampa as primeiras páginas dos jornais, o Ministério da Cultura foi extinto e as cores verde e amarelo ganham outros significados ao serem espalhadas pelas ruas.

Foi assim quando a banda Mestre Ambrósio fez seu primeiro show, no Recife, em 1992, ainda sob o governo de Fernando Collor de Mello, que deixaria o cargo meses depois, após um processo de impeachment. E é mais ou menos essa paisagem que o grupo diz enxergar também agora, ao deixar uma hibernação de quase duas décadas e voltar a se apresentar neste 2022 de eleições e com Jair Bolsonaro na Presidência.

Da esq. para a dir., os integrantes da banda Mestre Ambrósio Mauricio Bade, Mazinho Lima, Helder Vasconcelos, Ségio Cassiano, Siba e Eder O Rocha
Da esq. para a dir., os integrantes da banda Mestre Ambrósio Mauricio Bade, Mazinho Lima, Helder Vasconcelos, Ségio Cassiano, Siba e Eder O Rocha - Divulgação

"A gente não surgiu num período bonitinho. Foi num momento difícil do país, quando a cultura popular estava ameaçada, como está acontecendo agora de novo", diz Eder O Rocha, percussionista e um dos seis músicos fundadores da banda.

Mas antes de falar dessa volta à ativa é preciso voltar ao nascimento. Mestre Ambrósio apareceu como uma das bandas formadoras do movimento manguebeat, que celebra 30 anos e catapultou Pernambuco como o principal caldeirão musical brasileiro naquele início de anos 1990. Foi dali que germinaram nomes como Chico Science, Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, que tinha entre seus integrantes Fred Zero Quatro e Otto, por exemplo.

Só que o manguebeat tinha uma fauna mais diversa, para além dos nomes que acabaram ficando mais famosos. Para usar uma imagem típica do movimento, o lamaçal daqueles anos abrigou figuras que ajudaram modernizar o passado e produzir uma evolução musical, mas que permaneceram mais nas sombras, como as bandas Eddie, Devotos e Mestre Ambrósio, por exemplo.

"Na época não existia muito o questionamento sobre fazer ou não parte do movimento, porque era uma coisa só, existia um sentimento forte de colaboração entre os grupos", diz Siba, outro dos nomes à frente de Mestre Ambrósio. "Mas, olhando agora, dá para perceber que a gente era um manguebeat ao contrário. Partia da cultura popular e deixava as referências do pop e do rock costurar esses elementos."

Se tornou-se clássico dizer que Chico Science e a Nação Zumbi eram uma banda de rock costurada pela cultura popular e pela percussão do maracatu, Mestre Ambrósio fazia o inverso —era um grupo de ritmos tradicionais que salpicava de pop a embolada, o forró, o baião, a ciranda, o maracatu e o cavalo-marinho.

Este último, um folguedo da zona da mata nordestina, ou seja, uma festa tradicional teatralizada, tem em seu rol de personagens o tal Mestre Ambrósio, que aparece em cena caracterizado por uma máscara pintada de preto e branco e escolhido para batizar o conjunto.

A máscara acabou se tornando símbolo do grupo, aparecendo em shows e capas de discos. E estará mais uma vez nos palcos nesse retorno, que marca não apenas os 30 anos de carreira e de manguebeat, mas também os 18 anos desde a última apresentação. Foi no Sesc Santo André, em 2004, que Mestre Ambrósio parou de tocar. E será também no Sesc, mas no Vila Mariana, no mês que vem, que vai voltar à ativa. Em dezembro, será a vez de as unidades Jundiaí, Sorocaba e Itaquera receberem a apresentação.

Mestre Ambrósio em fotografia do fim dos anos 1990
Mestre Ambrósio em fotografia do fim dos anos 1990 - Reprodução

Nos ensaios, que já ocorrem há semanas, os músicos vêm tentando recuperar a liga no palco. "Em três dias já tínhamos selecionado as músicas. Existe uma memória corporal, foram 12 anos e 500 e poucos shows juntos", fala Helder Vasconcelos, que toca fole de oito baixos, uma espécie de acordeão. "É um show muito físico. A dança, as máscaras, o que herdamos da cultura de rua, tudo vai estar no palco", afirma o percussionista Sérgio Cassiano.

Vão fazer parte das apresentações, que depois de São Paulo viajam ao Recife, faixas como "Pé de Calçada", "Se Zé Limeira Sambasse Maracatu", "Pescador", "Coqueiros" e "Fuá na Casa de Cabral", num pot-pourri dos três discos, todos relançados em vinil do ano passado para cá, marcando não apenas o retorno do grupo, mas um aceno aos fãs moderninhos.

Segundo Siba, porém, ainda não existe qualquer conversa para que esse reencontro extrapole o saudosismo e dê à luz um quarto álbum, com inéditas –ao menos não por enquanto. "A gente está bem cauteloso. O objetivo é trazer o nome da banda de volta, tocar juntos mais uma vez. Não queremos gerar expectativas."

Mas o sambinha "Lembrança de Folha Seca", faixa do disco "Terceiro Samba", o último lançado pela banda, traz um recado para o próprio grupo e para fãs curiosos para ouvir o que Mestre Ambrósio ainda pode criar. Lá pelas tantas, diz a letra que "se a estrada é tão longa/ não adianta se cansar".

Mestre Ambrósio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.