Descrição de chapéu

Exposição reúne escritos históricos de Clarice e Tolkien a Mozart e Dalí

Acervo de Pedro Corrêa do Lago é viagem no tempo e inclui ainda documentos assinados por Michelangelo e Machado

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São Paulo

Miúda e precisa, a letra do argentino Jorge Luis Borges no rascunho do conto "A Biblioteca de Babel" parece se adequar ao estilo cerebral e arquitetônico do escritor. Já o frontispício de "Uma Breve História do Tempo", de Stephen Hawking, traz como autógrafo uma impressão digital do cientista —àquela altura, Hawking já não conseguia escrever por causa da doença neurodegenerativa que acabaria por deixar seu corpo paralisado por completo.

Foto assinada de Muhammad Ali
Foto assinada de Muhammad Ali - Divulgação

Lampejos como esses estão na exposição "A Magia do Manuscrito", em São Paulo. Nem todos são tão reveladores ou parecem unir tão bem letra —ou falta dela— e personagem histórico. Mas é difícil não ficar ao menos um pouco perplexo com o efeito que algumas linhas produzidas há dezenas ou centenas de anos é capaz de produzir quando as temos diante do nariz. O clichê não é falso —cada manuscrito é uma viagem no tempo.

Os documentos integram uma coleção que foi sendo formada ao longo de mais de cinco décadas pelo escritor e historiador da arte Pedro Corrêa do Lago, que presidiu a Biblioteca Nacional entre 2003 e 2005. No texto introdutório à exposição, ele conta que começou colecionando simples autógrafos, sem se dar conta de que "autógrafo" também é o nome que se dá ao documento manuscrito que vem da mão do próprio autor, não sendo, portanto, mera cópia do original.

As duas acepções se fazem presentes na mostra —em alguns casos, temos apenas a assinatura de gente famosa em papéis datilografados ou em fotos—, mas é muito mais rico poder observar textos longos.

Como cada caligrafia é pessoal, e como cada indivíduo adota não apenas uma "letra de mão" própria mas os maneirismos caligráficos de seu tempo e lugar, a soma de fatores produz uma sensação poderosa, quase física, de alguém do lado do espectador, debruçado sobre o papel e escrevendo.

Os textos de apoio completam esse quadro com eficácia ao contextualizar cada manuscrito no momento histórico e na vida pessoal dos autores. O ideal talvez fosse contar com transcrições completas, mas alguns documentos são longos demais para isso, tendo várias páginas. A enorme assinatura do músico Ludwig van Beethoven, por exemplo, ocupando meia página de um recibo de pagamento, foi feita pouco antes de sua morte, num momento em que o excesso de bebida e uma depressão o tinham feito mergulhar numa espiral autodestrutiva.

Outro músico em apuros, o brasileiro Noel Rosa, morto em 1937, pede um adiantamento do pagamento de direitos autorais a seu editor. "Continuo doente e sem poder trabalhar. Preciso de 100 mil réis, embora saiba que estou devendo. Desde já agradeço a sua boa vontade, pois sei que você não deixará de atender este seu amigo e criado." Foi atendido.

Os documentos abrangem várias línguas ocidentais. Além do português, ainda se destacam o inglês, o francês e o alemão, com pitadas de espanhol e até latim. Atravessam ainda um período que vai do século 11, em plena Idade Média, com o único pergaminho da mostra, até décadas recentes.

Se o leitor se dispuser a gastar algum tempo decifrando os textos, vai se divertir com os exemplares dos
séculos 18 e 19, período em que o português escrito já é uma língua muito próxima da que falamos, mas ainda guarda surpresas interessantes.

A exposição é abrangente, com nomes das artes visuais —de Michelangelo a Salvador Dalí—, da política —dom Manuel, o Venturoso, os imperadores do Brasil, o presidente Juscelino Kubistchek— e da literatura —Virginia Woolf, Clarice Lispector, Machado de Assis, e J.R.R. Tolkien, autor de "O Senhor dos Anéis".

Merece destaque ainda a atenção dada pela curadoria à acessibilidade, com recursos táteis e audiodescrição.

A Magia do Manuscrito

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