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Marcelo Moutinho, Jabuti de crônica, diz que Madureira, no Rio, é a sua Macondo real

Autor premiado assina 'A Lua na Caixa d'Água', com textos escritos em sua maioria para o jornal Rascunho

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São Paulo

Olavo Bilac e João do Rio escreveram crônicas sobre o centro do Rio de Janeiro. A zona sul da cidade foi tema de muitos textos de Clarice Lispector, Otto Lara Resende, Rachel de Queiroz e Rubem Braga. E a zona norte? E o subúrbio?

No passado, bairros cariocas distantes de Ipanema e de Copacabana foram, claro, assunto para crônicas, Lima Barreto à frente. Mas isso acontecia de modo irregular. Aos poucos, porém, essas regiões têm sido mais abordadas pelo gênero que, na definição de Antonio Candido, "pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas".

O escritor carioca Marcelo Moutinho em Paraty, onde participou de mesas paralelas à programação oficial da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty - Zanone Fraissat/Folhapress

"Madureira é minha Macondo", avisa Marcelo Moutinho, aproximando o bairro onde nasceu, na zona norte do Rio, da cidade criada pelo colombiano Gabriel García Márquez em "Cem Anos de Solidão".

O livro "A Lua na Caixa d'Água" deu a Moutinho o Jabuti na categoria crônica, prêmio divulgado há pouco. Com textos escritos em sua maioria para o jornal literário Rascunho, a obra tem dois eixos principais, os primeiros anos de Lia, filha do autor, e as memórias do bairro onde ele cresceu.

"Acho importante que esses espaços —os subúrbios, as periferias— tenham acolhida na literatura", diz Moutinho. "Quando era menino em Madureira, eu não me via representado na literatura. ‘Gente, meu bairro não existe?’, pensava. Esses lugares são cheios de histórias incríveis."

Mulheres e homens de classe média baixa, que ganham a vida longe das praias e de outros cartões-postais, apareceram em outros livros de crônicas do autor, como "Na Dobra do Dia", de 2015, e voltam neste novo "A Lua". Essas figuras também estão nas publicações dele que reúnem contos, caso de "Ferrugem", de 2017, vencedor do prêmio da Biblioteca Nacional.

São mais de 20 anos de carreira alternando esses dois gêneros. "O conto dá mais trabalho porque é preciso criar um personagem, uma trama. A crônica é sempre uma reação ao que aconteceu, algo num sentido macro —o país, por exemplo— ou micro —aquilo que ocorreu na sua vida pessoal", ele compara.

"Por outro lado, o conto não tem um prazo de entrega, ao contrário da crônica. Antes eu escrevia semanalmente, tinha que entregar o texto toda quarta-feira. Muitas vezes, me via como um mendigo de assuntos, pedindo aos amigos que me contassem uma boa história."

Em "A Lua", Moutinho lembra nomes como o da tia Maria do Jongo e de Silas de Oliveira, dois dos fundadores do Império Serrano, escola de samba de Madureira da qual o escritor é membro. Aliás, ao comentar suas influências como cronista, ele indica referências frequentemente citadas, como Paulo Mendes Campos, mas surpreende ao mencionar compositores como Dona Ivone Lara e João Nogueira.

O livro é dedicado ao letrista e cronista Aldir Blanc, que morreu em 2020 em decorrência da Covid. "O Aldir tinha esse olhar suburbano, entre o lírico e o sacana. Não é um lirismo beletrista", diz.

Além da cidade, com seus personagens e suas ruas, "A Lua" é costurado pela paternidade, em crônicas que vão da experiência da ultrassonografia, em que Lia surge como um esboço, ao momento em que a menina se torna capaz de botar apelidos no pai.

"É como ter um espelho de dupla face na nossa frente. O futuro é óbvio, imaginar o que seu filho ou sua filha vão fazer nos anos seguintes e tudo mais. Mas tem o lado do passado. Acompanhar o crescimento de uma criança restitui a nossa capacidade de se espantar. Na primeira vez que minha filha viu uma lagarta, ela ficava olhando embevecida. Isso trouxe a lembrança dos meus espantos quando pequeno", afirma.

Moutinho lamenta que o gênero definido por Antonio Candido como "a vida ao rés-do-chão" venha perdendo espaço na imprensa nos últimos anos. "A crônica é um descanso, uma leveza no meio do noticiário em polvorosa. É um contraponto que faz falta."

Neste momento, o escritor concilia a criação de textos curtos e a produção da biografia de Zaquia Jorge, atriz descendente de sírios que se destacou no teatro de revista nos anos 1940 e 1950. Ela morreu afogada na praia da Barra da Tijuca com apenas 33 anos e foi tema de um samba-enredo do Império Serrano na década de 1970.

A vedete chamou a atenção pela ousadia de abrir uma casa de espetáculos no subúrbio do Rio. O nome? Teatro de Revista Madureira.

A Lua na Caixa d'Água

  • Preço R$ 46 (160 págs.)
  • Autor Marcelo Moutinho
  • Editora Malê
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