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'Holy Spider' mostra serial killer real que foi celebrado por matar mulheres no Irã

Filme de Ali Abbasi, premiado em Cannes, acompanha assassino que dizia estar em uma cruzada espiritual contra o pecado

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São Paulo

Entre agosto de 2000 e julho de 2001, Saeed Hanaei vagou pelas ruas de Mexede, conhecida como a capital espiritual do Irã, em busca de mulheres. Não qualquer mulher, mas aquelas com cores fortes cobrindo lábios e pálpebras e com fios de cabelo vazando do hijab.

Cena do filme 'Holy Spider', de Ali Abbasi
Cartaz do filme 'Holy Spider', de Ali Abbasi - Divulgação

Ele atraía as desconhecidas para sua casa, as estrangulava e depois se livrava de seus corpos. Foram 16 mulheres —prostitutas ou usuárias de drogas— vítimas do episódio que ficou conhecido como os "assassinatos da aranha".

Inspirado pelo modus operandi do serial killer, o termo agora batiza "Holy Spider" –algo como aranha sagrada–, filme que chega aos cinemas pela O2 nesta semana antes de estrear na Mubi, que o arrematou após a bem-sucedida passagem pelo Festival de Cannes, de onde o longa saiu com o prêmio de atuação feminina.

Como o título evidencia, a série de assassinatos tem um fundo religioso. Preso, Hanaei, seguidor fervoroso do islã, alegou que estava fazendo um favor a Mexede ao "limpar" suas ruas do "pecado" e da "corrupção moral", numa espécie de cruzada pela fé. E muita gente comprou sua justificativa.

Líderes religiosos, a mídia conservadora e uma fração significativa da população local celebraram as mortes e pressionaram publicamente o sistema judicial iraniano. É por isso que "Holy Spider" se divide em dois atos –um mais óbvio, que segue a cartilha do thriller policial ao acompanhar os crimes, e outro bastante específico, sobre o debate fervoroso e polarizado depois da prisão.

"Esta é uma história com muitas camadas, que cristalizam tudo o que há de errado com a sociedade iraniana. Os assassinatos em si não têm nada de especial, há certa banalidade neles. Mas o que está no entorno do assassino e o respeito que ele inspirou, isso sim é fascinante", diz o diretor Ali Abbasi, que colecionou elogios e prêmios com o estranhíssimo "Border", de 2018.

Iraniano, Abbasi migrou para a Europa no início dos anos 2000 para estudar. Da Suécia, foi para a Dinamarca, onde reside e faz seus longas –"Holy Spider" é o escolhido do país para tentar uma vaga no Oscar de filme internacional e foi pré-selecionado pela premiação.

Não é fácil tocar um projeto sensível como esse no Irã. O cineasta bem que tentou gravar por lá, mas acabou recriando as ruas de Mexede na Jordânia após a lentidão para aprovarem as filmagens. Com a estreia de "Holy Spider" em Cannes, as reportagens daqueles que cobriam o festival foram suficientes para enfurecer o governo iraniano, que disse que o filme insultava a fé muçulmana –mesmo sem que seus representantes tivessem comparecido a alguma sessão.

O incômodo cresceu e trouxe consigo ameaças de morte depois da cerimônia de premiação francesa. Zar Amir Ebrahimi, ao vencer o troféu de atuação feminina, foi novamente tragada pelo turbilhão de assédio moral que a expulsou do Irã há 15 anos.

No auge da popularidade em seu país natal, a atriz teve um vídeo de sexo vazado. Banida pelo governo de aparecer em filmes ou séries por uma década e sob risco de ser presa num país aterrorizado por sua polícia da moralidade, ela se exilou na França.

Em "Holy Spider", ela encarna a parte mais ficcional da trama. É por meio de sua personagem, uma jornalista decidida a investigar o caso do serial killer e a expor a misoginia ao seu redor, que adentramos o submundo de cinema noir pelo qual o filme trafega.

É irônico pensar que a premiada em Cannes, originalmente, não pretendia protagonizar "Holy Spider". Ela entrou no projeto como produtora e diretora de elenco, mas depois que a atriz escolhida desistiu do papel em cima da hora, por medo dos desdobramentos políticos, ela assumiu a missão.

"Eu me acostumei com o governo do Irã, ninguém os leva a sério mais", diz, sobre a indiferença com a qual vem lidando com os ataques de autoridades e civis. Devido à trajetória artística e política, enquanto ativista, Ebrahimi foi eleita no ano passado, uma das cem mulheres mais inspiradoras do mundo, pela BBC.

Zar Amir-Ebrahimi com o prêmio de melhor atuação feminina no Festival de Cannes de 2022 - Stephane Mahe/Reuters

Em relação aos protestos que tomaram o país nos últimos meses após a morte de Mahsa Amini, espancada e assassinada pela polícia da moralidade por usar o hijab incorretamente, ela se sente otimista.

"Dessa vez é diferente, porque as pessoas perceberam que não dá para mudar alguns aspectos do sistema –é preciso mudar tudo. Enquanto esse governo continuar, não haverá liberdade. O uso obrigatório do hijab não é o principal problema do país, mas as pessoas perceberam que se não pudermos nem decidir como nos vestir, não haverá liberdade nenhuma. É uma revolução em curso."

Abbasi, ao também ser confrontado com a ebulição social de seu país, é mais direto. "O que se diz sobre um governo que atira numa criança de dez anos com uma AK-47? Não há muito a dizer", dispara, em alusão às mortes de menores de idade em protestos no Irã.

Holy Spider

  • Quando Estreia nesta quinta (19), nos cinemas, e em 10 de março na Mubi
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Zar Amir-Ebrahimi, Mehdi Bajestani e Forouzan Jamshidnejad
  • Produção Dinamarca, Alemanha, Suécia, França, 2022
  • Direção Ali Abbasi
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