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Antiquado por propósito, 'O Último Ônibus' tem Timothy Spall inspirado

Filme de Gilles MacKinnon evoca poesia fácil de um cinema que ficou nos anos 1990 e encara o fim com melancolia bem vinda

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O Último Ônibus

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Timothy Spall, Phyllis Logan, Natalie Mitson
  • Produção Reino Unido, Emirados Árabes, 2020
  • Direção Gilles MacKinnon

Timothy Spall, nascido em Londres em 1957, é um símbolo do cinema inglês das últimas décadas. O ator fez vários trabalhos em Hollywood, mas foi com o diretor Mike Leigh, especialmente em "Segredos e Mentiras", de 1996, e "Agora ou Nunca", de 2002, que deixou sua marca mais forte no cinema.

Em "O Último Ônibus", de Gilles MacKinnon, interpreta Tom Harper, nonagenário que decide fazer uma longa viagem após o falecimento de sua esposa, vítima de câncer.

Timothy Spall em cena de O Último Ônibus
Timothy Spall em cena de 'O Último Ônibus' - Reprodução

Empenhado em atravessar a Grã-Bretanha de norte a sul, refaz ao contrário o percurso realizado com ela muitos anos antes, usufruindo das mesmas linhas locais de ônibus, comendo e dormindo nos mesmos lugares, sempre que possível.

Começa com o casal ainda jovem, nos anos 1950. Estão na Cornualha, cenário típico da literatura de mistério, como a de Arthur Conan Doyle ou Daphne du Maurier. Ela pede para que Tom a leve para bem longe, o máximo que eles puderem ir.

Tom e sua esposa chegam então a John O'Groats, aldeia localizada no extremo norte da Escócia, a 15 horas de carro de onde estavam. Parece mais um lugar para onde as pessoas vão fugindo de alguma coisa, não de um outro lugar inóspito.

O filme, contudo, não vai ficar nos anos 1950. O tempo que predomina é o nosso. O casal envelhecido. Ela cuidando das plantas, ele querendo agradá-la a qualquer custo. Até que ela falece e ele estuda no mapa como refazer a viagem ao contrário.

Obviamente, Tom encontra um país muito modificado, consumido pelas injustiças sociais e a frequente violência, como também por racismo, xenofobia, etarismo e intolerância de várias espécies.

Numa cena um pouco tola pela obviedade da defesa humanista, um neonazista começa a provocar uma mulher de burca. Ao ser afrontado por Tom, ameaça partir para a briga, mas todos os outros passageiros acabam conseguindo que ele seja expulso do ônibus.

Tom também encontra bondade, gente disposta a ajudá-lo e compreendê-lo. Acima de tudo, encontra pessoas que registram suas andanças nas redes sociais, tornando-o famoso.

Essa interação tecnológica é a ligação mais forte e evidente com nossa época. Tirando isso, o filme tem cara e forma dos anos 1990, o que lhe confere certo charme e ao mesmo tempo uma aparência meio antiquada.

Não é o caso de falar da analogia do último ônibus, que já era óbvia no século passado. Tampouco a trilha sonora genérica, de um tipo que se tornou corriqueiro a partir justamente dos anos 1990, pode ser considerada o maior motivo.

É mais uma singeleza típica da época, difícil de resumir em palavras. Um tipo de poesia fácil, mas ainda assim tocante, que evoca obras como "Estamos Todos Bem", 1990, de Giuseppe Tornatore, ou "A Viagem", 1999, de Emmanuel Finkiel, para ficarmos com um filme que abre aquela década e outro que fecha.

Timothy Spall em cena de O Último Ônibus
Timothy Spall em cena de 'O Último Ônibus' - Reprodução

"O Último Ônibus" tem uma trama simples e explora sentimentos mais simples ainda. Seus personagens são simplórios, sem muita construção, a não ser Tom, que lida com as diferenças provocadas pelo tempo de maneira a explicitar seu deslocamento, a sensação de não pertencimento que o consome.

Por isso o que o filme tem de melhor está sem dúvida na interpretação de Spall. Até a aparência de antiquado faz sentido quando percebemos a melancolia que domina sua jornada e o tempo que o aprisionou e o tornou despreparado para o mundo atual.

Aliás, essa melancolia o liga a outro filme britânico recente, "Viver", de Oliver Hermanus, em que outro grande ator veterano, Bill Nighy, refaz o papel de Takeshi Shimura no original de Akira Kurosawa.

Ambos lidam diretamente com a finitude e o sentimento que a acompanha, sem os desvios habituais e enganosos que vemos quando esse tipo de filme é realizado nos EUA.

Timothy Spall conheceu os extremos geográficos e humanistas da Grã-Bretanha em dois momentos bem distintos. Ninguém poderá dizer que viveu em vão.

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