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Zeca Camargo

Aos 80 anos, Mick Jagger faz muitos pirarem com seu erotismo sem esforço

Vocalista do Rolling Stones ainda é o sonho de fãs de diferentes idades, que nutrem aquela simpatia pelo demônio

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Eu queria ter a cara de pau de blefar sem culpa e dizer que eu ouvia "(I Can’t Get No) Satisfacion" no berço. Dois anos depois que nasci, Mick Jagger, que acaba de completar oito décadas, já reclamava de não conseguir se satisfazer, mas só fui capturado pelo refrão muito tempo depois. E nunca mais o esqueci.

Quando tive a honra de apresentar o histórico show dos Rolling Stones em Copacabana, em fevereiro de 2006, não era só essa música que esperava ouvir. Era todo um repertório que saía daquela boca que, muito antes de virar um logotipo, já era a marca registrada do vocalista de uma das maiores bandas de todos os tempos.

Keith Richards, dos Rolling Stones, posa sem camisa olhando para a câmera, nos anos 1970
Mick Jagger, dos Rolling Stones, em foto de divulgação do álbum 'Goat's Head Soup', de 1973 - Aubrey Powell/Divulgação

Fique à vontade se quiser reescrever a hipérbole anterior no singular, uma vez que, entre tantas que merecem estar nesse cânone do rock —Beatles, Pink Floyd, Led Zepellin, Sex Pistols, The Clash—, os Stones são os únicos que ainda podem exercitar a mesma magia nos palcos, sejam eles reais, sejam apenas criação de nossa imaginação.

Encontrei o cantor pela primeira vez já no final dos anos 1990, numa entrevista rápida no cenário improvável de Miami, na Flórida. Improvável porque foi um choque de cultura encontrar a quintessência do charme britânico naquele cenário tão colorido de uma cidade que mistura partes iguais de sonho latino, devaneio art déco e delírio tropical.

Alheio ao cenário, Mick Jagger entrou numa sala escura, dramaticamente iluminada para proteger aquele rosto célebre. Eu já o esperava num sofá e, antes mesmo de me apresentar, fui desarmado por um sorriso que era metade automático, metade espontâneo. Fiquei com a segunda metade na lembrança, que me remeteu aos antigos clipes seus aos quais assistia na TV nos anos 1960.

Acessíveis no YouTube, essas performances antigas são preciosos registros de um artista que já sabia muito bem o valor da sensualidade. Elvis já havia feito isso alguns anos atrás, mas meio beiço de Mick Jagger sorrindo valia por mil pélvis do rei do rock.

Gerações modernas de rappers assanhadas —e assanhados!— pagariam uma arcada dentária cravejada de diamantes para conseguir aquele efeito erótico máximo com o mínimo de esforço.

Foi com essa postura que ele se sentou à minha frente para a entrevista. A enésima de sua vida, provavelmente a décima só daquele dia, mas a primeira da minha —e ainda falaria com ele mais duas vezes.

Eu me senti totalmente confortável na presença de um ídolo multigeracional, quase me esquecendo de que qualquer um tinha o direito de pirar diante de um cara como Mick Jagger.

O que terá vindo primeiro: a autoconfiança da sua sedução ou a naturalidade de sua essência cool? Desde suas primeiras aparições, com um rosto ainda adolescente, até as mais recentes, já com as marcas que poderíamos prever, sempre houve uma certeza de que, como Rita Lee resumiria tão intuitivamente nos anos 1970, ele tinha prazer em ser quem ele era e estar onde ele estava.

Dono absoluto de qualquer cena, desbancando inclusive o carisma feroz de seu parceiro Keith Richards, Mick Jagger sempre dançou como se escorregasse pelo chão. Esse não é nem o melhor verbo para definir os movimentos de suas pernas, mas é o melhor que posso encontrar, pegando emprestado do balé clássico —e traduzindo apressadamente— a expressão "glissade".

Dominado pela música que jorra das próprias cordas vocais, o cantor sempre foi mestre em transcender a mais elaborada coreografia de TikTok para dar, com um punhado de rodopios, uma lição de como se expressar com o corpo.

Muito antes de viralizar e se tornar uma "trend", aprendemos com Mick Jagger aquilo que uma genial campanha publicitária de dez anos atrás para uma bebida alcoólica sintetizou em slogan: não existe dança ruim.

Como não existe tempo ruim para um lorde às avessas da estirpe de Jagger. Escândalos, excessos, histerias. Dos píncaros da glória aos "cold turkeys", ele sempre olhou para as câmeras com honestidade. Era, como esquecem a maioria das estrelas efêmeras, a única maneira de nos conquistar.

Por falar em conquistas, meus sinceros agradecimentos às Mariannes, Biancas, Jerrys, Carlas, Lucianas e, atualmente, Melanies que passaram pela vida do cantor e ajudaram a construir sua aura de beleza, escracho e elegância.

Mick Jagger ainda é o sonho de tantas faixas etárias de fãs, que nutrem aquela simpatia pelo demônio, impermeáveis a obstáculos tolos como sua fama de pé frio e, melhor, indiferentes aos anos que chegam. Como esses 80 anos celebrados agora por alguém que segue à procura de alguma satisfação, mas que de uma coisa tem certeza. Não pode ter sempre tudo o que quer.

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