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Vivian Gornick dá a real sobre sexo e cidade em 'Uma Mulher Singular'

Autora de 'Afetos Ferozes' lembra suas lutas e seus amores enquanto anda por Nova York em nova autobiografia

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Uma Mulher Singular

  • Preço R$ 64,90 (144 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria Vivian Gornick
  • Editora Todavia
  • Tradução Heloisa Jahn

Demorou só sete anos para este livro delicioso da jornalista, ensaísta, escritora e crítica americana Vivian Gornick, que completou 88 anos no último dia 14, chegar ao Brasil, depois do lançamento nos Estados Unidos.

Lá, saiu em 2015, ou seja, foi escrito quando ela já tinha perto de 80 anos e uma vida longa para examinar —além de uma carreira consolidada como repórter, principalmente no jornal Village Voice, com passagens pelo New York Times e pelas revistas The Nation e Atlantic Monthly, prêmios importantes e mais de dez livros publicados.

mulher idosa branca com roupa preta em frente a biblioteca
A escritora americana Vivian Gornick, de 'Afetos Ferozes' e 'Uma Mulher Singular' - Mitchell Bach/Divulgação

"Uma Mulher Singular" é um livro de memórias curto e potente e funciona como um complemento a "Afetos Ferozes", sua primeira autobiografia, considerada uma obra-prima do gênero e escrita em 1987, mas que só chegou aqui em 2019, também pela Todavia. Foram 32 anos de espera.

Em "Uma Mulher Singular", Gornick —que já foi parte de um coletivo feminista chamado New York Radical Feminists, anunciado em uma reportagem escrita por ela em 1969 com um número de telefone e um endereço para contato— relembra os casos que teve durante a vida, dois casamentos-relâmpago e a atração irrefreável que sempre sentiu pela solidão, com a qual, no fim das contas, acabou tendo o seu relacionamento mais estável e duradouro.

"Com o feminismo, uma das primeiras coisas que entendemos é que as pessoas resistiam em casamentos infelizes porque têm medo de ficar sozinhas", disse Gornick em entrevista ao jornal espanhol El País. "O que propusemos foi que tivéssemos mais respeito por nós mesmas para enfrentarmos a infelicidade de ficar sós. Era uma postura política."

Gornick escreveu este livro antes do surgimento do movimento MeToo, em 2017, que começou com uma hashtag nas redes sociais contra o assédio sexual, principalmente no trabalho, e que teve seu auge quando as atrizes Alyssa Milano, Gwyneth Paltrow, Ashley Judd e Angelina Jolie revelaram que tinham sido assediadas ou até estupradas pelo produtor Harvey Weinstein.

O MeToo começou no mesmo ano em que Donald Trump, que tinha até um certo orgulho de ser tachado de assediador, tomou posse como presidente dos Estados Unidos. No último mês, Trump foi indiciado sob acusação de falsificar documentos em um acordo de confidencialidade com a atriz Stormy Daniels, com quem teve um caso antes de ser eleito. Não foi preso, nem está inelegível. Por enquanto.

Na entrevista ao jornal espanhol, a escritora comenta esses fatos com a contundência e a agudeza que sempre marcaram a sua escrita. "Quando o MeToo surgiu, fiquei surpresa com o pouco progresso feito em relação ao assédio sexual, que é crime há 50 anos", disse.

"Não eram só Harvey Weinstein ou Donald Trump, homens comuns, sem cargos de poder, faziam essas mesmas coisas em qualquer trabalho. Não havia um único escritório em que algum homem não estivesse o tempo inteiro te tocando ou fazendo uma proposta".

Gornick afirma entender a irritação perene das mulheres de hoje e simpatiza com a causa. Mas olha para a situação atual com muita aflição. "Conheço homens que receberam punições muito mais severas do que mereciam e isso me dói", afirma.

"Eu nunca estive no negócio de odiar homens. Falo e escrevo honestamente sobre isso, porque muitas mulheres são frequentemente cúmplices. Hoje em dia ninguém se atreve a dizer essas coisas porque o campo está minado, mas é preciso falar".

No livro, escrito antes de tudo isso, Gornick lembra sua vida, suas lutas, seus amores e observa a cidade enquanto caminha. Alguns parágrafos são como flashes, descrevem uma cena ou um diálogo testemunhado por ela numa de suas caminhadas diárias pela cidade de Nova York.

Sua mãe, personagem e tema central de "Afetos Ferozes" ainda aparece bastante neste livro, mas é Leonard, seu amigo mais próximo, um homem gay inteligente e amargo com quem debate os assuntos que a incomodam, é o primeiro coadjuvante, seu "plus one" mais frequente.

Uma característica muito presente no livro é o humor, outra das marcas de Gornick. Mesmo as situações mais dramáticas, os amores perdidos, os rompimentos dolorosos e até o reencontro com um ex-vizinho do Bronx que se transforma em um affair do qual ela tem o mesmo tanto de vergonha que de orgulho, são narrados com graça.

Os cientistas que passam a vida estudando como retardar ao máximo o fim da existência chegaram recentemente à conclusão de que caminhar e conversar ao mesmo tempo pode ser um dos componentes mais importante para a longevidade.

Aos 88 anos, com o corpo e a mente em forma, Vivian Gornick talvez seja mais do que simplesmente uma grande intelectual. E este, mais do que um livro de memórias, um manual de autoajuda. Sem o menor preconceito.

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