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Como união da Saint Laurent com Almodóvar põe o cinema como front da moda

Marca francesa fundou sua própria produtora cinematográfica parar estreitar relações entre os dois mundos

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Ethan Hawke e Pedro Pascal em cena do filme

Ethan Hawke e Pedro Pascal em cena do filme 'Estranha Forma de Vida', de Pedro Almodóvar Divulgação

São Paulo

Pedro Pascal e Ethan Hawke são os dois caubóis mais bem vestidos do cinema e há dois motivos para isso. O primeiro é ambos serem personagens de "Estranha Forma de Vida", média-metragem de Pedro Almodóvar que causou suspiros no Festival de Cannes deste ano.

O segundo é o figurino: para Pascal, uma jaqueta verde sobreposta a uma camisa xadrez e para Hawke, um terno preto risca de giz sobre uma camisa azul. Afinal, trata-se de um filme de Almodóvar, o cineasta conhecido por ser audaz nos figurinos e nas cores.

Ethan Hawke e Pedro Pascal em cartaz do filme "Estranha Forma de Vida", de Pedro Almodóvar
Ethan Hawke e Pedro Pascal em cartaz do filme "Estranha Forma de Vida", de Pedro Almodóvar - Divulgação

Mas, ainda assim, há algo de excepcional nas roupas dos atores. O design delas é de Anthony Vaccarello, o diretor criativo da Yves Saint Laurent.

É que Vaccarello, além de figurinista, também é um dos produtores do filme que estreou em setembro e está disponível na Mubi. A grife francesa inaugurou este ano sua própria produtora cinematográfica, a YSL —que não quer saber de fazer conteúdo patrocinado ou "product placement" com a nova empresa, mas cinema.

A empresa também produz e desenvolve figurinos para "Parthenope", novo filme de Paolo Sorrentino, e para um projeto ainda não divulgado de David Cronenberg. Exibir a produção de Almodóvar em Cannes apenas consolidou o movimento da grife. A Kering, holding que detém a YSL —além da Gucci, Balenciaga, Bottega Veneta e Alexander McQueen—, é patrocinadora do icônico festival francês.

Antes, Vaccarello já havia dirigido a série de vídeos "Director’s Cut", que trouxe Almodóvar, Cronenberg, Abel Ferrara e Jim Jarmusch para frente da câmera. Atualmente, a Kering negocia comprar a maioria das ações da Creative Artists Agency, a CAA, uma das grandes agências de talentos de Hollywood.

O fenômeno joga luz sobre o aspecto dos negócios da moda. As grandes marcas tendem a pertencer a três grandes conglomerados —VMH e Richemont, além da Kering. A primeira é dona de Dior, Marc Jacobs e Louis Vitton, entre outras. A segunda detém Cartier, Chloé e Montblanc, por exemplo.

"Elas têm capital aberto na bolsa e precisam de capacidade de venda de valor para além do produto em si", diz Joana Contino, professora de design de moda da ESPM Rio de Janeiro.

Não é de hoje que a moda se une a outros empreendimentos para se divulgar. Segundo Brunno Almeida Maia, pesquisador em filosofia e teoria de moda pela Unifesp, a YVS inova ao institucionalizar sua presença no cinema. Nesse sentido, pode se comunicar indo além dos tradicionais desfiles e editoriais e colocar-se acima das tendências efêmeras de Instagram e TikTok.

"O contemporâneo é saturado por imagens de celulares, algo com que o cinema trabalha de forma artística", diz. "Qualquer pessoa pode produzir as suas hoje, o que fez a imagem perder o seu impacto. O conceito da marca se tornou menos perceptível, mas o cinema pode reiterá-lo no imaginário das pessoas, dar a ele uma dimensão poética, perene e artesanal, no sentido de lidar com imagens elaboradas, que vão além do consumo pelo consumo. Essa é uma estafa que a moda tem vivido."

A estética "barbiecore", impulsionada pelo filme "Barbie", é apenas o caso mais recente da aproximação entre moda e cinema. Os exemplos vão do contemporâneo até clássicos da película.

"Rivais", filme de Luca Guadagnino, tem Jonathan Anderson, diretor criativo da Loewe, assinando o figurino. Silvia Venturini Fendi, diretora artística da marca que leva seu sobrenome, foi produtora de dois filmes de Guadagnino, "Suspiria" e "Um Sonho de Amor".

Antes de Saint Laurent, Almodóvar já havia colaborado com Jean-Paul Gaultier, que desenvolveu um macacão usado por Elena Anaya em "A Pele que Habito", e fez peças para o elenco de "Má Educação" e "Kika". Em "Mães Paralelas", Penélope Cruz veste a camiseta da Dior cuja estampa diz "todos nós devemos ser feministas".

A presença das grifes nas telonas não é inédita. Nos anos 1960, a YSL vestiu Catherine Deneuve em "A Bela da Tarde", "A Chamada do Amor" e "A Sereia do Mississipi", além de Claudia Cardinale e Capucine em "A Pantera Cor-de-Rosa".

Nas décadas de 1970 e 1980, Deneuve trajou looks da grife em "Expresso para Bordeaux" e "Fome de Viver". Marlene Dietrich vestiu sua grife predileta, a Dior, em "Pavor nos Bastidores", de Hitchcock.

Para além da afinidade no aspecto visual, diz o pesquisador, moda e cinema têm sinergia por refletirem o espírito do tempo. A transgressão da juventude ganhou forma na calça jeans, nos anos 1950 e 1960, com nomes como James Dean e Marlon Brando. No mesmo período, Hubert de Givenchy encontrou uma musa em Audrey Hepburn.

Embora não tenha sido creditado, o estilista desenvolveu o figurino de "Sabrina", de Billy Wilder, e foi indicado ao Oscar por "Cinderela em Paris", também com Hepburn. Ela usou a marca novamente em "Como Roubar um Milhão de Dólares", "Charada" e "Bonequinha de Luxo" —o vestido preto tornou-se um ícone.

Já no Brasil, ainda não se vê um movimento semelhante. Mas não se pode negar que as novelas exercem um papel importante ao emplacar modas. Sonia Braga fez as meias coloridas de lurex de Júlia Matos, sua personagem na novela "Dancin’ Days", se tornarem um fenômeno no fim dos anos 1970, com o figurino assinado por Marília Carneiro.

A diabólica Carminha, interpretada por Adriana Esteves em "Avenida Brasil", de 2012, fez a marca Michael Kors voltar a fabricar a bolsa usada pela personagem, diz Marie Salles, figurinista da novela.

De acordo com ela, as tendências lançadas pelas novelas passam longe da aderência quase que automática dos anos 1980 e 1990. Enquanto a novela tem de passar por todas as etapas de produção para ir ao ar, os influenciadores produzem seus conteúdos com muito mais agilidade. A própria figurinista se diz "viciada" em influenciadores e os usa como material de pesquisa.

No que se refere à possibilidade de estilistas tomarem para si o trabalho de figurinistas, Salles diz não ver uma disputa entre profissionais dos meios —o ganho é da estética. Ela cita um caso inverso, do cineasta Tom Ford, que foi designer da Gucci e da YSL antes de dirigir os filmes "Animais Noturnos" e "Direito de Amar".

"É muito bom quando acontece essa transição. Quando você vê um primor, como ‘Bonequinha de Luxo’, tem ali um exemplo de grande trabalho que fomenta várias coisas na indústria, abrindo mais oportunidades de trabalho", diz.

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