Descrição de chapéu Artes Cênicas

Folha destaca as melhores peças de teatro de 2023, segundo jornalistas; veja

Seleção tem produções baseadas em Nelson Rodrigues e Arthur Miller e com Marco Nanini e Reynaldo Gianecchini no elenco

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Da esq. para a dir., o ator Marco Nanini, durante ensaio no Galpão Gamboa, no centro do Rio de Janeiro; cena da peça 'As Bruxas de Salém', clássico de Arthur Miller montado pelo grupo Satyros; o ator Reynaldo Gianecchini na peça 'A Herança'; e Grace Gianoukas no monólogo 'Nasci pra Ser Dercy' Eduardo Anizelli, Karime Xavier, Zanone Fraissat/Folhapress e Heloísa Bortz/Divulgação

São Paulo

Com um ano de tragédias para o teatro nacional com as mortes de José Celso Martinez Corrêa, do Oficina, do célebre diretor Aderbal Freire-Filho e o fechamento do Teatro Aliança Francesa, no centro de São Paulo, houve espaço para algumas montagens notáveis ao longo do ano.

A Folha convidou quatro profissionais envolvidos com a cobertura de teatro para indicar, cada um deles, cinco das melhores montagens que viram este ano. A única exigência foi que os convidados selecionassem produções inéditas.

Da esq. para a dir., o ator Marco Nanini, durante ensaio no Galpão Gamboa, no centro do Rio de Janeiro; cena da peça 'As Bruxas de Salém', clássico de Arthur Miller montado pelo grupo Satyros; o ator Reynaldo Gianecchini na peça 'A Herança'; e Grace Gianoukas no monólogo 'Nasci pra Ser Dercy' - Eduardo Anizelli, Karime Xavier, Zanone Fraissat/Folhapress e Heloísa Bortz/Divulgação

O resultado é uma lista diversa de quase 20 peças de diferentes gêneros, desde os musicais até monólogos e várias adaptações literárias. Da lista, apenas a peça "Traidor", de Gerald Thomas com Marco Nanini, foi citada mais de uma vez pelo grupo.

A lista completa segue abaixo, em ordem alfabética.

Alessandra Monterastelli
Repórter

As Bruxas de Salém
Direção: Rodolfo García Vázquez. (Satyros)

A adaptação do grupo Satyros, uma das companhias independentes mais tradicionais de São Paulo, se manteve fiel ao texto de Arthur Miller e usou a dramaturgia para acrescentar paralelos com a realidade brasileira. Uma caça às bruxas do século 16 escrita por um americano no século 20, angustiantemente atual.

A Origem do Mundo
Direção: Maria Helena Chira, Julia Tavares e Luisa Micheletti. (Sesc Ipiranga)

O espetáculo foi dividido em quadros curtos e recheados de ironia, como se os quadrinhos feministas de Liv Stromquist, HQ que inspirou a peça, ganhassem vida no palco. A investigação principal é a história da vulva, mas não aquela contada por Aristóteles, Sigmund Freud ou a Nasa.

Credores
Direção: Eduardo Tolentino. (Grupo Tapa)

August Strindberg foi um importante dramaturgo suéco, mas seus escritos ficaram marcados pela misoginia. Em uma montagem astuta, o grupo Tapa conseguiu incentivar a crítica ao olhar masculino sem deixar de passear pelos meandros psicológicos que despertaram a curiosidade de Jean Paul-Sartre pelo autor.

Vestido de Noiva
Direção: Ione de Medeiros. (CCBB-SP)

É difícil revisitar os clássicos. Nessa adaptação, a talvez obra-prima de Nelson Rodrigues foi encenada com atores duplicados para intensificar a confusão mental da protagonista, que vaga entre memória e delírio. Como se o risco já não fosse alto, atuações em vídeo também compuseram a montagem. E deu certo.

Ana Marginal
Direção: Nelson Baskerville. (Espaço Elevador)

As estrofes arrebatadoras de Ana Cristina Cesar ajudam três atrizes a reconstruir sua biografia em cena, dando pistas sobre a pouco falada atração da autora por outras mulheres. Conforme o enredo avança, a angústia da poeta em não encontrar o que procurava parece contagiar também suas intérpretes.


Bruno Cavalcanti
Crítico e colaborador da Folha

A Cerimônia do Adeus
Direção: Ulysses Cruz. (Sesc Consolação)

Tivesse sido escrita em inglês, "A Cerimônia do Adeus" estaria no panteão das grandes obras do último século em todo o mundo. A montagem que cumpriu temporada no Sesc Consolação comprovou que o texto de Mauro Rasi ainda é uma obra de muito fôlego e o veículo perfeito para grandes atores brilharem. A direção de Ulysses Cruz foi segura e inteligente nesse quesito, permitindo que Olívia de Araújo, Eucir de Souza e Beth Goulart tivessem grandes momentos. Mas o verdadeiro destaque da produção era Malu Galli, em estado de graça em cena.

Alguma Coisa Podre - O Musical
Direção: Gustavo Barchilon. (Teatro Porto Seguro)

A versão brasileira de um dos musicais mais subvalorizados da Broadway consagrou o diretor Gustavo Barchilon como um dos principais nomes da cena moderna. O diretor foi o responsável por um dos melhores musicais da década, "Barnum - O Rei do Show" e deu dignidade a "Bob Esponja - O Musical". Em "Alguma Coisa Podre", Barchilon explorou o timing perfeito da comédia e deu veículo para alguns dos melhores nomes do teatro musical moderno, como Léo Bahia e Bel Lima, além dos veteranos Rodrigo Miallaret e Laila Garin. O destaque ficou para Marcos Veras em seu melhor momento nos palcos.

Bonnie e Clyde - O Musical
Direção: João Fonseca. (033 Rooftop)

Possivelmente uma das maiores surpresas de 2023, o musical estrelado por Beto Sargentelli e Eline Porto, sob a direção de João Fonseca, foi a perfeita união de canções vibrantes, um elenco bem entrosado e um texto afiado, muito superior a maioria dos musicais importados da Broadway que chegaram à cena nos últimos dois anos pós-pandemia. Embora o casal de protagonistas fosse um dos pontos mais fortes da montagem, o ator Cláudio Lins fez deste um de seus melhores trabalhos em cena.

Ficções
Direção: Rodrigo Portella. (Teatro FAAP)

O diretor Rodrigo Portella, que já vinha de obras de grande impacto, como "As Crianças", atingiu em "Ficções" o ápice da criatividade, fazendo o que se considerava impossível: adaptar a obra "Sapiens", de Yuval Harari, para os palcos. Vera Holtz dá vida a uma figura sem gênero nessa montagem que analisa não só a vida humana na Terra, mas a revolução digital, o novo milênio e o papel quase que coadjuvante do homem na evolução da espécie. A atriz estabeleceu contato direto com o público para tornar um texto sisudo e nem sempre simples em um bate-papo prazeroso e acessível.

Nasci pra Ser Dercy
Direção: Kiko Rieser. (Teatro Itália)

A trajetória da atriz Dercy Gonçalves é o foco desse monólogo em que a criadora do projeto "Terça Insana", Grace Gianoukas, está em um dos melhores momentos de sua carreira. Luminosa em cena, a artista dá vida a Fátima, uma atriz que se submete a um teste para dar vida à Dercy e, inconformada com o roteiro que lhe é proposto, passa a narrar a vida e a obra da artista. O espetáculo é o resultado de um encontro de artistas em seus momentos mais criativos. O dramaturgo e diretor Kiko Rieser transformou a produção em sua opus magna, enquanto Gianoukas teve a chance de mostrar que é ainda uma das melhores atrizes do teatro brasileiro.


Gustavo Zeitel
Repórter

Traidor
Direção: Gerald Thomas. (Sesc Vila Mariana)

Marco Nanini encenou a loucura da experiência contemporânea, em trabalho estético arrojado, criado por Gerald Thomas. Fragmentado, o texto do diretor raptou o caos em que vivemos, mostrando que ainda é possível fazer uma boa peça no Brasil.

G.A.L.A
Direção: Gerald Thomas. (Sesc Belenzinho)

Finalmente, a peça com Fabiana Gugli estreou nos palcos de São Paulo. Em 2021, teve uma montagem online e, no ano passado, esteve no Festival de Curitiba. A versão final do texto só ficou pronta agora. "G.A.L.A" e "Traidor" se relacionam nesse rapto do nosso tempo. Talvez, "G.A.L.A." tenha um pendor mais cômico.

Gagarin Way
Direção: Gregory Burke. (Cemitério de Automóveis)

Capitaneada por Mário Bortolotto, a Companhia Cemitério de Automóveis fez dessa peça o melhor exemplar de seu teatro sujo. O texto escatológico gritado transportou o público da Bela Vista para a melancólica Escócia. Tragédia total.

A Hora do Lobo
Direção: Christiane Jatahy. (Sesc Consolação)

O desfecho da peça incomoda pelo didatismo. Um pecado. Mas a pesquisa da premiada diretora faz matutar. As experiências com a linguagem teatral interessam. Viva o formalismo.

A Herança
Direção: Mattew Lopez. (Teatro Vivo)

Novelão, a peça de natureza comercial diverte em sua narrativa hollywoodiana. Sua extensa duração, porém, corresponde à pretensão do elenco, que, salvo exceções, é fraco.


Diogo Bachega
Estagiário da Ilustrada

Traidor
Direção: Gerald Thomas. (Sesc Vila Mariana)

A peça de Gerald Thomas tenta dar ordem ao caos contemporâneo. Não se trata, no entanto, de uma organização no sentido convencional, não há solução ou sistematização, apenas poesia. Marcos Nanini encarna uma espécie de último homem, buscando um sentido que não pode ser alcançado, sobre um texto que rejeita se apoiar em bases sólidas e fáceis. As luzes, a coreografia dos atores no palco, os figurinos, toda parte técnica é feita com um zelo e com uma precisão remetem à pós-produção do audiovisual e maravilham em uma arte realizada em tempo real.

Ana Lívia
Direção: Caetano Galindo. (Sesc Consolação)

A estreia de Caetano Galindo na dramaturgia parte de James Joyce, quem ele traduz há décadas e estuda a ainda mais tempo, mas seu texto não depende das referências ao irlandês. O texto não é perfeito, por vezes se perde em exercícios estilísticos que não saem do lugar. Apesar disso, a peça é uma estreia sólida e faz um tocante ensaio sobre a finitude e a possibilidade de superá-la através da arte. Bete Coelho se mistura com sua personagem ao brincar com possibilidades de reinvenção, sem temer se apropriar das referências variadas que compõem seu repertório. Daniela Thomas, conhecida pela cenografia competente, aposta certeiramente na simplicidade de um palco quase nu, ideal para uma peça que não esconde seus artifícios.

O Avesso da Pele
Direção: Beatriz Barros. (Sesc Avenida Paulista)

Feita por uma equipe relativamente iniciante, "O Avesso da Pele" adapta com competência e carisma o livro homônimo de Jeferson Tenório. Se o resultado final poderia ser mais polido, a peça soube partir do material original sem esquecer que o que se fazia era teatro, reinventando o trabalho do escritor através da subjetividade dos atores, da interferência da dança e da música, de um erotismo passional e da subversão da estrutura original em benefício de um formato fragmentado que reforça a camada psicológica da história.

Agnes de Deus
Direção: Murillo Basso. (Teatro Aliança Francesa)

A encenação de Murillo Basso da peça escrita em 1979 pelo americano John Pielmeier une suspense e drama em um conto lúdico que discute a mulher, o corpo, a religião e umas outras tantas coisas. As atuações competentes conseguem dar vida à trama, prendendo o público em momentos de pesadelo e reflexão. O cenário não é casual, mas inteiramente pensado para servir à trama, e colabora para a beleza da cena final, que encerra bem uma boa peça e manda o público satisfeito para casa.

Pérsia
Direção: Sandra Vargas e Luiz André Cherubin. (Espaço Sobrevento)

"Pérsia" se constrói a partir de paralelos entre conflitos do Oriente Médio e brasileiros. Através de entrevistas com imigrantes, o grupo Sobreventos costura episódios sensibilizantes, mas que não sacrificam a complexidade dos temas em função do discurso panfletário, como frequentemente acontece em obras contemporâneas que se propõe a discutir temas quentes e socialmente relevantes. Os personagens são pessoas, não apenas reivindicações. Os recortes não compõem um todo grandioso, mas permitem momentos belos que seguram a encenação. A peça, apresentada na pequena sala do grupo, acontece ao redor de uma árvore seca que, ao receber a luz amarela sobre o palco, cria um ambiente que parece transportar a plateia para dentro da encenação.

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