Quais foram as melhores exposições de artes visuais em 2023, segundo a Folha

Seleção tem indígena yanomami e Marta Minujín, além de mostras que passaram por Veneza, Nova York e Bogotá

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Esq. para dir., Obra de Lucas Arruda; Fachadas', tela feita em 1950 por Alfredo Volpi;  ** estcul** Escultura 2, 1976 400 × 100 × 100 cm; Obra na mostra 'Icônes', na Punta della Dogana, em Veneza, na Itália.

Esq. para dir., Obra de Lucas Arruda; Fachadas', tela feita em 1950 por Alfredo Volpi; ** estcul** Escultura 2, 1976 400 × 100 × 100 cm; Obra na mostra 'Icônes', na Punta della Dogana, em Veneza, na Itália. Divulgação

São Paulo

Este ano foi marcado pela tomada indígena das exposições em museus e galerias, ao mesmo tempo em que a Bienal de São Paulo fez história ao selecionar, em sua maioria, obras de artistas não brancos para a sua 35ª edição —um prelúdio do que será a Bienal de Veneza em 2024, que terá Glicéria Tupinambá representando o Brasil.

Esq. para dir., Obra de Lucas Arruda; Fachadas', tela feita em 1950 por Alfredo Volpi;  ** estcul** Escultura 2, 1976 400 × 100 × 100 cm; Obra na mostra 'Icônes', na Punta della Dogana, em Veneza, na Itália.
Da esquerda para a direita, obra de Lucas Arruda; 'Fachadas', tela feita em 1950 por Alfredo Volpi; escultura de Ascânio MM; obra na mostra 'Icônes', na Punta della Dogana, em Veneza, na Itália - Divulgação

A artista fez um manto indígena, fruto de análises técnicas do manto tupinambá do século 17 que foi doado ao Museu Nacional do Rio de Janeiro pelo Museu da Dinamarca, episódio que reascendeu o debate sobre repatriação de relíquias.

O ano também foi marcado por mostras dedicadas a reunir artistas negros, enquanto a coleção milionária de Emanoel Araújo foi a leilão.

A Folha reuniu quatro profissionais envolvidos com a cobertura de artes visuais para indicar, cada um deles, cinco das melhores mostras que entraram em cartas neste ano.

Alessandra Monterastelli
jornalista da Folha

A Coleção Imaginária
No Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo
A mostra foi organizada por Paulo Kuczynski, um dos mais renomados marchands do Brasil, e exibiu obras de artistas como Alfredo Volpi, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Ismael Nery, Candido Portinari, Lasar Segall, José Pancetti, Lygia Clark e Adriana Varejão —todas pertencentes a colecionadores privados e que dificilmente seriam disponibilizadas ao público. Muitos dos trabalhos raros tinham histórias curiosas, como o caso do retrato de Gilda Vieira, por quem Volpi foi apaixonado.

Altares del Suelo se Animan con Fuego
De Carlos Alfonso, na galeria Casas Riegner, em Bogotá
A individual do artista em ascensão no circuito colombiano exibiu uma série de pinturas em pequena escala sobre madeira, com desenhos de rituais, acompanhados de textos reflexivos ou descritivos de receitas e botânica. Num misto de relato, mito e crítica social, a exibição estabeleceu um diálogo direto com os trabalhos de artistas não representados por galerias da feira ArtBO, em que provocações sobre a insustentabilidade da economia capitalista e extrativista dominaram as temáticas das obras, menos pautadas pelo apelo comercial. A mostra de Carlos Alfonso aconteceu na Casas Riegner, inserida no circuito de galerias de Bogotá, mais convidativas à participação do público do que o circuito paulistano.

O Futuro Não É um Sonho
De Cao Fei, na Pina Contemporânea, em São Paulo
As obras de Cao Fei, artista chinesa que já passou pela Bienal de Veneza, não são exatamente o que se espera encontrar em uma mostra de arte. Mas essa expectativa, talvez, tenha data de validade na era da tecnologia predatória –tema discutido por Fei em trabalhos criados, justamente, com ferramentas digitais e realidade virtual. A produção da artista também é audiovisual e, em conversa direta com os artistas do sul global expostos na Bienal Sesc Videobrasil, aborda a crueldade do mundo do trabalho, a gentrificação das grandes metrópoles e a destruição da memória coletiva.

Marta Minujín: Ao Vivo
De Marta Minujín, na Pinacoteca, em São Paulo
É a primeira grande mostra reunindo os trabalhos da argentina Marta Minujín, precursora do happening e da pop art na América Latina nas décadas de 1960 e 1970. Obras de enfrentamento a regimes ditatoriais se misturam com os famosos colchões fosforescentes e psicodélicos da artista —material que, segundo ela, é "um evento na vida" por ser onde "se dorme, se faz amor, se nasce, se mata ou estrangula". A empolgação do público prova que o êxtase rebelde de Minujín é sempre atual.

Giro
De Luana Vitra, em Inhotim, em Brumadinho (MG)
A jovem artista Luana Vitra, que também esteve na 35ª Bienal de São Paulo, foi comissionada para criar uma grande obra no pavilhão Marcenaria do museu mineiro. Vitra sobrepôs delicados vasos de cerâmica sobre rochas de minério de ferro, extraídas da região de Brumadinho, onde ocorreu o rompimento da barragem em 2019. Somado ao anil que domina todo o espaço, a artista parece ter criado quase um santuário para falar sobre as dores de uma terra explorada. A presença do cobre, metal altamente condutor, reflete sobre a troca de energia entre a atividade humana e a terra habitada, sem que o trabalho de Vitra se renda a crenças religiosas ou esotéricas.


João Perassolo
Jornalista da Folha

Torções
De Ascânio MMM, no MuBE, em São Paulo
Retrospectiva no Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia mostrou por que o artista português radicado no Rio de Janeiro é um mestre da escultura formalista em madeira e metal. A obra de arte pela obra de arte.

Fotografia Habitada —Antologia de Helena Almeida
De Helena Almeida, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo
Grande exposição de uma das principais artistas de Portugal no século 20 mostrou suas pinceladas precisas sobre fotografias em preto e branco e trabalhos fortes contra a ditadura de Salazar.

Infraestrutura, Instituição, Indivíduo
De Daniel de Paula, na galeria Jaqueline Martins, em São Paulo
Artista conceitual, Daniel de Paula vem ganhando projeção desde que esteve na penúltima Bienal de São Paulo. Ele usa pedras de obras públicas e privadas para abordar as estruturas invisíveis do capitalismo, num corpo de obra supercerebral.

O Tempo É
De Carolina Cordeiro, na galeria Galatea, em São Paulo
Em exposição na galeria Galatea, que tem apostado em nomes menos conhecidos, a artista mineira mostrou como placas de zinco podem ser brutas e belas ao mesmo tempo.

Sheroanawe Hakihiiwe: Tudo que Somos Nós
De Sheroanawe Hakihiiwe, no Masp
O indígena venezuelano, destaque no circuito por ter exposto na Bienal de Veneza, mostrou desenhos no Masp que provaram que a arte de povos originários não precisa ser figurativa, como quase sempre é.


Nina Rahe
Jornalista e crítica de arte

Assum Preto
De Lucas Arruda, na Biblioteca do Ateneo de Madrid, em Madri
A forma como as pinturas do brasileiro Lucas Arruda se integraram à biblioteca do Ateneo de Madrid, em Madri, fizeram com que a mostra assumisse o caráter de uma instalação. Ali, telas com representações da mata atlântica ocupavam vitrines verticais e escrivaninhas, dividindo o espaço com livros de botânica abertos em páginas selecionadas. Uma feliz coincidência –o fato de o telhado do prédio ser parada de pombos-torcazes– transformou o canto das aves em trilha ambiente.

Making Modernism
Na Royal Academy of Art, em Londres
Uma reunião da produção de quatro mulheres artistas que trabalharam na Alemanha no início do século 20 —Paula Modersohn-Becker, Käthe Kollwitz, Gabriele Münter e Marianne Werefkin. Nesse conjunto de obras com temas variados, como a intimidade, a cidade e o campo, os homens aparecem quase sempre em segundo plano, levando ao questionamento de como seria um modernismo sem a centralidade deles.

O Sonho do Arqueólogo
De Artur Barrio, na galeria Central, em São Paulo
Em sua exposição na galeria Central, Artur Barrio fez do asséptico cubo branco uma caverna com o chão forrado de pó de café. Se jovem o artista luso-brasileiro nutriu o desejo de ser arqueólogo, a instalação convidou o visitante à mesma tarefa. A diferença é que, enquanto ele queria estudar o universo submarino, o campo de investigação na Central são os vestígios da presença do artista, desde a mesa de trabalho abandonada a diversas frases e enigmas.

Obra de Artur Barrio na Central Galeria
Obra de Artur Barrio na galeria Central - Ana Pigosso/Cortesia Central Galeria

Performa Biennal 2023
Em Nova York
O evento expande os limites da performance ao convidar artistas sem familiaridade com o gênero. A edição deste ano, que ocupou diversos pontos de Nova York, foi uma oportunidade de ver o universo imagético do canadense Marcel Dzama ganhar o espaço tridimensional, em uma peça de inspiração surrealista, e a performance sonora da americana Nikita Gale, na qual a participação de uma orquestra foi praticamente encoberta pelo uso excessivo de luzes e fumaças.

Instalação de Julién Creuzet, que participou da Performa Biennal em Nova York
Instalação de Julién Creuzet, que participou da Performa Biennal em Nova York - Luma Arles

Rirkrit Tiravanija: A Lot of People
De Rirkrit Tiravanija, no MoMA, em Nova York
A mostra no MoMA PS1, em Nova York, dedicada ao artista de origem tailandesa, é a prova de como sua obra é capaz de tornar o museu um espaço vivo, com peças que promovem a participação do público independentemente da presença de Tiravanija. A programação de performances em dias alternados contribui para que o MoMA se transforme em um ponto de encontro. Como não voltar para tomar um café turco, atração de quintas e domingos, ou provar um pad thai, servido às sextas e sábados?


Silas Martí
Editor da Ilustrada

Icônes
Na Punta della Dogana, em Veneza, na Itália
Obras de Lygia Pape, Donald Judd, Lucio Fontana, Dahn Vo, Robert Ryman e outros foram revistos à luz da iconografia religiosa na antiga alfândega da cidade italiana transformada em museu pelo arquiteto japonês Tadao Ando. O resultado é um tour de force digno de uma catedral, com trabalhos que contrastam o máximo rigor geométrico com a aura sagrada dos objetos litúrgicos. É a constatação de que a arte, para os crentes e os não crentes, nos aproxima de outro plano simbólico por sua pura potência.

Iole de Freitas, Anos 1970: Imagem como Presença
De Iole de Freitas, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo
Quem não conhecia os experimentos com filme e fotografia da artista Iole de Freitas teve a chance de mergulhar na fase mais radical de sua obra à luz de trabalhos recentes, suas esculturas que engolem o espaço onde são exibidas. A mostra do Instituto Moreira Salles, numa montagem sublime, deixou evidente como o corpo e a coreografia funcionam como a espinha dorsal de seu trabalho desde o início e informam as curvas e entrecruzamentos de suas obras construídas com plástico e metal, ampliando suas camadas de significados.

Mulheres na Nova Figuração: Corpo e Posicionamento
Na galeria Superfície, em São Paulo
Mais uma prova de que as décadas de 1960 e 1970, durante a ditadura militar brasileira, foram decisivas para a história da arte do país. A seleção de obras da exposição na galeria Superfície jogou luz sobre a força das mulheres no movimento que espelhou a pop art no país. Anna Maria Maiolino, Judith Lauand, Regina Vater, Teresinha Soares, Wanda Pimentel e outras puseram o corpo feminino na linha de frente da luta política, num turbilhão de cores marcado pela sensualidade, pelo humor e pela geometria na raiz de nossas vanguardas.

Tomie Dançante
No Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo
O ano que termina também nos legou mostras que atravessam diferentes linguagens artísticas com imenso frescor. Neste caso, as pinturas de Tomie Ohtake, conhecidíssimas dos paulistanos, foram justapostas a seus projetos de cenografia para a ópera "Madame Butterfly" em montagens no Rio de Janeiro e em São Paulo. Suas peças aqui, mostradas dentro das línguas vermelhas de tecido inspiradas em seus cenários, são tempestades gestuais, linhas e cores que chacoalham os ambientes à meia-luz, sem medo de escancarar o lado mais teatral e dramático das artes visuais.

35ª Bienal de São Paulo
Irregular em muitos pontos, com altos e baixos, "Coreografias do Impossível" entra para a história como a edição menos branca da mostra paulistana em mais de sete décadas. É um feito notável em termos estatísticos, mas o que mais importa foi trazer ao radar nomes ainda às margens e outros atropelados pela cegueira seletiva de quem escreve sobre arte. A ala de trabalhos de Aurora Cursino dos Santos e Ubirajara Ferreira Braga vale por toda a mostra, peças de uma beleza tão dura quanto é a nossa vida real.

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