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Entenda o que o Oscar 2024 revela sobre Hollywood, com sexo e silêncio sobre Gaza

Temporada de premiações mostra uma indústria menos puritana e mais receosa de se posicionar politicamente

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Kyle Buchanan
The New York Times

Estamos entrando na reta final desta temporada de premiações, mas você não precisa esperar até a cerimônia do Oscar terminar, neste domingo, para tirar algumas conclusões sobre o que aconteceu.

Cena do filme 'Passagens', de Ira Sachs
Cena do filme 'Passagens', de Ira Sachs - Divulgação

Para mim, a temporada de premiações sempre é útil para medir a temperatura da indústria cinematográfica. O que pode ser deduzido sobre o estado atual de Hollywood a partir dos filmes e momentos que influenciaram a corrida deste ano? Aqui estão algumas das tendências que observei até agora.

O cinema de prestígio se tornou menos casto

Um dos primeiros filmes a que assisti no ano passado foi "Passagens", um drama sobre um triângulo amoroso bissexual que apresenta uma das cenas de sexo mais impactantes que já vi em um filme. O encontro entre dois homens, interpretados por Ben Whishaw e Franz Rogowski, é revelador não apenas porque os atores estão nus, mas porque ao longo da cena surpreendentemente longa e explícita, passamos a conhecer muito mais sobre os personagens a partir das dinâmicas de poder durante o sexo.

Embora eu tenha assumido que "Passagens" seria uma anomalia, 2023 se revelou um ano sexualmente direto para o cinema, com filmes mais interessados na alegria do sexo do que em qualquer temporada recente de premiações.

Emma Stone passou grande parte de "Pobres Criaturas" numa jornada desinibida de desejo, se encontrando com uma série de homens de uma maneira que certamente testou os limites da classificação etária do filme. Em "Todos Nós Desconhecidos", a química sexual entre Andrew Scott e Paul Mescal era tão potente que me peguei corando. Até o diretor Christopher Nolan quebrou convenções ao filmar as primeiras cenas de sexo de sua carreira para "Oppenheimer".

Se houve um clima de frieza quando Hollywood ainda aprendia a lidar com inclusão recente de coordenadores de intimidade no set, isso acabou agora. Estrelas de cinema e cineastas de prestígio estão novamente dispostos a fazer cenas de sexo que até agora haviam sido relegadas à televisão. Quando falei com o diretor de "Pobres Criaturas", Yorgos Lanthimos, em novembro, ele soava esperançoso com a mudança de atitudes.

Andrew Scott e Paul Mescal em cena do filme 'Todos Nós Desconhecidos' - Divulgação

"Eu simplesmente nunca entendi o puritanismo em torno do sexo em filmes, ou nudez ", disse Lanthimos. "Sempre me deixa louco como as pessoas são liberais sobre violência e como permitem que menores a experimentem de qualquer maneira, mas com sexualidade somos puritanos."

Ainda assim, houve uma reação contrária a algumas dessas sequências, como postagens em redes sociais apontando o sexo e a nudez em "Oppenheimer" como supérfluos. Alguns sugeriram que os filmes deveriam se abster de tais cenas inteiramente.

"É um discurso estranho", disse o diretor de "Todos Nós Desconhecidos", Andrew Haigh. "Entendo que ninguém precisa de sexo exploratório, mas o sexo é tão fundamental em nossa existência que, se você não o vê na tela, essencialmente está dizendo que não quer que os filmes reflitam a vida. E, se você não o retrata lá, onde veremos representações de sexo? Basicamente só em pornografia."

Biografias estão se adaptando na era do MeToo

Não há filme que leve os votantes de premiações à parcialidade como um drama biográfico sobre uma figura histórica importante. Essa temporada tem uma porção deles, incluindo "Maestro", "Ferrari" e "Oppenheimer", sendo este último um exemplo tão bem executado do gênero que é quase certo que ganhará o Oscar de melhor filme.

Ainda assim, algo parece um pouco diferente desta vez. Em filmes anteriores desse tipo, as infidelidades do grande homem retratado em tela muitas vezes eram minimizadas ou ignoradas completamente, e você teria de recorrer à Wikipedia para descobrir o quanto ele havia sido um canalha com a mulher fiel. A nova safra de biografias põe essas fraquezas em destaque, explorando o conflito que surge a ponto de rivalizar com as ambições do personagem.

Em "Maestro", o diretor-estrela Bradley Cooper parece mais interessado na vida familiar de Leonard Bernstein do que na carreira do compositor, mostrando o impacto que os casos cumulativos de Bernstein com homens tiveram em sua mulher, Felicia Montealegre, vivida por Carey Mulligan. "Oppenheimer" sugere que o caso extraconjugal do físico com Jean Tatlock, interpretada por Florence Pugh, levou diretamente à sua perseguição política.

E a abertura de "Ferrari" deixa de lado os reluzentes automóveis em favor do que parece ser uma cena de felicidade doméstica, enquanto o fabricante de automóveis, vivido por Adam Driver, passa uma manhã cuidando de seu filho e da mãe do menino. Leva apenas um instante para que o filme revele que Ferrari está com uma segunda família secreta —que ele manteve escondida por anos de sua mulher, Laura, interpretada por Penélope Cruz.

O que explica toda a importância atribuída aos casos? Após o MeToo expor e derrubar homens poderosos em todas as indústrias, talvez pareça ultrapassado retratar uma figura histórica significativa sem adotar uma abordagem completa.

Durante os discursos de agradecimento, uma grande coisa fica sem ser dita

Na primeira cena de "Anatomia de uma Queda", a romancista interpretada por Sandra Hüller tenta dar uma entrevista em sua casa, mas é continuamente interrompida pela música alta que seu marido toca no sótão. Tentando manter a compostura, ela brinca sobre o barulho com a entrevistadora e tenta prosseguir. Ainda assim, a música toca alto, desafiadora e impossível de ignorar.

Essa sequência não pôde deixar de vir à mente durante uma interrupção no Independent Spirit Awards de domingo, que foi realizado em uma grande tenda perto da praia em Santa Monica, no estado americano da Califórnia. Na metade da cerimônia, um alto canto começou do lado de fora da tenda, onde um par de manifestantes com um megafone tocava uma gravação que pedia pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza.

Depois de dois anos em que a guerra na Ucrânia foi reconhecida em quase todas as premiações, o conflito entre Israel e o Hamas não foi mencionado na maioria das cerimônias.

"É muito delicado", me disse um executivo de estúdio após o protesto no Independent Spirit Awards. "As pessoas estão preocupadas com suas carreiras."

A dissonância cognitiva é sempre necessária quando atrocidades globais acontecem durante uma temporada de premiações glamorosa. Há até mesmo um indicado a melhor filme sobre esse tipo de pensamento seletivo —"Zona de Interesse", no qual um casal nazista abastado vive ao lado do campo de concentração de Auschwitz. Premiado no Bafta pelo filme, o produtor James Wilson reconheceu isso, se tornando um dos poucos artistas desta temporada a mencionar diretamente a guerra.

"Um amigo me escreveu depois de ver o filme outro dia que não conseguia parar de pensar nas paredes que construímos em nossas vidas para não olhar o que está atrás delas", disse Wilson, em seu discurso.

"Essas paredes não são novas, nem o eram antes ou depois do Holocausto, e parece nítido agora que devemos nos importar com pessoas inocentes sendo mortas em Gaza ou no Iêmen da mesma forma que pensamos sobre pessoas inocentes sendo mortas em Mariupol ou em Israel. Obrigado por reconhecer um filme que nos pede para pensar nesses espaços."

Embora alguns possam achar que uma premiação não é lugar para um discurso político, um grande filme é capaz de nada menos do que mudar a forma como vemos o mundo. Por causa disso, o ato de fazer filmes não pode deixar de ser político.

Tenho certeza de que os executivos da ABC, a rede que transmite o Oscar, prefeririam que os participantes ficassem em silêncio sobre essas questões, temendo reações negativas da audiência ou perda de telespectadores. Mas, se "Zona de Interesse" ganhar o Oscar de melhor filme internacional, como a maioria dos especialistas acredita que acontecerá, fico imaginando o que ouviremos.

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