Descrição de chapéu
Inácio Araujo

Mastroianni e Marlon Brando, que fariam 100, eram gigantes diferentes

Reunidos em mostra na Cinemateca, italiano se ancorava no carisma, já americano encarnava o método Stanislavski

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Inácio Araujo

Crítico de cinema da Folha

A programação da Cinemateca Brasileira, começando nesta quinta-feira, promove o encontro entre dois monstros tão absolutamente sagrados quanto diferentes em seu modo de ser e seu trabalho, ao mesmo tempo em que celebra o seu centenário: Marlon Brando e Marcello Mastroianni.

(A ESQUERDA) o ator Italiano Marcello Mastroianni durante cena do filme "O Belo Antônio" (A DIREITA)  o ator Marlon Brando em cena do filme "Sindicato de Ladrões"
À esq., ator italiano Marcello Mastroianni em cena do filme 'O Belo Antônio', e à dir., Marlon Brando em 'Sindicato de Ladrões' - Divulgação e Reuters

Para Brando, o trabalho era quase um suplício, enquanto para Marcello, uma diversão. Brando parecia introjetar a cada interpretação o método Stanislavski inteiro, enquanto Mastroianni se apoiava essencialmente sobre o carisma e a espontaneidade.

Ambos, no entanto, foram galãs de enorme prestígio na juventude, mas na maturidade Brando deixou a beleza de lado, o que não aconteceu com Mastroianni. Ainda que de maneiras opostas, tinham o dom de influenciar profundamente os filmes em que tomavam parte.

Brando era tormentoso, exigente, incômodo e cobrava uma fortuna por suas aparições, não raro rápidas nos filmes. Mastroianni via as filmagens com leveza. Era um lugar de sedução, e podia fazer parte de um filme, ao que se conta, apenas para paquerar uma atriz.

Tinham em comum a facilidade para conquistar as plateias. Marlon Brando surgiu explosivamente, em "Uma Rua Chamada Pecado" (1951), dirigido por Elia Kazan, indicado ao Oscar de melhor ator já em sua estreia. Pouco depois, ganharia o prêmio por "Sindicato de Ladrões" (1954), do mesmo Kazan, que até esse momento era seu mentor, também no teatro.

"O Selvagem" (1952) foi sucesso a seu tempo. O filme de Lazlo Benedek fica alguns quilômetros abaixo dos dois mencionados acima, mas vale basicamente pela panca de Brando como motoqueiro rebelde —inaugurou o subgênero juventude transviada, que, aliás, seria mais bem-sucedido em "Juventude Transviada", de Nicholas Ray.

O mais surpreende, e também o menos conhecido desses filmes talvez seja "Eles e Elas". Para começar, nem Joseph Mankiewicz, o diretor, nem Brando eram especialistas em musicais. Talvez por isso, por se ter visto uma intromissão num gênero então central para Hollywood, o filme foi recebido com reservas. No entanto, ambos se saem com desenvoltura —assim como Jean Simmons e Frank Sinatra. Um filme que merece ser visto e reavaliado.

O ator Marcello Mastroianni - Jerry Bauer/Reuters

A amostragem deixa de fora belos momentos soberbos e menos famosos de Brando, como no "Queimada!" (1969), de Gillo Pontecorvo, ou mesmo no soberbo "Superman: O Filme (1978). Mas é muito difícil hierarquizar o trabalho de Brando, quase sempre irretocável.

Marcello Mastroianni será aqui apresentado no papel que, mais do que qualquer outro, sedimentou a identidade entre o ator e Federico Fellini: "Oito e Meio" (1963). Ali, Mastroianni interpreta Fellini —muda apenas o nome. Da mesma forma, "A Noite" (1961) é o papel que o liga à obra de Michelangelo Antonioni —mas é o único filme que fariam juntos.

Passemos pelo fraco "Gabriella", de Bruno Barreto. "Um Dia Muito Especial" (1977), de Ettore Scola, é um momento marcante do cinema italiano dos anos 1970. E não era fácil entrar nessa galeria. O dia em questão é o do encontro entre Hitler e Mussollini em Roma. E nesse dia se encontram um jornalista bem pouco animado com o acontecimento e uma dona de casa (Sophia Loren) que não pode comparecer à cerimônia pública devido a seus problemas domésticos.

No caso de Marcello é possível arriscar dizer que duas de suas melhores interpretações ficaram de fora da série: um dos dois irmãos de "Dois Destinos" (1962), de Valerio Zurlini, e o professor anarquista de "Os Companheiros" (1963), de Mario Monicelli.

Lembrar desses outros trabalhos não implica deplorar a amostragem proposta pela Cinemateca: o que trazem esses oito filmes é uma bela celebração desse duplo centenário. E ainda homenageia, de passagem, o grande cinema da Itália e dos Estados Unidos.

Mostra 100 Anos de Mastroianni e Brando

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.