Samba e rap se assemelham na luta, diz Rappin' Hood

O rapper e o escritor Lira Neto participaram de debate sobre os gêneros musicais na série Perguntas sobre o Brasil

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Belo Horizonte

As primeiras experiências musicais do rapper Rappin’ Hood vieram do samba. "Meus tios faziam bailes em Araraquara, no interior de São Paulo. Nas festas da casa da minha avó, eu virava DJ", ele contou na décima edição do ciclo de diálogos Perguntas sobre o Brasil, realizada na tarde de quarta, 8

O rapper Rappin' Hood em sessão da Mostra Internacional de Cinema de SP de 2015 - Bruni Poletti - 4.nov.2015/Folhapress

Essa lembrança mostra como a formação do rapper de 51 anos se deu na mistura de gêneros. De um lado, o samba, sempre presente na sua história familiar e, de outro, o hip hop, pelo qual se apaixonou no início da juventude.

"Sou, na verdade, um trombonista", disse Rappin’ Hood. "Sempre quis juntar esses dois mundos, a música da banda marcial com a música que eu fazia na estação São Bento do metrô."

Desse encontro, nasceram os álbuns "Sujeito Homem" 1 e 2 (2001 e 2005), reconhecidos pela incorporação de ritmos brasileiros numa época em que o rap ainda bebia muito de referências americanizadas.

Rappin’ Hood participou do evento para debater a seguinte questão: "Como o rap conversa com o samba?". A série Perguntas sobre o Brasil é promovida pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha.

O debate também contou com o jornalista e escritor Lira Neto, autor de "Uma História do Samba" (Companhia das Letras, 2017).

Enquanto apresentava uma das cronologias possíveis para o ritmo, nascido no fundo dos quintais cariocas em meio ao processo de gentrificação do Rio de Janeiro do início do século 20, o autor apresentou pontos de contato do samba com o rap no Brasil.

O jornalista e escritor Lira Neto em participação na Casa Folha durante a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), em 2017 - Marcus Leoni - 27.jul.2017/Folhapress

"As mesmas palavras, frases e argumentos que ora são utilizados para diminuir o rap, o funk e o hip hop eram utilizados para falar mal do samba", disse Lira Neto. "Além da perseguição policial ostensiva para qualquer pessoa que fizesse parte daquela comunidade, havia uma perseguição dita intelectual, que era a de não aceitar aquilo como arte ou música."

A base musical desse primeiro samba era justamente o improviso, segundo o escritor. "E havia o tal do canto responsorial. Ou seja, alguém dava o mote e os outros faziam a glosa."

Assim como o rap, seus intérpretes priorizavam a construção de uma obra coletiva que, pelo menos no início, dispensava o conceito de autoria.

Segundo Rappin’ Hood, a conexão com o samba tem funcionado bem na sua carreira muito por conta do acolhimento que recebeu da comunidade de sambistas, especialmente da cantora, compositora e política brasileira Leci Brandão. "Realmente mudou minha vida quando eu regravei a versão de samba de ‘Sou Negrão’ com ela no disco ‘Sujeito Homem’", ele diz.

O rapper ainda lembra conversas com Sandra de Sá, Zeca Pagodinho e integrantes do Fundo de Quintal, entre outros, que fortaleceram essa ligação.

"A luta se assemelha. Eu acho que essa é a grande identificação do rap com o samba, a nossa realidade local, de onde viemos e as coisas que o nosso povo ainda luta para conquistar. É isso que nos junta e o que nos faz ritmos irmãos."

Lira Neto, que defende a constante capacidade de transformação do samba, concorda com o rapper. "O samba, assim como o rap, é um laboratório de experimentações criativas, estéticas, musicais e também linguísticas. Eles mostram que a língua não é aquela que está mumificada nas gramáticas", argumenta o escritor.

"Como linguagens de resistência, [os gêneros] apontam que não há nenhuma incompatibilidade entre a luta e a festa. A festa, o prazer e a alegria são fundamentais", conclui Lira Neto. Rappin’ Hood concorda, citando um conselho que recebeu do pai: "Nossa vitória está na luta".

A conversa, transmitida pelos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube, foi mediada pela pesquisadora do CPF Flavia Prando, doutora em música pela USP, e apresentada por Patrícia Dini, da programação do CPF.

A íntegra pode ser vista aqui.

O ciclo Perguntas sobre o Brasil discute, a cada duas semanas, temas inspirados pelo projeto 200 anos, 200 livros, lançado em maio de 2022. A iniciativa da Folha, da APBRA e do Projeto República (núcleo de pesquisa da UFMG) convidou 169 intelectuais da língua portuguesa para montar uma lista com duas centenas de obras importantes que ajudam a explicar o Brasil.

O próximo debate será realizado no dia 22 de fevereiro, com a seguinte questão como mote: "‘Grande Sertão’ e ‘Os Sertões’ – o que Guimarães e Euclides dizem sobre o Brasil atual?".

Veja a programação completa.

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