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Medidas coercitivas são insuficientes para combater intolerância religiosa, diz jurista

Hédio Silva Jr., advogado das religiões afro-brasileiras no STF, participou de debate ao lado do sociólogo Reginaldo Prandi

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Belo Horizonte

Superar a intolerância em relação às religiões de matrizes africanas no Brasil implica ingressar em um sistema de valores, segundo o professor Hédio Silva Jr., advogado das religiões afro-brasileiras no STF. "E não se ingressa num sistema de valores com medidas coercitivas", ele ressalta.

De acordo com o professor, que é coordenador do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (Idafro) e ex-secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, alcançar esse novo patamar compreende mobilizar instrumentos de intervenção estatal, da indústria cultural, da educação escolar e das redes sociais. Assim, ele diz, é possível preparar "o indivíduo para dissociar diferença de inferioridade".

Hédio Silva Jr. é um homem negro, retinto e careca, que sorri discretamente e cruza as mãos. ele usa um terno cinza
O advogado Hédio Silva Jr., mestre e doutor em direito pela PUC-SP - Reprodução @drhediosilva no Instagram

A fala resume uma das principais contribuições da 12ª edição do ciclo Perguntas sobre o Brasil, que discutiu a questão "Como as religiões de matriz africana têm conseguido superar a intolerância?"

Além de Silva Jr., participou do evento com transmissão online o sociólogo, escritor e professor emérito da USP Reginaldo Prandi, em conversa mediada pela educadora e cantora Maíra da Rosa.

Promovido pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha, o debate aconteceu nesta quarta-feira (8).

"Sendo religiões que contam muito com a presença sacerdotal da mulher, é como se essas coisas [gestos de intolerância] se potencializassem", afirmou Prandi, autor de livros como "Mitologia dos Orixás" (2001) e "Os Candomblés de São Paulo: a Velha Magia na Metrópole Nova" (1991).

Reginaldo Prandi, um homem branco e idoso, de cabelos grisalhos, posa em frente a uma estante cheia de livros
O sociólogo Reginaldo Prandi em sua casa na Vila Mariana, em São Paulo - Zanone Fraissat - 01.jun.2018/Folhapress

O sociólogo lembrou como a intolerância religiosa no Brasil ganhou um novo capítulo no final da década de 1980, época da redação da Constituição.

Em meio ao marco dos cem anos de abolição da escravidão, o país assistia ao estabelecimento da liberdade religiosa no país, garantida no artigo quinto do texto constitucional de 1988. Por outro lado, disse Prandi, havia o ingresso de representantes do neopentecostalismo na vida partidária brasileira.

"No curso dos anos 1990, muitas dessas religiões, que passaram por um profundo processo de modificação teológica, mudaram também a identificação da fonte do mal", afirmou o sociólogo.

"Se antes todo o mal provinha da figura desgastada e já quase desmerecida do velho diabo, agora ele foi colocado no colo das divindades afro-brasileiras cultuadas nos terreiros."

Por isso é tão difícil, segundo ele, superar essa intolerância. "Esse preconceito não é difuso. É institucionalizado, mantido, fermentado, construído e divulgado em muitas das diferentes denominações protestantes novas", ele disse, reforçando a capilaridade política que o grupo alcançou nos últimos anos.

Ataques a terreiros e a demais instituições que abrigam religiões de matrizes africanas são frequentes no país. Apenas em 2021, o então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu 586 denúncias de intolerância religiosa pelo Disque 100 –Rio de Janeiro e São Paulo lideram no número de denúncias feitas.

"É papel do Estado assegurar que toda essa diversidade religiosa possa se expressar no espaço privado e, especialmente, no espaço público, em ambientes de convivência harmoniosa e de coexistência", diz o advogado.

A conversa entre Hédio Silva Jr., Reginaldo Prandi e Maíra da Rosa foi transmitida nos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube, e continua disponível na íntegra nos canais. Assista abaixo.

O ciclo de diálogos Perguntas sobre o Brasil se inspira na lista elaborada pelo projeto 200 anos, 200 livros para discutir temas relevantes da contemporaneidade.

Lançada em maio do ano passado, a iniciativa reuniu duas centenas de obras importantes para entender o país a partir da indicação de 169 intelectuais da língua portuguesa.

Os próximos temas do ciclo envolvem a atualidade de Machado de Assis, o desenvolvimento econômico do Brasil, a contribuição do tropicalismo e o futuro da Amazônia. Veja a programação completa.

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