Carlos Ghosn é alvo de contestação também na França

Executivo está preso no Japão sob a suspeita de não declarar parte do que ganhava ma Nissan

Lucas Neves
Paris

A decisão da montadora Renault de não afastar seu executivo-chefe, o brasileiro Carlos Ghosn, preso no Japão em novembro sob a suspeita de não declarar parte do que ganhava à frente da Nissan (que o demitiu), não deve ser tomada como sintoma de um mar de rosas na relação dele com a empresa francesa. 

É o que dizem duas fontes que conhecem bem a firma europeia. Segundo elas, o estilo centralizador de Ghosn, que a Procuradoria de Tóquio acusa de ter omitido cerca de US$ 80 milhões (cerca de R$ 309 milhõs) em rendimentos, era alvo de contestação nos corredores da Renault, assim como os resultados tímidos de sua gestão na rubrica da inovação automotiva. 

Pedestres olham para imagem de Carlos Ghosn na televisão; ele permanece no comando da Renault
Pedestres olham para imagem de Carlos Ghosn na televisão; ele permanece no comando da Renault - Jiji Press/AFP

“Ele não tinha preparado sua sucessão. E pior: deixou partirem para a concorrência [Peugeot] potenciais números 2”, afirma o analista financeiro Charles Pinel, sócio da consultoria Proxinvest, que assessora, via fundos de investimento e corretoras, cerca de 40 acionistas da montadora.

De acordo com ele, as críticas à “governança muito verticalizada, com pouco poder moderador” e ao “caráter autocrático” de Ghosn, turbinado pela passividade do conselho administrativo, vêm de longa data. 

“A remuneração de um executivo [a anual do brasileiro na Renault chegou a ser de mais de 7 milhões de euros] dá uma boa medida do grau de controle dele sobre seu conselho”, completa Pinel.

O diretor-geral também era questionado internamente pelas ausências frequentes, fosse por razões de trabalho (ligadas ao comando da Nissan no Japão), fosse por motivos familiares (tem apartamentos no Brasil, onde nasceu, e no Líbano, país de seus ascendentes).

“Na hora das decisões importantes, ele nunca estava lá”, diz o jornalista Matthieu Suc, que escreveu em 2013 Renault, nid d’espions (ninho de espiões), sobre a controversa demissão de vários executivos da firma em 2011 por suposta espionagem industrial em favor da China –acusação com raiz em uma carta anônima endereçada à direção.  

Para Suc, “Ghosn vendeu muito bem a imagem de cidadão do mundo, grande patrão, mito do gerenciamento e do enxugamento de custos, mas a realidade é bem menos exuberante”.

“Ele sempre soube jogar com a distância entre os continentes”, avalia o jornalista. “Nicolas Sarkozy [presidente da França na época do caso dos falsos espiões] detestava-o pela abertura de fábricas em outros países. O que o salvou foi um grande esforço de relações públicas que o pintou como um deus no Japão e a Nissan como galinha dos ovos de ouro da Renault. Davam a entender que, se ele saísse do comando, a montadora japonesa não teria mais por que se ligar à francesa --que, baqueada, demitiria então dezenas de milhares.” 

Nesta quarta (19), a agência Reuters e o jornal econômico francês Les Echos noticiaram que dirigentes da Nissan e da Renault discutiram em duas ocasiões (2010 e 2017) a possibilidade de transferirem para a folha de pagamento da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi (que assim constituem a maior montadora do mundo) parte da remuneração japonesa de Ghosn. 

Ou seja, as empresas da parceria tinham conhecimento da intenção do executivo de ocultar uma fatia de seus ganhos. 

A Nissan tem, desde a prisão de seu diretor-geral, adotado uma postura pública extremamente hostil a ele, o que alimentou rumores de que tudo não passaria de um complô urdido pela ala nacionalista da montadora para devolver as rédeas da firma a um japonês –Ghosn foi o primeiro estrangeiro a chefiar a gigante.

Na França, a imprensa especula sobre o possível sucessor do brasileiro à frente da Renault. Ghosn não foi demitido, mas sua permanência é tida como insustentável –até para não pôr ainda mais em xeque a relação com a Nissan, vital para os franceses.

O nome que surge com mais frequência na lista de potenciais chefes é o de Jean-Dominique Senard, atual presidente da Michelin. 


Cronologia

19.nov.
Presidente do conselho da Nissan, Carlos Ghosn é preso por supostas violações financeiras no Japão; o diretor da Nissan Greg Kelly também é detido, suspeito de envolvimento no caso

21.nov.
Tribunal de Tóquio mantém as prisões de Ghosn e de Kelly por 10 dias

22.nov.
Conselho da Nissan tira Ghosn da presidência do colegiado e Kelly da direção da montadora

25.nov.
Ghosn se pronuncia pela primeira vez desde a detenção e nega as acusações

26.nov.
Conselho de administração da Mitsubishi Motors remove Ghosn da presidência do colegiado

30.nov.
Tribunal de Tóquio aceita estender até 10 de dezembro a detenção de Ghosn

10.dez.
Procuradores de Tóquio indiciam oficialmente Ghosn por subdeclarar sua renda e prorrogaram sua detenção. Nissan também é indiciada por apresentar declarações financeiras falsas

11.dez
Tribunal de Tóquio rejeita recurso apresentado pelos advogados de Ghosn para ele ser libertado

12.dez.
Tribunal brasileiro decide que Ghosn deve ter acesso a apartamento no Rio de Janeiro para recuperar pertences

13.dez.
Nissan afirma que Ghosn e seus representantes não têm direito a acessar o apartamento do Rio e que o conteúdo de três cofres existentes no imóvel podem conter evidência contra o executivo. Na mesma data, o conselho administrativo da Renault ratifica Ghosn como presidente da multinacional

14.dez.
Nissan informa que representantes de Ghosn recuperaram documentos do apartamento corporativo no Rio

20.dez.
Tribunal de Tóquio decide não prorrogar a prisão de Carlos Ghosn

21.dez.
Promotoria de Tóquio faz nova acusação e consegue impedir a soltura do empresário

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