Grande acordo comercial que o Brasil tem que fazer é com ele mesmo, diz secretário

Para Marcos Troyjo, secretário que integrou equipe que assinou pacto com UE, tratado não vai trazer frutos sem reformas

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Brasília

O secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, diz que o governo de Jair Bolsonaro foi decisivo para o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia.

Troyjo integrou a equipe brasileira em Bruxelas que fechou os últimos pontos do acordo, anunciado na sexta (28).

Ele diz à Folha que a “coesão” de várias áreas do governo Bolsonaro foi determinante para o sucesso das tratativas em pontos que estavam abertos. 

Marcos Troyjo. Secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia. - Keiny Andrade-22.nov.2018/Folhapress

 O secretário, porém, faz um alerta: o acordo Mercosul-União Europeia só terá sucesso se o Brasil fizer suas reformas internas, entre elas a tributária e a previdenciária

“O grande acordo comercial que o Brasil tem que fazer é com ele mesmo”, disse.

Por que o acordo foi fechado agora? Há uma tensão comercial no mundo. Um projeto de ajuste duro das relações dos EUA com a China e o brexit, que poderia ter caminhado para um efeito dominó na União Europeia, o que muita gente temia, ou a tese da coesão, que parece ser a vencedora —os europeus também mostrarem que estão ativos. E a Argentina, que sempre foi refratária, mudou de posição.

Mas tudo isso é importante, não determinante. O determinante foi o que aconteceu com o Brasil. O presidente Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes [Economia], com uma sintonia fina entre o Itamaraty, que coordena as negociações, com a parte de formação da política comercial. A política comercial foi para o coração da política econômica.

Mas outros governos passados no Brasil também tinham interesse em fechar o acordo. Foram 20 anos de negociação. Se pegar diferentes momentos da administração pública no Brasil, vai ter muito dissenso. Aqui [no governo Bolsonaro], tem uma coesão muito grande. 

O governo Temer avançou nas negociações com a União Europeia, mas estavam abertos os capítulos de bens manufaturados, de serviços, de compras governamentais, de agricultura, de transferência de tecnologia. Havia muita coisa a caminhar. 

Esse é um acordo de associação, não só comercial. Uma das principais coisas que vamos ver é a mudança de DNA no investimento estrangeiro direto no Brasil. Também é impreciso dizer que tem 20 anos de negociação. Por exemplo, eu gosto de jogar basquete. Eu jogava basquete aqui em Brasília quando morava aqui há muitos anos. Agora voltei a jogar basquete, isso não significa que eu joguei 20 anos.

O sr. fala que a coesão do governo Bolsonaro foi determinante. Mas há algo específico sobre isso? O presidente disse: “Vamos fazer negócio com todas as partes do mundo sem viés ideológico”. Se tem uma coisa que marcou o Mercosul durante bastante tempo, foi o seu viés ideológico. 

O Mercosul, durante esse período Kirchner e Dilma, deu opiniões sobre processo de paz no Oriente Médio, sobre Crimeia, se os fundos abutres eram uma ameaça ao sistema financeiro internacional. E integração logística? E integração de aduanas? A gente não fez. 

Algum episódio que tenha sido decisivo em Bruxelas? As reuniões ministeriais, com Tereza Cristina [ministra da Agricultura], o ministro Ernesto Araújo e eu; os chanceleres de Uruguai, Argentina e Paraguai, a Cecilia Malmström (Comissária de Comércio da UE) e o Phil Hogan (Comissário para Agricultura e Desenvolvimento Rural da UE). 

Como isso acontece? De um lado os negociadores europeus com uma lista de demandas e aqui também. A negociação vai acontecendo por lotes. 

Como o senhor reage às críticas de que o Brasil teria cedido demais ao aceitar cotas agrícolas menores do que as oferecidas em rodadas de negociação anteriores? O Brasil vai exportar 180 mil toneladas adicionais de frango. Quem é o grande produtor de carne de frango? É o Brasil. Em carne bovina, o Brasil passa a exportar quatro vezes para a Europa mais carne bovina do que EUA e Austrália juntos. 

Com as eleições na Argentina no fim deste ano, caso haja uma vitória da chapa da Cristina Kirchner, até que ponto há o risco de um novo governo voltar atrás e colocar o acordo em risco? Duas coisas. Eu acho que ela não vai ganhar. Segunda coisa, é possível que ela faça campanha contra o acordo de modo a explorar politicamente. E, na eventualidade baixa de ela ganhar, duvido que os argentinos venham a fechar as portas para o acordo.

Não vai demorar para o acordo surtir efeito? Só há democracias no acordo. Ainda tem que fazer revisão jurídica, tem que traduzir para todas as línguas da União Europeia, tem que passar pelos Parlamentos, então, na melhor das hipóteses, só vai a começar a fazer efeito daqui a dois anos? Bobagem. Os efeitos começaram no fim da tarde da sexta-feira. A economia é resultado dos fundamentos e das expectativas.

Quando o acordo estiver totalmente implementado, daqui a 10 ou 15 anos, o que mudará no Brasil na sua opinião? Os acordos comerciais, os acordos econômicos, não são resposta para todos os males. Não são uma panaceia. Se você faz acordos comerciais, mas não faz reformas modernizantes internas, não terá o efeito desejado. 

E, nesse sentido, e essa mensagem que eu quero deixar, é que o grande acordo comercial que o Brasil tem que fazer é com ele mesmo. Se não melhora o ambiente de negócios, se não faz reforma tributária para tirar o ônus de quem está empreendendo, se não vai progressivamente melhorando a capacidade de logística, não dá certo. 

Com a reforma da Previdência, você diminui o custo de capital, melhora perspectiva, liquidez. Vai ter injeção de capital na Bolsa de Valores.

Deveremos fazer mudanças legislativas? Provavelmente, e é verdade também em relação aos europeus. Nós vamos poder participar de licitações, de concorrências [públicas] dos europeus.

Na negociação, o que você considera que o Brasil teve de ceder? O que é necessário para um país ter política industrial de substituição de importação? De altas tarifas, ter grande presença do Estado na economia, mercado interno pujante e desestímulo relativo a exportar, para as mercadorias ficarem aqui. E você precisa de crédito privilegiado para determinados setores para a formação dos chamados campeões nacionais.

Aquilo de que a gente teve que abrir mão foram essencialmente essas coisas. Que são instrumentos de política industrial que este governo não quer mais usar. Nós não acreditamos nelas. 

 

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