Executivos do Google veem problemas na empresa e questionam Pichai

Funcionários veem menor tolerância a riscos e uma burocracia paralisante

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The New York Times

No mundo dos negócios, é costume dizer que as sementes da decadência de uma empresa são semeadas quando tudo está indo muito bem.

E é difícil argumentar que as coisas não estão indo bem para o Google. A receita e os lucros estão desbravando novos territórios a cada três meses. A Alphabet, companhia controladora do Google, tem valor de mercado de US$ 1,6 trilhão (R$ 7,8 trilhões). O Google fincou raízes cada vez mais profundas na vida cotidiana dos americanos.

Mas um grupo irrequieto de executivos da companhia se preocupa com as fissuras que eles acreditam estar surgindo. Eles dizem que a força de trabalho do Google vem manifestando cada vez mais suas opiniões.

Os problemas de pessoal da empresa estão chegando ao conhecimento do público.

Pessoa caminha em frente à unidade do Google no estado da Califórnia, nos Estados Unidos
Unidade do Google no estado da Califórnia, nos Estados Unidos - Christie Hemm Klok - 12.set.17/The New York Times

Uma liderança decidida e dotada de grandes ideias foi substituída pela aversão a riscos e pelo apego aos avanços incrementais. E alguns desses executivos estão saindo da empresa e fazem questão de dizer exatamente por quê.

“As pessoas não param de perguntar por que decidi sair agora. Mas acho que uma pergunta melhor seria por que eu fiquei por tanto tempo”, escreveu Noam Bardin, que começou no Google em 2013 quando a empresa adquiriu o app de mapas Waze, em um post de blog duas semanas depois de deixar a companhia, em fevereiro.

“Os desafios à inovação só vão piorar, com a queda da tolerância a riscos”, ele escreveu.

Muitos dos problemas do Google, disseram tanto executivos atuais da empresa quanto pessoas que deixaram seus empregos lá recentemente, derivam do estilo de liderança de Sundar Pichai, o afável e discreto presidente-executivo da companhia.

Quinze pessoas, atuais executivos do Google e profissionais que deixaram a empresa, falaram ao The New York Times sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, por medo de irritar o Google e Pichai, e disseram que a companhia estava enfrentando muitos dos percalços que uma empresa grande e madura precisa encarar —burocracia paralisante, um pendor à inação, e fixação quanto à percepção do público com relação a ela.

Os executivos, alguns dos quais interagem frequentemente com Pichai, disseram que o Google não age rapidamente quanto a decisões de negócios e de pessoal importantes porque ele gosta de refletir sobre os problemas e posterga a ação.

Os executivos disseram que o Google continua a sofrer dificuldades por conflitos internos de cultura, e que as tentativas de Pichai de reduzir a temperatura têm o efeito oposto —permitem que os problemas fervilhem enquanto ele evita decisões duras e, em muitos casos, impopulares.

Um porta-voz do Google disse que as pesquisas internas sobre a liderança de Pichai eram positivas. A companhia não autorizou Pichai, 49, a comentar, mas organizou entrevistas com nove atuais e antigos executivos para oferecer uma perspectiva diferente sobre sua liderança.

“Se eu ficaria mais contente se ele tomasse decisões mais rápido? Sim”, disse Caesar Sengupta, antigo vice-presidente do Google que trabalhou em estreito contato com Pichai em seus 15 anos na empresa. Ele deixou o cargo em março. “Mas fico feliz por ele acertar em praticamente tudo que decide? Sim”.

O Google está enfrentando um momento perigoso. Encara mudanças regulatórias nos Estados Unidos e no exterior. Políticos de esquerda e de direita estão unidos em sua desconfiança quanto à companhia, e isso torna Pichai uma presença constante em audiências legislativas. Até mesmo seus críticos dizem que até agora ele conseguiu navegar por essas audiências sem irritar os congressistas ou oferecer munição adicional aos inimigos da companhia.

Os executivos do Google que se queixam sobre a liderança de Pichai reconhecem o fato, e dizem que ele é um líder ponderado e cuidadoso. Dizem que o Google é mais organizado e disciplinado, agora – uma companhia maior e dirigida de modo mais profissional do que aquela que Pichai assumiu seis anos atrás.

Sundar Pichai, do Google, discursando
O presidente-executivo do Google, Sundar Pichai, durante fala em Washington, nos EUA - Ting Shen - 11.dez.08/The New York Times

Em seu período no comando do Google, a empresa dobrou sua força de trabalho para cerca de 140 mil pessoas, e a Alphabet viu seu valor de mercado triplicar. Não é incomum que uma companhia que cresceu tanto pareça lenta ou pouco disposta a colocar em risco aquilo que a tornou tão rica. Pichai tomou algumas medidas para corrigir esse problema. Em 2019, por exemplo, ele reorganizou o Google e criou novos órgãos decisórios, para que menos decisões precisassem de sua aprovação pessoal.

Mas o Google, fundado em 1998, continua a ser incomodado pela percepção de que seus melhores dias ficaram para trás. No Vale do Silício, onde recrutar e reter talentos serve como referendo quanto às perspectivas de uma companhia, executivos de outros grupos de tecnologia disseram que jamais foi tão fácil persuadir um empregado do Google a trocar um salário estável de milhões de dólares ao ano por uma oportunidade em outro lugar.

Pichai, que no passado trabalhou para a consultoria McKinsey, foi contratado pelo Google em 2004 e logo demonstrou a capacidade de se encaixar em uma companhia onde havia muitos egos avantajados e colegas agressivos.

Em 2015, quando o Google se tornou parte da Alphabet, Pichai assumiu como presidente-executivo da empresa. Ele foi promovido de novo, à presidência executiva da companhia controladora, quando Larry Page, um dos fundadores do Google, deixou o posto, quatro anos mais tarde.

Em 2018, mais de uma dúzia de vice-presidentes do Google tentaram alertar Pichai em um email de que a empresa estava enfrentando dificuldades de crescimento sérias. Eles disseram que existiam problemas na coordenação das decisões técnicas e que o feedback dos vice-presidentes muitas vezes era desconsiderado.

Os executivos —muitos dos quais tinham mais de uma década de experiência na companhia— escreveram que o Google demorava demais para tomar decisões importantes, e que isso dificultava colocar as coisas em prática, de acordo com cinco pessoas informadas sobre o email. Embora o texto não fosse uma crítica direta a Pichai, eles disseram, a mensagem era clara: o Google precisava de uma liderança mais decidida, no topo.

De lá para cá, diversos dos executivos que assinaram a carta deixaram a companhia e aceitaram empregos em outras empresas. Pelo menos 36 vice-presidentes do Google deixaram a empresa do ano passado para cá, de acordo com perfis no LinkedIn.

É uma perda significativa de pessoal nesse escalão; o quadro de vice-presidentes da empresa tem cerca de 400 pessoas, e elas servem como espinha dorsal da liderança da companhia. O Google disse que não vê problemas no giro de pessoal em seu escalão de vice-presidência, que é mais ou menos o mesmo há cinco anos.

Uma crítica frequente entre os atuais e antigos executivos é a de que a deliberação lenta de Pichai muitas vezes parece uma forma de apostar no que é mais seguro, e costuma chegar a respostas negativas.

Executivos do Google propuseram a ideia de adquirir a Shopify, como forma de desafiar a Amazon no comércio eletrônico, alguns anos atrás. Pichai rejeitou a ideia por achar que a Shopify tinha preço alto demais, disseram duas pessoas informadas sobre as discussões.

Mas essas mesmas pessoas acrescentam que em sua opinião Pichai não tinha estômago para uma transação, e que o preço não passava de uma desculpa, conveniente mas em última análise injustificada. O preço das ações da Shopify quase decuplicou nos últimos anos. Jason Post, porta-voz do Google, disse que “jamais houve discussão séria sobre essa aquisição”.

Um ex-executivo disse que a aversão a riscos da empresa era caracterizada por um estágio de constante pesquisa e desenvolvimento conhecido internamente como “modo despensa”. Equipes criam produtos mas eles ficam guardados na despensa caso um rival crie algo novo e o Google precise reagir rapidamente.

Pichai também é conhecido por demorar a tomar decisões sobre pessoal. Quando o Google promoveu Kent Walker para o posto de vice-presidente sênior de assuntos internacionais, em 2018, a empresa iniciou a busca de um vice-presidente jurídico para substitui-lo. Mas demorou mais de um ano para que o Google selecionasse Halimah DeLaine Prado, que integrava há muito tempo a equipe jurídica da empresa.

Prado estava no topo de uma lista inicial de candidatos entregue a Pichai, que pediu para ver mais nomes, disseram diversas pessoas informadas sobre a seleção. A busca abrangente demorou tanto tempo, disseram essas pessoas, que se tornou piada pronta entre os profissionais de seleção de executivos.

A relutância de Pichai em tomar decisões firmes quanto à volátil força de trabalho do Google também vem sendo perceptível.

Mulher de cabelos crespos posa para a foto sentada em uma janela
Timnit Gebru, especialista em inteligência artificial, saiu do Google em dezembro - Cody O'Loughlin - 29.dez.17/The New York Times

Em dezembro, Timnit Gebru, uma das líderes da equipe de inteligência artificial ética do Google e uma das mais conhecidas dirigentes negras da companhia, disse ter sido demitida depois de criticar a abordagem do Google quanto à contratação de minorias e de escrever um estudo no qual destacava os vieses embutidos na tecnologia de inteligência artificial da empresa. Inicialmente, Pichai ficou de fora da disputa.

Depois que dois mil empregados assinaram uma petição protestando contra a demissão de Gebru, Pichai enviou um email prometendo restaurar a confiança perdida, e ao mesmo tempo defendendo a posição do Google de que Gebru não tinha sido demitida. Mas sua mensagem não chegava a ser um pedido de desculpas, disse Gebru, e alguns trabalhadores da empresa a consideraram apenas uma jogada de relações públicas.

David Baker, antigo diretor de engenharia do grupo de segurança e confiança do Google que deixou a empresa em protesto contra a demissão de Gebru, disse que o Google deveria admitir que tinha cometido um erro, em lugar de buscar preservar as aparências.

“A falta de coragem do Google diante de seu problema de diversidade foi o que levou minha paixão pelo trabalho a evaporar”, disse Baker, que passou 16 anos na empresa. “Quanto mais seguro o Google se tornou financeiramente, maior a aversão a riscos”.

Algumas das críticas a Pichai podem ser atribuídas ao desafio de manter a cultura de franqueza do Google agora que a força de trabalho da companhia é muito maior do que no passado, disseram executivos do Google a quem a empresa pediu que falassem ao The New York Times.

“Não acho que alguém seja capaz de administrar essas questões tão bem quanto Sundar”, disse Luiz Barroso, um dos mais importantes executivos técnicos da companhia.

Mulher branca discursa; ela usa microfone e veste blusa azul marinho
Aparna Chennapragada foi vice-presidente do Google - Jim Wilson -- 7.mai.19/The New York Times

Pichai faz questão de não agir como um líder “messiânico” —o chefe autocrático e espalhafatoso que muitas vezes é romantizado no setor de tecnologia mas cuja presença pode criar um ambiente de trabalho tóxico, disse Aparna Chennapragada, que foi vice-presidente do Google antes de deixar a empresa em abril para comandar o desenvolvimento de produtos no app financeiro Robinhood.

Pichai também tomou decisões duras e impopulares, como cancelar muitos projetos que eram mais uma questão de vaidade de seus proponentes do que uma contribuição positiva para os negócios, disse Chennapragada.

A ênfase dele em uma liderança coletiva, e não em seu ego, levou Pichai a dar mais poder de decisão aos seus subordinados, sem sua interferência, disseram executivos do Google. Mas ele demonstrou poder de decisão notável no momento possivelmente mais importante dos últimos anos, ao instruir os trabalhadores da empresa a ficar em casa quando a pandemia do coronavírus começou a se espalhar pelos Estados Unidos.

As discussões sobre a aquisição da Fitbit, que produz aparelhos que registram dados de condicionamento físico e foi concretizada em janeiro, duraram cerca de um ano, porque Pichai não estava confortável com certos aspectos do acordo, entre os quais como integrar a empresa, seus produtos, planos, e medidas de proteção aos dados dos usuários, aos do Google, disse Sameer Samat, um vice-presidente do Google. Samat, que defendia a aquisição, disse que Pichai identificou potenciais problemas que ele não tinha considerado plenamente.

“Posso entender que essas múltiplas discussões levem as pessoas a acreditar que demoramos a tomar decisões”, disse Samat. “Mas a realidade é que se trata de decisões muito importantes”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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