Depois de 25 anos na China, economia de Hong Kong mergulha na incerteza

Cidade é dependente de um país cada vez mais isolado e com dificuldades em recuperar o prestígio

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Holmes Chan
Hong Kong | AFP

Quando Hong Kong passou das mãos do Reino Unido para a China, Edmond Hui era um trader no movimentado mercado de ações, testemunha do crescimento vertiginoso de uma cidade na encruzilhada da Ásia e do Ocidente.

Graças a um pacto assinado com Londres antes do retrocesso de 1º de julho de 1997, a China prometeu a Hong Kong que poderia manter seu sistema capitalista por 50 anos, um acordo que ajudou a cidade a se tornar um dos principais centros financeiros do mundo.

Mas no horizonte, nuvens de incerteza pairam sobre a economia de uma cidade dependente de uma China cada vez mais isolada e com dificuldades em recuperar o prestígio em razão da turbulência política e pelo fechamento de fronteiras durante a pandemia.

Bandeira da China e bandeira de Hong Kong no Victoria Park, em Hong Kong - Dale de La Rey - 1°.jul.2022/AFP

Hui, agora CEO de uma corretora com 300 funcionários, diz que o mercado após a transferência para Pequim passou por uma mudança drástica e tornou-se mais focado na China.

"Antes de 1997, o capital estrangeiro representava metade do mercado", aponta. "Depois de 1997, as coisas mudaram gradualmente até que todo o mercado passou a ser apoiado pelo capital chinês".

A ascensão meteórica da China nas últimas duas décadas trouxe enormes benefícios para Hong Kong como um elo entre esses dois mundos: convergiam empresas do continente em busca de financiamento e empresas estrangeiras em busca de uma porta de entrada para o que é hoje a segunda maior economia do mundo.

"Hong Kong foi uma espécie de filho modelo de livre comércio e mercados abertos", comentou à AFP a veterana política pró-Pequim Regina Ip.

Mas vincular seu destino à China também levou a temores de excesso de dependência e complacência.

As empresas chinesas representaram 80% da capitalização de mercado no mercado de ações de Hong Kong este ano, contra apenas 16% em 1997.

E as empresas do continente ocupam sete das dez primeiras posições no seletivo Hang Seng, que costumava ser dominado por empresas locais, como a companhia aérea Cathay Pacific ou a Television Broadcasts Limited.

Enquanto isso, o peso de Hong Kong no PIB do gigante asiático passou de 18% em 1997 para menos de 3% em 2020.

Hui reage a essas mudanças com um encolher de ombros. "É apenas uma questão de mudar quem é o chefe", diz. "Só podemos esperar que o ímpeto do nosso país ultrapasse o da Europa ou dos Estados Unidos", acrescenta.

'Porta de entrada'

Juntamente com o crescimento do poder político e econômico da China nas últimas décadas, as tensões de Pequim com o Ocidente também aumentaram, o que se espalhou para Hong Kong.

A repressão incentivada pelas autoridades comunistas na cidade após os massivos protestos pró-democracia de 2019 levaram os Estados Unidos a revogar o status comercial preferencial de Hong Kong, argumentando que não era mais autônomo o suficiente.

A potência norte-americana também sancionou algumas autoridades da cidade, entre eles aquele que será seu chefe executivo, John Lee, a partir de sexta-feira.

"Em 1997, desempenhávamos o papel de um intermediário muito importante. Mas agora (...) todo mundo tem dúvidas", destaca à AFP Yan Wai-hin, professor de economia da Universidade Chinesa de Hong Kong.

"Se um parceiro comercial sente que (Hong Kong) não é um intermediário neutro, a confiança mútua se perde", estima.

Este especialista alerta que rivais regionais como Singapura tentam aproveitar o que veem como uma oportunidade para substituir Hong Kong, especialmente após a pandemia.

O crescente controle político fez com que as autoridades locais aderissem à estratégia de saúde promulgada em Pequim.

As severas restrições de viagem ainda em vigor mantiveram este centro de negócios isolado da China e do resto do mundo nos últimos dois anos, provocando uma fuga de cérebros.

Mas Ip está confiante de que vão superar isso quando as restrições forem levantadas.

"Nossa localização geográfica é extremamente vantajosa (...) Ainda somos a porta de entrada para a China", afirma.

Alguns setores, exceto o financeiro, ficaram para trás após a devolução à China.

"Nos últimos dez anos, nosso crescimento do PIB perdeu força e acho que isso tem a ver com o fato de as pessoas de Hong Kong serem complacentes e tacanhas", diz Simon Ho, presidente da Universidade Hang Seng da cidade.

Seu porto, que já foi um dos mais movimentados do mundo, caiu no ranking desde seu pico em 2004.

"O governo adotou uma abordagem neoliberal e não intervencionista e não houve planos para desenvolver indústrias e a economia", aponta Ho.

Embora reconheça que as autoridades investiram em setores como pesquisa e desenvolvimento, ele indica que os resultados estão "verdes" e distantes da competitividade da vizinha Shenzhen, polo tecnológico chinês.

"Hong Kong precisa entender seu papel", afirma Ho. "No passado, não sabíamos como complementar o continente e em alguns casos até competir com ele. No longo prazo, isso vai se tornar cada vez mais difícil", alerta.

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