Brasil não pode ser bolha discutida só pela elite, diz criador de programa para líderes jovens

Fundador do ProLíder, Wellington Vitorino vendia picolés aos 12 anos, estudou no MIT e quer formar lideranças da nova geração

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Mais engajados na discussão de problemas básicos do país do que as gerações passadas, os jovens são importante engrenagem na construção de um país desenvolvido e, por isso, caberia a eles o papel de tomar a frente nas decisões, diz Wellington Vitorino, diretor executivo do Instituto Four. A entidade sem fins lucrativos apoia e capacita jovens que possuem perfil de liderança.

"Não conheço nenhuma nação considerada estruturada no mundo que tenha se desenvolvido sem utilizar essa base da pirâmide para resolver os problemas básicos. A minha geração, e agora a geração mais nova, nasceu com espírito de querer fazer alguma coisa. Às vezes, o que falta é oferecer formação e desenvolvimento para isso".

Dar suporte para o desenvolvimento de ideias inovadoras é o objetivo de Vitorino, idealizador do ProLíder, um dos maiores programas de formação de jovens lideranças do país. Desde que foi lançado, em 2016, a iniciativa já atendeu 4.000 jovens em todo o país.

Wellington Vitorino, diretor executivo do Instituto Four durante segunda edição do Four Summit - Rivaldo Gomes - 07.set.2022/Folhapress

De família de baixa renda, ele começou a empreender aos 12 anos idade vendendo picolé no batalhão da Polícia Militar na capital do Rio de Janeiro.

A ideia de criar uma iniciativa para inspirar jovens surgiu no curso administração no Ibmec, onde Wellington estudou com bolsa do Prouni. Hoje, o Instituto Four conta com apoio de grandes nomes, como do empresário Jorge Paulo Lemann.

Entre outras iniciativas, o instituto desenvolveu o Four Summit –fórum de discussões econômicas inspirado na conferência de Davos– realizado em 2019.

A segunda edição do evento ocorreu nos dias 7 e 8 de setembro, em São Paulo, e contou com a presença de cerca de cem palestrantes e mil convidados com um público bastante diverso. O objetivo foi debater formas de pensar o Brasil sob as perspectivas da ética, liderança e educação, negócios e inovação e tecnologia.

Com 28 anos, Wellington cursa mestrado no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), em Cambridge, nos Estados Unidos, sendo um dos primeiros brasileiros negros a ser aceito no processo de seleção.

Para ele, investir na juventude não é só olhar para frente. É uma maneira de recuperar prejuízos históricos provocados pelo racismo e pela desigualdade social sem deixar de discutir pautas relevantes para o futuro do Brasil.

Qual o ganho social para essas pessoas quando se reúnem públicos de diferentes classes econômicas em um mesmo ambiente, proporcionando conexões entre públicos que, talvez, não conviveriam juntos? A integração cada vez maior entre as pessoas, independente da classe social, não é só um ganho individual. Todo o Brasil ganha.

Dessa forma, a gente consegue construir pontes entre classes diferentes, que funcionam como uma forma de intercâmbio.

Quando falamos em construção da sociedade, precisamos ter pessoas de diferentes realidades pensando juntas para resolver problemas dos grupos que são menos desfavorecidos.

Liderança, inovação e tecnologia são temas, tradicionalmente, discutidos pelas elites. Mas o público do Four Summit é bastante diverso. Você acha que o fato de não cobrar pelo ingresso ajudou nessa diversidade ou, mais do que isso, já é um reflexo de uma mudança cultural? Diversidade é um valor muito forte para minha instituição. Não foi pós-efeito da morte de George Floyd que a gente começou a discutir diversidade.

Na primeira edição do fórum vendemos ingressos, mas tinha o compromisso de reservar 10% para pessoas em lideranças que estão em regiões mais periféricas ou que são de comunidade indígenas. Mas esse público chegou a quase 20% na ocasião.

Nos esforçamos muitos para convidar as pessoas em quem acreditamos que poderiam contribuir para o debate. O Brasil não pode ser uma bolha que vai ser discutida só pelos empresários, ou só pelo terceiro setor, ou então só pelo meio público. O Brasil é muito mais do que isso.

O Four Summit nasceu com esse espírito. Nossa intenção é formar o novo Fórum Econômico Mundial. Estamos apenas na nossa segunda edição, mas pode ter certeza que daqui a cinco ou dez anos estaremos no top três dos principais fóruns do mundo nesse sentido.

Por que a diversidade tem papel importante quando se discute o futuro do país? O Brasil é um país muito diverso. Outras nações que conseguiram se organizar mais rapidamente são mais homogêneas. O que o Brasil tem de melhor, ele também tem de desafiador. Que é colocar as pessoas diferentes numa mesma sintonia.

O Brasil foi descoberto, entre aspas, em 1500. A abolição da escravatura em 1888 e a proclamação da República em 1889. Ou seja, tivemos mais tempo de escravidão, do que temos de independência ou de República.

Óbvio, outras nações conseguiram avançar um pouco melhor do que nós. Em menos tempo, esses países conseguiram se organizar de uma maneira mais inclusiva e construir um país mais justo, mais próspero, mais igualitário e com maior acesso ao mercado de trabalho por meio da educação.

O Brasil ainda não conseguiu isso, embora tenha tido muitos avanços nos últimos 30 anos, principalmente após a Constituição de 1988.

Precisamos recuperar o prejuízo histórico. Nós paramos em alguns pedágios.

Você diria que um dos principais objetivos do instituto é tentar recuperar todo esse tempo perdido? Mais do que recuperar só o tempo [perdido], precisamos fazer com que a gente olhe para o futuro. Ao mesmo tempo que o Brasil tem desafios do passado para serem resolvidos, ele não pode não atentar para o que vai acontecer no futuro.

Vamos, sim, resolver problemas como o racismo estrutural, a falta de uma educação digna para todos e conseguir dar mais acesso a boas condições de trabalho para que as pessoas tenham mais dignidade e consigam quebrar o ciclo de pobreza.

Mas, por outro lado, temos que acompanhar o mundo com inovação, com tecnologia e tudo mais. Quanto mais a gente for empurrando o problema, ele tende a aumentar a bola de neve.

De que forma você acha que esse debate pode contribuir para mudar a situação do país? As pessoas vão sair daqui, voltar para suas empresas e suas organizações entendendo que é preciso investir na juventude.

O bônus demográfico está caindo no Brasil e, particularmente, eu não conheço nenhuma nação considerada estruturada no mundo que tenha se desenvolvido sem utilizar essa base da pirâmide para resolver os problemas básicos.

A minha geração agora e a geração mais nova nasceram com espírito de ajudar a melhorar a situação, mais do que gerações passadas.

Hoje, temas como diversidade, equidade e inclusão, ESG, sustentabilidade e temas relacionados a negócios que gerem transformação para o país estão muito latentes dentro dos jovens. Eles estão querendo fazer alguma coisa. Às vezes alguma coisa que falta é formação e desenvolvimento para isso.

Eu sou um empreendedor que hoje está no terceiro setor. Depois do MIT meus planos são de continuar com um empreendedorismo de transformação, mas com fins lucrativos. Vou continuar dentro do conselho do instituto e, no longo prazo, atuar na política brasileira.

Primeiro prefeitura, governo do estado e sonhando um dia com a Presidência de República. Mas eu estou falando de daqui a uns 15 ou 20 anos. Nos próximos 15 anos a gente tem alguns problemas complexos para resolver.

Prefeitura e governo em qual estado? Morei cinco anos em São Paulo antes de ir para os Estados Unidos estudar, mas eu sou do Rio de Janeiro e a situação de lá é meio complicada. Hoje, se eu tivesse que contribuir, eu contribuiria mais no Rio de Janeiro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.