Aneel decide cancelar licença de térmicas antirracionamento da J&F

Empresa terá de pagar multas e devolver parte do que já recebeu dos consumidores; cabe recurso

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Brasília

A Âmbar Energia sofreu, nesta terça-feira (18), uma derrota na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A diretoria do órgão conclui que o atraso na entrega de quatro usinas a gás foi de responsabilidade exclusiva da empresa. Com essa definição, a agência abriu processo para rescindir os contratos de comercialização de energia elétrica e também para revogar as outorgas.

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Vista da termelétrica de Cuiabá (MT); Aneel suspende troca da usina por projetos atrasados da Âmbar Energia, empresa da J&F - 19.05.22 - Governo do Mato Grosso / Divulgacão

Na avaliação do relator do processo, diretor Ricardo Lavorato Tili, os argumentos apresentados pela Âmbar, como demora no licenciamento ambiental e atrasos alfandegários e de entrega de equipamentos, embora possam ser fatos imprevisíveis, representam riscos inerentes ao negócio.

Apesar de ainda caber recurso, especialistas do setor consideram que, desta vez, será difícil para a empresa reverter o processo, dado o rigor dos termos utilizados na Aneel para justificar a decisão.

Procurada, a empresa não respondeu à reportagem.

O diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, deu o tom. Destacou a urgência na tomada de uma decisão final sobre o caso da Âmbar, dada a importância do tema para o consumidor de energia. O procurador-geral da Aneel, Luiz Eduardo Araújo, fez coro e lembrou que uma definição mais ágil foi comprometida pelo fato de a Âmbar encaminhar os pedidos com sigilo, o que não poderia ter ocorrido num caso que demanda transparência e debates com os consumidores de energia.

O diretor Hélvio Guerra, que havia votado a favor da empresa anteriormente, fez uma revisão do seu voto, reforçando entender que a Âmbar não cumpriu os seus compromissos.

PROCESSO CONTROVERSO

O destino das quatro térmicas da empresa, EPP 2, EPP 4, EDLUX 10 e Rio de Janeiro 1, é tema de reuniões controversas na agência desde maio, atraindo oposição de entidades do mercado, do MME (Ministério de Minas e Energia), que considerou o benefício à empresa ilegal, e até do TCU (Tribunal de Contas da União), que tem em andamento um processo para avaliar a conduta dos diretores que votaram a favor de demandas da empresa.

A Âmbar é o braço de energia da J&F, que também controla a JBS, maior empresa global do setor de carnes do mundo. Suas quatro térmicas estão entre as que venceram um leilão emergencial, em outubro do ano passado, batizado de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado), que deveriam operar de 1º de maio de 2022 a 31 de dezembro de 2025, com contratos muito vantajosos.

Como o leilão ocorreu no momento da crise hídrica, o preço da energia dentro do PCS ficou em R$ 1.560 pelo MWh (megawatt-hora). Hoje, com os reservatórios das hidrelétricas cheios, o mercado trabalha com o preço à vista de R$ 55,70 por MWh.

Todas as 17 térmicas do PCS custariam nesse período um adicional de R$ 39 bilhões na conta de luz, pelas estimativas da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres). As quatro térmicas da Âmbar, no entanto, eram as mais significativas nesse bolo. Corresponderiam a quase metade do total, cerca de R$ 18 bilhões.

No vaivém de decisões na Aneel, a Âmbar chegou a receber uma cautelar (tipo de decisão provisória), que lhe permitiu usar uma usina já em operação, a térmica de Cuiabá, no lugar dos quatros projetos ainda em construção. A cautelar foi suspensa, mas a empresa saiu vencedora no julgamento do mérito.

No entanto, para efetivar a troca em definitivo, a Âmbar assumiu o compromisso de iniciar a operação dos quatro novos empreendimentos dentro do prazo-limite, o que não ocorreu. Na sequência, a empresa tentou justificar o atraso por meio do instrumento chamado de excludente de responsabilidade.

Nesta terça, a diretoria da Aneel negou esse pedido, desencadeando a exclusão dos projetos e trazendo outras consequências.

A Âmbar perdeu o direito de usar a térmica de Cuiabá dentro das regras do PCS e os benefícios que tinham sido dados durante a vigência da cautelar.

O diretor Fernando Mosna, em sua primeira manifestação sobre o tema após a posse na diretoria, defendeu, inclusive, a revisão dos valores já pagos à empresa.

Na prática, isso significa que aquela operação, remunerada pelo valor do PCS, deve ser recalculada pelo valor pago pelo mercado à vista na época. A empresa terá de devolver o que recebeu a mais e também pagar as multas.

A CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) disse não poder abrir o valor da multa devida pela Âmbar, mas informou que, ao todo, o valor apurado de penalidades somou R$ 1,7 bilhão nas liquidações de maio a agosto. Desse valor, R$ 392 milhões foram pagos ou abatidos de créditos.

ENTIDADES COMEMORAM

Entidades do setor comemoraram a decisão da Aneel. O resultado representa segurança jurídica para o mercado e para os consumidores, avalia a Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia).

Uma cláusula contratual do PCS proibiu que térmicas antigas participassem do leilão ou substituíssem os novos projetos. Os diretores da Aneel, porém, desconsideraram essa determinação, argumentando que a troca pela usina de Cuiabá seria um benefício financeiro para o consumidor. Análise posterior, no entanto, demonstrou o contrário. Poderia ocorrer até aumento de custos para quem paga a conta de luz.

"A medida cautelar não poderia ter sido aceita pelo regulador pelo simples fato de que, em tais condições, o empreendedor desrespeitaria as regras do próprio PCS, abrindo um precedente de insegurança jurídica para o setor elétrico brasileiro", afirmou Mariana Amim, diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Anace.

"O consumidor sempre pagou caro pela segurança jurídica no setor elétrico", afirmou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, que fez sustentação oral na reunião da Aneel nesta terça em defesa dos consumidores. "Dessa vez, esse princípio veio em favor do consumidor. Não faria sentido ele ser ignorado."

Com Reuters

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