Macron contra o McDonalds: como a França abandonou as embalagens descartáveis de alimentos

Lei de combate a desperdício tem custo alto para cadeias de restaurantes casuais, e há quem duvide de seus benefícios ambientais

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Leila Abboud
Paris | Financial Times

O item que está fazendo mais sucesso junto aos fregueses do McDonald's na França, neste começo de ano, não é um novo hambúrguer ou sanduíche de frango, mas a embalagem, de borracha vermelha reluzente, na qual a cadeia de fast food serve suas batatas fritas.

A multinacional americana introduziu a embalagem reutilizável a fim de cumprir uma nova lei francesa que proíbe a utilização de embalagens e talheres descartáveis pelos clientes que comem nos restaurantes da empresa.

Refeição do McDonald's servidas em utensílios reutilizáveis, na França
Refeição do McDonald's servida em utensílios reutilizáveis, na França - juanbuis no Twitter

A embalagem de batatas fritas é tão popular que os clientes começaram a levá-la para casa como lembrança. O presidente francês Emmanuel Macron ajudou a estimular a mania ao tuitar uma foto da embalagem do McDonald's a fim de alardear a iniciativa de seu governo, que entrou em vigor em janeiro.

O roubo de embalagens reutilizáveis vem sendo um dos diversos problemas iniciais enfrentados pelas empresas que estão tentando implementar a lei francesa de combate ao desperdício, a primeira desse tipo a vigorar na Europa, e que Bruxelas agora quer implementar em toda a União Europeia. Outros problemas incluem descobrir como lavar, secar e armazenar a louça, retreinar o pessoal e absorver custos adicionais, que podem chegar a até 15 mil euros (cerca de R$ 83 mil, na cotação atual) por loja, caso seja necessário instalar novas lavadoras de louça.

Alguns executivos também duvidam que a lei proporcionará qualquer benefício ambiental real, e argumentam que ela resultará em emissões maiores de carbono e consumo mais alto de energia.

Para Stéphane Klein, diretor geral europeu da cadeia de lanchonetes Pret A Manger, sediada no Reino Unido, a proibição das embalagens descartáveis ajudou a conscientizar as pessoas sobre a necessidade de reduzir o volume de resíduos, mas colocá-la em prática nas unidades francesas da companhia vem sendo "muito complexo".

"Uma mudança que parece ser simples na verdade é bastante trabalhosa e cara", ele disse. "Precisamos de mais de um ano de teste de diferentes abordagens para descobrir o que poderia funcionar".

Sob o novo sistema, os empregados da Pret precisam servir os sanduíches, saladas e sopas do restaurante em duas versões de embalagem —papel e plástico descartáveis, para quem pede comida para viagem, e travessas de vidro com tampa de borracha, para os clientes que comem no restaurante.

Os clientes de uma loja da Pret em Paris ainda estava se habituando à mudança. Em uma visita recente, Karine Alliot parou em frente aos refrigeradores com uma cara perplexa quando descobriu que seu pedido habitual —salada de camarão e abacate— só podia ser servido na embalagem de vidro para consumo no restaurante, porque a versão para a viagem tinha acabado.

"Queria uma porção para viagem, porque estou com pressa, e com isso acho que vou ter de pedir um sanduíche", ela disse.

A proibição das embalagens descartáveis é uma das partes mais visíveis da legislação ambiental muito mais ampla aprovada pelo governo Macron em 2020. O pacote inclui centenas de novos requisitos, tais como a redução gradual e, no futuro, eliminação das embalagens de plástico de uso único, até 2040, bem como a promoção da reciclagem e da reutilização de produtos.

"O fim dos talheres e pratos de utilização única é mais um passo na luta contra o desperdício desnecessário", disse Christophe Bechu, o ministro francês do Meio Ambiente. "É uma medida concreta que fará com que os franceses recordem a importância do meio ambiente, em sua vida cotidiana".

Mas, à medida que os efeitos da lei começam a se fazer sentir, alguns executivos manifestam preocupações não só sobre os desafios práticos e financeiros da introdução de pratos e talheres reutilizáveis, como também sobre se a mudança beneficiará o meio ambiente, reduzindo o desperdício e o consumo de energia.

A indústria das embalagens de papel, que está a caminho de perder participação de mercado se a louça reutilizável se tornar a norma, vem criticando as medidas com veemência, e argumenta que os seus produtos descartáveis de papel (copos de café ou embalagens para sanduíches em cartão laminado) são menos prejudiciais ao meio ambiente do que seus equivalentes reutilizáveis feitos de vidro ou de plástico, se computado o ciclo de vida completo do produto —da fabricação ao descarte. Embalagens de papel como essas podem em muitos casos ser recicladas, e isso não se aplica aos artigos de mesa reutilizáveis feitos de borracha ou plástico.

De acordo com um estudo da European Paper Packaging Alliance (EPPA), uma organização setorial dos fabricantes europeus de embalagens de papel, a energia e água adicionais necessárias para lavar e secar pratos e talheres reutilizáveis em máquinas industriais significam que a atividade gera 280% mais emissões de carbono do que acontece no caso das embalagens de uso único feitas de papel. E também requer consumo de água 340% maior.

A perda, dano ou roubo das embalagens reutilizáveis adotadas pelos restaurantes também significa que os seus benefícios ambientais podem estar sendo superestimados, de acordo com a EPPA. "Grupos ativistas estão em guerra contra as embalagens de uso único, mas o papel não causa os mesmos danos", disse Eric Le Lay, presidente da EPPA e executivo da Huhtamäki, uma empresa finlandesa de embalagens de papel.

As novas regras também podem resultar em desperdício de alimentos maior. A Pret disse que agora precisa jogar mais comida fora, porque as refeições não vendidas embaladas em recipientes de vidro não podem ser doadas a instituições de caridade.

Apesar das preocupações, a Comissão Europeia parece determinada a seguir o exemplo da França. Uma versão preliminar de um novo regulamento sobre embalagens e resíduos de embalagens, divulgada em novembro, inclui uma proibição semelhante ao uso de embalagens descartáveis em restaurantes. O regulamento proposto precisará ser aprovado pelos países membros e pelo Parlamento Europeu, o que significa que provavelmente não entraria em vigor antes de 2025, na melhor das hipóteses.

Alguns executivos do setor argumentam que o impacto da mudança nas leis francesas deveria ser avaliado, em primeiro lugar. "Estamos preocupados com a possibilidade de que essa abordagem seja expandida para o nível europeu, porque ela não é a melhor solução para o meio ambiente", disse Le Lay.

Outro lobista foi menos diplomático: "Eles vão cometer os mesmos erros estúpidos que a França cometeu, mas em todo lugar".

Na França, alguns empresários apoiaram a exigência de utilizar pratos e talheres reais e a veem como oportunidade de estabelecer suas credenciais ecológicas junto aos consumidores.

Antoine Barat, um dos fundadores da Eat Salad, disse que os 60 pontos de venda de sua empresa na França já estão servindo suas saladas, produzidas individualmente de acordo com os pedidos dos fregueses, em grandes travessas de vidro, para enquadrá-las à mensagem de sustentabilidade da marca. E a fim de cumprir a nova lei, as sopas e sobremesas da rede agora também são servidas em embalagens reutilizáveis.

"O maior desafio foi conseguir isto em um ano no qual já havia muita pressão, com o aumento dos preços dos alimentos e da energia e a escassez de mão-de-obra", ele disse.

Barat ofereceu uma dica aos varejistas de alimentos que precisam realizar a mudança: "Passem a usar sacos de lixo transparentes, para que seus empregados possam recuperar mais facilmente todos os pratos e garfos que as pessoas jogam fora!"

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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