Descrição de chapéu Financial Times Mercado imobiliário

Nova York transforma prédios de escritórios em condomínios residenciais após a pandemia

Com o trabalho remoto, incorporadoras veem chance de atender à demanda por residências em torres obsoletas

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Joshua Chaffin
Nova York | Financial Times

Ao longo do último quarto de século, Nathan Berman desenvolveu um conhecimento de mestre em um negócio peculiar no setor imobiliário da cidade de Nova York: transformar prédios de escritórios antiquados em torres residenciais.

Berman, hoje com 63 anos, filho de sobreviventes do Holocausto, emigrou com sua família da Ucrânia quando tinha 14 anos e seguiu um caminho sinuoso até o setor imobiliário.

Ele trabalhou durante anos como negociante de arte, especializando-se nas obras de emigrados russos, antes de se dedicar aos imóveis na década de 1990.

O que o intrigava nas reformas –ou conversões– era a ideia de que podia dar nova vida a algo que se desvanecia. Os 18 projetos que completou desde então, diz ele, são uma forma de "homenagear a habilidade, a arte e o esforço absoluto" dos artesãos anteriores.

Prédio da Chrysler em Manhattan, em Nova York, que foi fundado em 1930 e chegou a ser o mais alto do mundo - Don EMMERT -9.jan.19/AFP

Hoje as conversões são o assunto principal dos desenvolvedores imobiliários da cidade, e Berman tornou-se o inesperado homem do momento.

Colegas desenvolvedores, credores e planejadores urbanos estão todos buscando sua experiência enquanto lidam com uma lista crescente de torres de escritórios na cidade de Nova York que estão ficando obsoletas com o aumento do trabalho remoto.

"Ele meio que escreveu o manual do assunto", disse Marty Burger, executivo-chefe da Silverstein Properties, dona do World Trade Center, entre outros imóveis. No ano passado, a empresa fez parceria com a Metro Loft, de Berman, para comprar e converter a 55 Broad Street, uma torre de escritórios de 30 andares no distrito financeiro. Agora está levantando um fundo de US$ 1,5 bilhão para buscar outras conversões.

"No momento, aposto que toda grande empreiteira tem na mesa um estudo de viabilidade sobre a conversão residencial", disse Dan Shannon, sócio-gerente da MdeAS Architects, acrescentando: "Duvido seriamente que a próxima vida do Edifício Chrysler seja como prédio de escritórios –pelo menos não no topo".

Para as autoridades municipais, as conversões são uma maneira prática de reduzir a escassez crônica de residências numa ilha altamente regulamentada, onde novas construções são empreendimentos demorados e caros.

A escassez tornou-se tão aguda que, em janeiro, o aluguel mensal médio de um apartamento em Manhattan aumentou 15% em relação ao ano anterior, para um recorde de US$ 4.097. O custo exorbitante da moradia na cidade é amplamente considerado responsável pela crise dos sem-teto.

Um painel nomeado no ano passado pelo prefeito Eric Adams para imaginar uma "nova" cidade de Nova York identificou as conversões como uma prioridade e recomendou incentivos fiscais e mudanças de zoneamento para acelerá-las.

"A necessidade de habitação é desesperadora, e a oportunidade oferecida por escritórios subutilizados é clara", disse Adams numa reunião de líderes cívicos em janeiro. O prefeito também anunciou outras propostas para tornar mais fácil e rápido construir moradias em Nova York.

Até mesmo alguns membros do painel duvidam que as conversões criem moradias populares sem generosos subsídios do governo. De qualquer forma, existem inúmeras razões –da arquitetura à economia– pelas quais as reformas têm sido tão raras e por que a maioria dos desenvolvedores da cidade encontrou maneiras mais fáceis de ganhar dinheiro.

"É quase uma cirurgia", diz Berman. "Cinco anos atrás, as pessoas me olhavam como se eu tivesse duas cabeças, as conversões não eram tão comuns. Mas agora chegou a hora."

O que trouxe o tema à tona foi a pandemia de Covid-19. Quase três anos atrás, a crise sanitária fechou a cidade de Nova York e destruiu padrões de décadas no modo de vida e trabalho das pessoas

A lógica do reaproveitamento

Durante algum tempo, os desenvolvedores se consolaram com a ideia de que os trabalhadores acabariam voltando ao escritório cinco dias por semana e a vida voltaria ao normal. Mas a maioria agora aceita que os dias pré-pandemia acabaram e o trabalho remoto veio para ficar.

"O gênio escapou da garrafa", reconhece Scott Rechler, executivo-chefe da RXR, uma das principais incorporadoras da cidade.

Nesta era emergente, edifícios mais novos e modernos ainda alcançam aluguéis recordes. Mas seus muitos concorrentes medianos e antiquados estão perdendo inquilinos rapidamente e se desvalorizando. Pela estimativa aproximada de Berman, essa classe mais baixa poderia cobrir cerca de 20% dos 43 milhões de metros quadrados de espaço de escritórios em Nova York.

Assim, as opções para os proprietários são investir para modernizar escritórios antigos e esperar que eles se tornem competitivos, convertê-los em moradias ou entregá-los aos credores.

Para os investidores, as conversões residenciais têm uma lógica clara, de acordo com Max Herzog, diretor administrativo da JLL, empresa de serviços imobiliários.

Enquanto os prédios de escritórios estão se desvalorizando, as chamadas moradias multifamiliares –essencialmente apartamentos para locação– tornaram-se apreciadas por investidores, já que os aluguéis em Nova York ultrapassaram os níveis pré-pandêmicos.

"O mercado está maduro para essas conversões", disse Herzog. "É muito difícil criar nova oferta residencial nesta cidade. Realmente, uma das únicas maneiras de trazer nova oferta para a cidade é reformar esses edifícios."

Se for bem-sucedida, a iniciativa poderá deixar uma marca duradoura na cidade, segundo Vishaan Chakrabarti, o renomado arquiteto e membro do painel do prefeito Adams. Eles têm o potencial de semear a vida residencial em redutos corporativos como Midtown em Manhattan.

O exemplo que Chakrabarti e outros apontam é Lower Manhattan. Enquanto Nova York se reconstruía após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, as autoridades priorizaram a conversão de prédios de escritórios e –com a ajuda de incentivos financeiros federais– acabaram atraindo dezenas de milhares de moradores para o bairro.

Chakrabarti espera que as conversões possam reanimar um bairro como Midtown, onde as firmas locais foram devastadas pela falta de transeuntes, levando a lojas vazias e outros sinais de decadência.

Novos moradores ajudariam a sustentar esses negócios e, assim, aumentar a atração do bairro para novos inquilinos corporativos e comerciantes. E acabariam por justificar investimentos em parques públicos, calçadões e outras melhorias.

No entanto, assim como Berman, Chakrabarti reconhece que as conversões podem ser assustadoras. "Acho que você precisa de uma certa quantidade de resistência física, porque é um grande risco".

'As pessoas querem janelas'

Um desenvolvedor sóbrio compara o burburinho repentino em torno das conversões ao entusiasmo no ano passado para se transformar prédios de escritórios em laboratórios para atender à indústria de biotecnologia –até que os desenvolvedores descobriram as complicações.

Isso pode estar acontecendo novamente. Muitos edifícios de escritórios simplesmente não são adequados para a transformação.

Em um edifício residencial, a Prefeitura de Nova York exige janelas operáveis e quantidades mínimas de luz natural e ventilação em cada cômodo habitável. Uma torre residencial típica pode ter uma profundidade de nove metros em cada lado de um núcleo que abriga um elevador.

Em comparação, muitos prédios de escritórios modernos não têm janelas operáveis, e suas lajes tendem a ser muito maiores para acomodar os locatários corporativos. Assim, um desafio crucial para os projetistas é o que fazer com todo aquele espaço interno sem janelas.

Uma solução é criar uma sala interna e chamá-la de "escritório doméstico", contornando assim a exigência. Mas dificilmente é o ideal, diz Shannon. "As pessoas querem janelas!"

Os elevadores também são um problema. Edifícios de escritórios tendem a ter muitos deles para atender ao grande tráfego de manhã e à noite. Para um edifício residencial, isso seria excessivo.

A lista continua e se torna cada vez mais técnica –desde a proporção entre largura e altura dos degraus nas escadas até a medida de espaço livre que deve ser deixado atrás de um edifício residencial.

"Não é simples, e, às vezes, os prédios são velhos e precisam de reparos", diz Gloria Glas, arquiteta argentina da SLCE.

Alguns edifícios estão fora de questão porque foram tombados ou porque ficam em bairros onde os edifícios residenciais são restritos. Este é um resquício de uma era anterior, quando os urbanistas quiseram separar a área residencial do barulho e da poluição das fábricas em locais como o Garment District (Bairro das Confecções).

Desde então, as indústrias principalmente se afastaram, e o ideal apregoado pelos desenvolvedores é o bairro misto, "habitação-trabalho-lazer".

Depois há a questão da disponibilidade. Algumas das maiores conversões dos últimos anos envolveram edifícios de escritórios que estavam vazios, ou quase. Mas se os inquilinos tiverem de ser removidos primeiro, pode se tornar uma tarefa cara.

"Existem edifícios que simplesmente não estão bem equipados para ser convertidos com base no tamanho da laje do piso, a altura do teto, a mecânica, a necessidade de remover elevadores", diz Burger. "Então você tem que examinar o seu mercado, depois precisa ver se pode obtê-lo pelo preço certo."

Silverstein usou inteligência artificial para classificar todos os imóveis abaixo da 96th Street por uma série de critérios de conversão. De cerca de 2.500 edifícios, identificou 323 que eram adequados.

Se a empresa pudesse converter uma fração deles nos próximos sete ou oito anos, estimou Burger, poderia chegar a 10 mil ou 15 mil novas unidades habitacionais. Isso é uma fatia das 500 mil novas unidades que o prefeito Adams prometeu construir na próxima década.

A área de Downtown tem sido o melhor terreno para conversões. Muitos de seus edifícios vêm da era anterior ao ar-condicionado e, portanto, tendem a ter lajes menores e janelas operáveis. O terreno subjacente é menos caro do que em Midtown. E, por uma peculiaridade do zoneamento, mais edifícios são elegíveis.

Aqueles construídos antes de 1977 podem ser convertidos sob regras mais brandas. Em Midtown, a data-limite é 1961. A força-tarefa de reutilização adaptativa de escritórios da cidade sugere uma nova data geral de 1990, estimando que adicionaria 11 milhões de metros quadrados de espaço de escritórios à reserva de elegibilidade.

Possibilidades por um preço

Berman e o Downtown de Manhattan têm uma longa história. O desenvolvedor começou a trabalhar com conversões de lofts em Tribeca antes de fazer sua primeira conversão completa de prédio. Foi o 17 John Street.

Antes parte da Insurance Row, o prédio de 11 mil m² estava quase vazio em meados da década de 1990 –época em que, segundo Berman, o bairro "estava sendo doado".

Ele e seus sócios pagaram US$ 5,2 milhões pelo prédio de 1926 e depois gastaram US$ 14 milhões na conversão. Doze anos depois, eles o venderam por US$ 85 milhões. "Na época, era um prédio enorme para mim", lembra Berman.

Em 2014, ele estava no 180 Water Street. Tinha quase cinco vezes aquele tamanho e exigia uma cirurgia extensa. Para resolver o problema da profundidade, Berman e seu arquiteto, Avinash Malhotra, cortaram um núcleo de nove por doze metros do centro do edifício. "Era a única maneira de trazer luz e ar para um espaço incrivelmente profundo", explica ele.

As regras de zoneamento permitiram que eles restaurassem o espaço perdido com andares adicionais. Quando terminaram, um prédio comercial de 25 andares da década de 1970 havia se transformado numa torre de 29 andares com 580 apartamentos para alugar.

A Metro Loft logo tentará superar essa façanha, esculpindo dois poços no 25 Water Street, um edifício atarracado de 102 mil m² que agora está convertendo com a GFP, uma incorporadora de propriedade familiar em Nova York.

"O que basicamente aprendemos ao longo do caminho é que todo edifício é conversível na cidade de Nova York", diz Berman. "A diferença é quão eficiente e quão caro vai ser."

Os imóveis de aluguel na cidade tendem a ter preços fixos. Um estúdio no centro, por exemplo, pode ser alugado por US$ 3.700 por mês –seja ele de 36 m² ou 40 m². Para Berman, essa margem é importante. Esses 4 m² economizados podem ser significativos para o retorno de um investidor –especialmente quando extrapolados para um edifício inteiro.

O talento particular de Berman é resolver o quebra-cabeça de um projeto de conversão –algo que ele costuma ajustar até o último minuto. Ele se preocupa com questões como distribuir espaços para armários ou se o banheiro deve ser compartilhado ou privativo.

Enquanto Berman converte escritórios em unidades de aluguel, Harry Macklowe está tentando uma abordagem diferente no que pode ser a maior conversão de escritórios da cidade.

Ele gastou US$ 1,5 bilhão para destruir o One Wall Street, a sede construída para o Irving Trust em 1928, e transformá-lo em 566 apartamentos de luxo. O trabalho levou cinco anos, período que quebraria muitos outros desenvolvedores.

"Não fiquei intimidado com isso", diz o visionário por trás do "cubo de vidro", a loja da Apple em Manhattan.

Macklowe está otimista sobre as conversões de escritórios em uma cidade onde, segundo diz, "não há mais barreiras de localização" em termos de onde os nova-iorquinos estão dispostos a morar. Mas ele se preocupa com os números.

Os projetos só "fecham", como dizem os desenvolvedores, se puderem comprar o ativo subjacente por um valor suficientemente baixo para justificar o investimento.

Desde o início da pandemia, os investidores aguardam uma liquidação geral de prédios de escritórios em dificuldades que sempre parece estar próxima. "Todo mundo sempre diz que é uma recessão, uma grande oportunidade de compra. Aí você vai ao mercado e ninguém quer vender por um preço razoável", diz Burger.

Portanto, os desenvolvedores estão clamando por incentivos. A redução de impostos 421a da década de 1970, que tem sido o principal incentivo da cidade para a construção de moradias para locação, expirou no ano passado.

Os opositores reclamam que isso enriqueceu ainda mais os desenvolvedores sem oferecer o número suficiente de moradias acessíveis. O prefeito Adams e a governadora de Nova York, Kathy Hochul, prometem pressionar por algum tipo de substituto, embora seja necessário o apoio da legislatura estadual.

Enquanto isso, Berman espera ter muitos quebra-cabeças para solucionar. "Estamos conversando com muita gente", diz ele. "Tentando descobrir o que fazer com esses prédios."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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