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Financeiras investem em folha do INSS para lucrar com consignado e produtos

Crédito com desconto direto no benefício é atrativo para instituições ampliarem carteira de empréstimo sem elevar risco da operação

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Brasília

A possibilidade de oferecerem crédito consignado e outros produtos a aposentados e pensionistas levou financeiras e bancos médios a intensificarem a disputa com as maiores instituições bancárias do país pela folha de pagamento do INSS.

Hoje, 19 instituições operam o pagamento de benefícios do órgão, entre bancos grandes e médios, públicos e privados, cooperativas e financeiras, segundo dados do Ministério da Previdência. O próximo leilão deverá ocorrer em 2024 e abrangerá os benefícios que vierem a ser concedidos entre janeiro de 2025 e dezembro de 2029.

Segundo dados de janeiro, havia 37,8 milhões de benefícios concedidos pelo INSS. Historicamente, o Bradesco detém o maior estoque de pagamentos, com um total de 11,6 milhões. A Caixa Econômica Federal vem em segundo, com 6,2 milhões, seguido pelo Banco do Brasil, com 6 milhões.

No último pregão, realizado em 2019, um total de 23 instituições participou da briga para definir quem teria direito a administrar a folha de pagamento dos benefícios concedidos entre 2020 e 2024. Seis bancos privados ganharam o leilão: Itaú e Santander, dois dos maiores do país, além de Mercantil do Brasil, Agibank, BMG e Crefisa.

Agência do INSS em São Paulo
Agência do INSS em São Paulo - Fabio Munhoz/Folhapress

Eles passaram a ter o direito de fazer os pagamentos de benefícios do INSS. Em troca, pagam um valor por beneficiário, que varia de região para região. Em São Paulo, isso pode superar R$ 65 mensais por beneficiário. Em 2022, segundo dados da Previdência, o INSS teve uma receita de R$ 4,7 bilhões com esses pagamentos. Para este ano, a previsão é de R$ 6 bilhões.

Até 2009, o governo pagava para que bancos operassem o repasse aos beneficiários, para compensar o custo que as instituições poderiam ter com emissão de cartão, por exemplo. Quando o crédito consignado ganhou força no país, no entanto, o INSS percebeu que poderia capitalizar caso leiloasse a folha de pagamento de novos beneficiários.

Para os bancos, a vantagem é ampliar seus negócios com a oferta de serviços aos segurados do INSS e, assim, obter lucro com operações financeiras.

Os benefícios novos são mais atrativos para as instituições financeiras, porque estão com a chamada margem consignável livre.

De acordo com a lei, é possível comprometer até 45% do valor do benefício com o consignado, sendo 35% com empréstimos, 5% para despesas contratadas por cartão de crédito consignado e outros 5% para gastos com cartão de benefício —um novo tipo criado em agosto de 2022 que pode incluir seguro de vida e auxílio funeral obrigatórios.

Ao receber o benefício, o primeiro pagamento será feito em uma das instituições que ganharam o direito de administrar a folha.

A partir daí, a instituição poderá tentar fidelizar o novo cliente, que já vem com a "vantagem" de ter uma renda garantida. Se o beneficiário não quiser abrir uma conta corrente, pode optar por uma conta-benefício, que inclui cartão magnético e operações limitadas, mas sem custo.

Além disso, pode fazer a portabilidade para um banco com o qual já tenha relacionamento prévio, tendo apenas o cuidado de confirmar se a instituição tem contrato com o INSS. Outro cálculo feito pelas instituições é o potencial de captura de novos clientes e oferecer a eles, além do consignado, seguros e outros produtos financeiros para ampliar sua margem de lucro.

O professor Ricardo Teixeira, coordenador do MBA de Gestão Financeira da FGV, diz que, para o banco, é vantajoso operar esses benefícios porque ele também pode usar o recurso para conceder empréstimos.

"Por que o banco quer ter todas as contas que são de pagamento de salário e benefício? Os bancos, se pudessem, tinham todas. À medida que ele [o dinheiro] não é aplicado por quem recebeu, o banco ganha dinheiro com isso. Quando ele é aplicado por quem recebeu, o banco também ganha."

Ele lembra que esses recursos são utilizados dentro de um limite de segurança fixado, mas que permite à instituição financeira ter disponibilidade para operar em seu negócio principal, que é emprestar dinheiro.

Ione Amorim, coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), vê a situação como preocupante.

"O consumidor não tem, no primeiro momento, a opção de estar dentro de uma instituição com a qual ele tem familiaridade, vai para uma instituição pequena que não tem uma estrutura de serviço tão abrangente, ele fica exposto já a essa oferta abusiva de crédito", critica.

Segundo ela, alguns relatam problemas já nessa fase inicial. "Muitas vezes o consumidor, de repente, percebe que as instituições estão ligando. É o banco que foi selecionado para pagar o benefício e não compete a essa instituição fazer o primeiro contato com o consumidor oferecendo o crédito consignado. A gente já vê aí o primeiro abuso, a forma como essas informações já são automaticamente orientadas para essa oferta de serviços."

Para o segurado, um ponto importante é avaliar a estrutura oferecida pelo pagador do benefício. Os grandes conglomerados têm capilaridade no país e costumam manter agências não só nas grandes capitais.

Amorim destaca que, entre os vencedores do último pregão, muitos são pequenos. "Esse tipo instituição não tem volume de agências expressivo. Isso muitas vezes acaba sendo um limitador."

Essas financeiras e bancos médios acabam recorrendo a casas lotéricas ou correspondentes bancários, como lojas e supermercados, para viabilizar os benefícios. Alguns oferecem a possibilidade de sacar os benefícios na rede 24 horas, por exemplo.

Essa preocupação deve se diluir com o tempo, afirma Teixeira. "Hoje a tendência é cada vez menos ir a agências", ressalta.

Em nota, o INSS afirma que os contratos firmados com as instituições financeiras dispõem sobre a contratação de serviços de pagamento de benefícios administrados pelo INSS pagos no Brasil e seguem a legislação específica do sistema financeiro nacional. Além disso, indicou que a fiscalização das práticas bancárias não cabe ao órgão.

Procurada, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirma que a entidade e seus bancos associados "não compactuam com práticas que desrespeitam os direitos dos consumidores."

"As regras para ofertar produtos aos beneficiários e pensionistas do INSS são claras e de conhecimento das instituições financeiras que operam o convênio do INSS", complementa a federação. "As medidas têm como principal objetivo padronizar os produtos e serviços oferecidos pelas instituições financeiras, tendo como principal pilar a transparência na negociação com o cliente."

A entidade diz ainda que seus bancos associados têm uma autorregulação específica sobre consignado, que considera "falta grave qualquer forma de captação ou tratamento inadequado ou ilícito dos dados pessoais dos consumidores, sem sua autorização, e todos os bancos que participam da autorregulação assumem o compromisso de adotar as melhores práticas relativas à proteção e ao tratamento de dados pessoais dos clientes, à oferta de crédito e o combate a fraudes."

Segundo a Febraban, desde janeiro de 2020, quando entrou em vigor a autorregulação do consignado, já foram punidos mais de 1.113 correspondentes, sendo que 42 foram banidos permanentemente e não podem mais conceder crédito em nome dos bancos.

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