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BC vai atuar quando tiver conforto de que inflação está em trajetória compatível com metas, diz diretor

Otávio Damaso, à frente da área de Regulação da autarquia, fala em serenidade na condução da política de juros e descarta risco no mercado de crédito

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Brasília

O diretor de Regulação do Banco Central, Otávio Damaso, vê como missão do Copom (Comitê de Política Monetária) a garantia de uma inflação baixa e estável e considera que o momento ainda exige serenidade na condução da política de juros.

Em meio à pressão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela redução da taxa básica (Selic) –hoje fixada em 13,75% ao ano–, o diretor afirma que o BC "vai atuar assim que tiver conforto de que a inflação está em uma trajetória compatível com o regime de metas", visto por ele como "muito bem-sucedido".

Em entrevista à Folha, Damaso descarta risco no mercado de crédito, apesar dos recentes episódios envolvendo o colapso de bancos nos Estados Unidos, a crise do Credit Suisse, além do caso Americanas no cenário doméstico.

Diretor Otávio Damaso (Regulação) em sua sala na sede do Banco Central, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Ele ainda comenta a agenda da área de Regulação para este ano, destacando três grupos: inovação, nova lei cambial e regulação prudencial –que estabelece requisitos para as instituições financeiras com foco em gerenciamento de riscos e requerimentos mínimos de capital.

Quais questões da agenda regulatória do BC para 2023 trazem mais impacto na vida dos brasileiros? Gostaria de destacar três grupos. Primeiro, inovação. O Banco Central tem se destacado com essa agenda, adaptando a regulação para favorecer a inovação no mercado financeiro, mas também sendo um agente inovador com projetos como Open Finance, Pix e real digital.

No Open Finance, a gente tem 28 milhões de consentimentos para compartilhamento de dados. Ele já está trazendo competição para produtos que não tinham competição. Qual sempre foi o calcanhar de Aquiles? O cheque especial. A gente vê uma transformação do sistema financeiro.

O segundo grupo é a reforma da legislação cambial. A primeira lei, em vigor até 2021, era de 1920. Sempre foi uma legislação muito travada, visando reter divisas, não é o contexto hoje. A gente fez uma revolução no arcabouço, com uma única lei com 29 artigos, muito mais principiológica. Vem o BC agora com o processo de regulamentação.

O que falta para completar a nova legislação cambial? E a discussão sobre as contas de não residentes? A burocracia na conta de não residente era alta e inibia a atração de investidores, principalmente de menor porte, dado o custo imenso. A gente equiparou as regras das contas de não residente e de residente. Isso já tem efeitos concretos. Por exemplo, um estabelecimento comercial na França aceita Pix. Traz benefício para quem viaja para o exterior e facilidades para importador e exportador. Tem outras questões que a gente vai regulamentar nos próximos dois anos, como mercado interbancário e compensação privada.

E o terceiro grupo? É a regulação prudencial. A agenda fruto de Basileia III [resposta regulatória à crise de 2008] tem de ser implementada. A gente vem criando todas as condições de adaptação. O sistema financeiro está extremamente sólido, muito bem provisionado, tem total capacidade de absorver com folga essa regulação.

Os bancos levantaram questões com relação às novas regras sobre risco operacional, sendo uma voltada para legislação trabalhista. Do que se trata? Dentro do risco operacional, entra o risco legal. No caso brasileiro, um aspecto da legislação impacta o processo dos bancos relacionado a ações trabalhistas, principalmente quando o funcionário pede demissão. Se fosse seguir à risca o padrão, o requerimento de capital seria muito alto. Mas é um risco conhecido no caso brasileiro da Justiça, então, a gente está tentando tratar de forma que fique compatível com o risco que representa e não seja um requerimento de capital punitivo. O acordo de Basileia entendeu essa peculiaridade.

Pensando em estabilidade financeira, como analisa o comportamento do mercado de crédito? O crédito está dentro de um comportamento normal, previsível vis-à-vis a condução de política monetária e do ambiente econômico nacional e internacional. A previsão do saldo caiu de 8,3% para 7,6%, mas é de crescimento. O sistema financeiro tem um nível de provisão muito bom, os indicadores de liquidez são 100% satisfatórios e o de capital [está] bem acima dos mínimos regulatórios. A gente não vê qualquer tipo de problema de estabilidade financeira. O mercado de crédito está tendo um comportamento conjuntural de desaceleração, com inadimplência subindo dentro da normalidade. A inadimplência das famílias está um pouco mais elevada, mas ainda abaixo dos picos históricos.

O sr. não vê possibilidade de risco de uma crise de crédito no país? A gente não identifica nenhum tipo de risco no mercado de crédito, está tudo dentro da normalidade. Eventos específicos chamaram a atenção, e a gente monitorou. Tem algum tipo de impacto, mas ainda não é visível de forma significativa.

Há uma preocupação com a taxa de juros do crédito rotativo, que supera 400% ao ano. Por que o BC não discute a possibilidade de impor um limite? A indústria de cartão de crédito se mistura com meio de pagamento e instrumento de crédito. Movimenta em torno de R$ 1 trilhão a mais por ano. Não está na pauta do Banco Central algum tipo de tabelamento de taxa de juros. A gente busca mecanismos para tornar os instrumentos financeiros mais eficientes. Não está no pensamento do BC qualquer tipo de cap [limite], porque isso poderia trazer instabilidade para um mercado que alimenta todos os setores da economia, principalmente o varejo, que é extremamente dependente desse instrumento.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que discute agendas conjuntas com o BC. Quais? Nossa interação com o Ministério da Fazenda é excelente. A gente tem diversos projetos em discussão. Um já está no Congresso, que é o PL das Garantias. A gente tem uma interação grande sobre assuntos que vão chegar no CMN [Conselho Monetário Nacional], seja na parte de crédito, de pagamento, de instrumento de política agrícola.

Como tem sido o trabalho com o governo como um todo? Nossa relação é muito construtiva, de intercâmbio de informação, de colaboração. Lido com agências do governo, seja Previc [Superintendência Nacional de Previdência Complementar], Susep [Superintendência de Seguros Privados], CVM [Comissão de Valores Mobiliários]. No Ministério da Fazenda, lido principalmente com a Secretaria de Reformas Econômicas e coisas pontuais com o Tesouro. A relação continua fluindo muito bem.

O BC tem sido pressionado pelo governo sobre os juros. O último índice de inflação veio abaixo do esperado pelo mercado. É mesmo necessário esperar até o segundo semestre para iniciar o corte da Selic? O Copom se alimenta de um trabalho extremamente rico e intenso das áreas técnicas, com um conjunto de informações quantitativas e qualitativas de diferentes áreas. Isso tudo chega para nosso ciclo de reuniões do Copom, no qual a gente é bombardeado com esse conjunto de informações e toma as decisões.

Qual é nosso objetivo? Olhando uma perspectiva mais ampla, é garantir uma inflação estável e baixa. O regime de metas tem sido muito bem-sucedido. A gente está em um momento em que precisa ter muita perseverança, tranquilidade e serenidade para conduzir a política monetária. A gente passou por um momento que tinha um mercado de trabalho [aquecido] e uma inflação de serviços mais resiliente. A gente vai atuar assim que tiver conforto de que a inflação está em uma trajetória compatível com o regime de metas. O regime de metas mostrou seu valor em termos de previsibilidade.

A rediscussão das metas é legítima? O regime de metas tem garantido a inflação estável em um patamar baixo e compatível com o que é definido. Tem dado previsibilidade para os agentes econômicos. Ele também tem se mostrado flexível para absorver choques [inflacionários] sem penalizar a economia de forma excessiva, sempre mirando a convergência da inflação para aquela meta definida pelo CMN.

Ao falar em estabilidade, sempre se discute a questão fiscal. A apresentação do arcabouço fiscal tira incerteza do cenário? Muito importante esse movimento que o Ministério da Fazenda está conduzindo de definir o arcabouço fiscal. Você tocou em um ponto que é incerteza. A incerteza é muito cruel para as decisões dos agentes econômicos. Ter um arcabouço fiscal crível é um componente superimportante para dar previsibilidade. A gente sabe que a questão fiscal tem sua relevância sobre a política monetária. Essa comunicação se dá principalmente pelas expectativas, que vão afetar as inflações, mas não é um mecanismo automático de repasse.

O governo falou sobre a criação de uma moeda comum e defendeu o uso de moedas locais no comércio internacional. Em termos de regulação, o que seria preciso? Dentre os objetivos da lei cambial, estava eliminar entraves legais e regulatórios para internacionalização do real. Isso foi feito e abre espaços de mecanismos de pagamentos internacionais e de uso do real para outras transações. Acredito que vai acontecer em algum momento um uso mais intensivo do real, principalmente na nossa borda, com parceiros comerciais da América do Sul. Em termos de legislação, hoje não existe mais entrave.

Quanto ao marco regulatório das criptomoedas, o BC deve atuar como regulador? É uma decisão que cabe ao presidente da República. A gente está aguardando a publicação de um decreto definindo qual ente vai regulamentar.

O BC previa lançar uma consulta pública para novas regras ESG do setor financeiro no primeiro trimestre. Já tem previsão? Na Regulação, é uma agenda com caráter prudencial. Quero saber quais riscos podem vir dos segmentos A, B e C relacionados à sustentabilidade para o sistema financeiro. Em 2020, a gente relançou a agenda. Tornou obrigatória a publicação no [relatório] TCFD de riscos climático, ambiental e social e padronizou informações. Demos uma pausa porque os fóruns internacionais começaram a discutir a padronização das regras contábeis com a óptica das questões climáticas. Para não ter que refazer a regra, a gente está esperando o grupo finalizar o trabalho.


RAIO X
Otávio Ribeiro Damaso, 51

É diretor de Regulação do Banco Central, com mandato até 31 de dezembro de 2024. Foi coordenador-geral de Reformas Institucionais no Ministério da Fazenda entre 2008 e 2009 e secretário-adjunto de Política Econômica na pasta de 2003 a 2008. Possui graduação em economia e especialização em matemática para economia e administração pela UnB (Universidade de Brasília).

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