Governo dobra mínimo que bancos não podem tomar de superendividados

Montante passará de R$ 303 para R$ 600, piso do programa Bolsa Família

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Brasília

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propõe um decreto para aumentar de R$ 303 para R$ 600 o chamado mínimo existencial, fatia da renda mensal de superendividados que fica protegida dos bancos. Segundo a equipe econômica, o prazo para a mudança é "questão de poucas semanas".

A iniciativa integra um pacote formulado pelo Ministério da Fazenda com 13 medidas –três já em tramitação no Congresso e dez novas– voltadas ao mercado de crédito e que foram divulgadas nesta quinta-feira (20).

Com a atualização do mínimo existencial, a pasta prevê atingir ao todo 14 milhões de brasileiros (5 milhões a mais do que atualmente), que terão direito a pleitear um procedimento especial de repactuação de dívidas com a União.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião com presidente da 3M para a América Latina, Marcelo Oromendia - Diogo Zacarias/Ministerio da Fazenda

Segundo estimativas preliminares, o saldo sujeito a renegociação cresceria cerca de R$ 30 bilhões, passando de R$ 235 bilhões para R$ 266 bilhões. O valor de R$ 600 para o mínimo existencial foi definido pela Fazenda em conjunto com o Ministério da Justiça para equipará-lo ao piso do programa Bolsa Família.

"Essa é uma medida que pode ser uma fonte de alívio para a população nesse momento", afirma Marcos Barbosa Pinto, secretário de Reformas Econômicas da Fazenda, acrescentando que o Brasil possui cerca de 70 milhões de brasileiros negativados atualmente.

Na apresentação das iniciativas, ele disse que o governo não espera efeitos adversos na concessão de crédito com o novo montante e não vê necessidade de ativar os bancos públicos. "A gente não acha que essa medida vai gerar racionamento de crédito. Hoje, as políticas de crédito dos bancos dificilmente permitem concessão de grandes volumes para pessoas nessa faixa de renda."

O Ministério da Fazenda busca estimular a concessão de crédito em um momento de menor apetite das instituições financeiras, cautelosas após o caso Americanas e o cenário internacional, com as dificuldades financeiras enfrentadas pelo setor bancário nos EUA e na Europa.

O pacote de medidas estruturais de crédito proposto pelo governo tem três eixos como base: mercado de crédito bancário, mercado de capitais e mercado de seguros. Algumas das iniciativas foram antecipadas pela Folha.

No entendimento da equipe econômica, há hoje uma série de amarras que não necessariamente trazem garantia e segurança para o crédito. Nesse contexto, a Fazenda pretende flexibilizar algumas exigências burocráticas.

Por exemplo, uma pessoa física que tenha renda igual ou inferior à máxima permitida para enquadramento em empresas de pequeno porte ficará dispensada de apresentar diversas certidões para obter crédito, pois será utilizada a consulta ao Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal).

Nessa mesma medida, no mercado de capitais, quer tornar menos rígidas as exigências para acelerar a emissão de debêntures [títulos de dívida de empresas] –eliminando, por exemplo, o requisito de convocar uma assembleia geral de acionistas para dar aval aos papéis, o que poderia ser feito pela diretoria ou pelo conselho.

A pasta também propõe simplificar a forma com que pessoas físicas e jurídicas compartilham dados fiscais com instituições financeiras. Isso significa que um cliente daria autorização para o banco onde é correntista acessar dados que estão sob controle da Receita Federal, como renda, faturamento e restituição de IR (Imposto de Renda), de forma que aquele usuário poderia comprovar sua real condição financeira e obter crédito com juros adequados a cada situação.

Em outra ação para estimular o crédito, o Ministério pretende apresentar um projeto de lei permitindo o uso de recursos de plano de previdência privada aberta, de seguros, de títulos de capitalização e do Fapi (Fundo de Aposentadoria Programada Individual) como garantia a empréstimos.

Nesse caso, alguém que precisasse de dinheiro para resolver uma pendência financeira temporária poderia dar os recursos como garantia, diminuindo o juro do crédito tomado. Em um primeiro momento, não haverá limitação no valor a ser resgatado, o que poderá ser alterado posteriormente. Segundo a equipe econômica, nesses planos privados há cerca de R$ 1,2 trilhão de recursos.

O governo vai ainda pedir urgência na tramitação do novo marco das Garantias, criado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e que está no Senado Federal. O texto, que busca estimular mercado de crédito, permite, entre outras coisas, usar um mesmo imóvel como garantia em mais de um financiamento bancário.

No caso de um imóvel de R$ 1 milhão dado como garantia de um crédito de R$ 100 mil, por exemplo, o dono poderia utilizar os R$ 900 mil restantes para dar de garantia de outros créditos.

Para o secretário de Reformas Econômicas, o projeto é "meritório" e está travado no Congresso por "discussões acessórias". Segundo Barbosa Pinto, a pasta econômica pretende dialogar com o Congresso para "remover empecilhos". Como exemplo, cita uma discussão sobre bens de família.

O real digital –em desenvolvimento pelo Banco Central– aparece como uma das medidas que, na avaliação do Ministério, ajudará a modernizar o sistema financeiro. A intenção é enviar um projeto de lei complementar que crie a base legal para a moeda digital, o que abriria espaço para o surgimento de novas instituições que aumentariam a competição no setor.

Outra proposta feita em parceria com a autoridade monetária busca racionalizar processos de autorizações de instituições financeiras, facilitando a entrada de concorrentes menores.

O regime de resolução bancária é outro projeto de lei complementar que conta com o apoio do governo, que pedirá urgência na tramitação na Câmara. Ele tem como objetivo simplificar as normas que regulam instituições financeiras e prevê a criação de um fundo com aportes dos bancos para socorro em caso de crise.

Segundo a pasta, entre os impactos esperados estão o menor risco de uso de recursos públicos no caso de intervenção e a redução do custo de crédito de bancos menores.

No eixo do mercado de capitais, a principal medida vem na esteira do caso Americanas, embora não seja retroativa. É um projeto de lei para proteger investidores minoritários de empresas contra potenciais danos causados em caso de fraudes de acionistas controladores e administradores.

"A gente teve casos recentes no Brasil de dúvida sobre a qualidade de informações financeiras que foram prestadas ao mercado. Na medida em que ocorram casos desses e seja constatado que a informação foi prestada de forma falsa, incorreta, imprecisa, levou o investidor a erro, a gente está prevendo mecanismos processuais para que o investidor busque ressarcimento contra os administradores e controladores da companhia", afirma o secretário.

Nessa situação, acionistas e investidores que tenham sido lesados podem abrir uma ação civil coletiva de responsabilidade. Poderão acionar os controladores ou administradores em nome de todos os acionistas aqueles que tiverem 1% de um título (esse percentual pode ser atingido de forma conjunta) ou R$ 15 milhões –o que for menor.

Há ainda propostas para aumentar a competição do setor de seguros. Nesse mercado, a ideia da Fazenda é possibilitar que cooperativas ampliem os ramos de atuação, passando a comercializar produtos em mercados como seguro para bicicletas, celulares, tablets e notebooks.

A equipe econômica evita fazer estimativas do impacto do conjunto de medidas. "O propósito das medidas não é arrecadar. O propósito é fortalecer o mercado de crédito no longo prazo", diz Barbosa Pinto.

"É muito difícil a gente estimar [o impacto]. São uma série de medidas de diferentes setores. A gente espera no longo prazo ter um mercado de dívidas no Brasil no mercado de capitais tão robusto senão maior do que o mercado bancário."

Hoje, o mercado de empréstimos bancários é de cerca de R$ 5 trilhões, enquanto o mercado de dívidas privadas fica em torno de R$ 2 trilhões.

APOIO DA UNIÃO PARA PPPS DE ESTADOS E MUNICÍPIOS

No caso das PPPs (parcerias público-privadas) a estados e municípios, o Tesouro vai mudar o procedimento de verificação de limites e condições para permitir a contratação de empréstimos de forma a dar aval para contragarantia da União a projetos de PPPs desses entes.

Com isso, prefeituras menores poderiam garantir parcerias do tipo para a construção de creches para ampliar a educação infantil ou mesmo universalizar a infraestrutura de saneamento básico.

Além disso, o ministério quer editar um decreto para permitir a emissão de debêntures com isenção de Imposto de Renda para investimentos em projetos de educação, saúde, segurança pública, sistema prisional, parques urbanos e unidades de conservação, equipamentos culturais e esportivos, habitação social e requalificação urbana.

Hoje, a captação é concentrada em setores de infraestrutura, como iluminação, mobilidade urbana e saneamento básico.


MEDIDAS ESTRUTURAIS DE CRÉDITO PROPOSTAS PELO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Mercado de Crédito Bancário

1. Garantia federal a estados e municípios para PPPs

2. Novo Marco das Garantias: projeto de lei (PL) no Senado que aprimora garantias e amplia acesso ao crédito

3. Projeto de lei que possibilita o uso, como garantia em empréstimos, de recursos previdenciários, como seguros, títulos de capitalização e planos de previdência complementar aberta

4. Projeto de lei para simplificar o procedimento de emissão de debêntures e reduzir exigências burocráticas na concessão de crédito

5. Portaria para simplificar a forma com que pessoas físicas e jurídicas compartilham dados fiscais com bancos

6. Projeto de lei complementar para estabelecer a base legal para a criação do Real Digital

7. PL complementar já na Câmara, simplifica normativos sobre instituições financeiras (regime de resolução bancária)

8. Decreto altera a atual regulamentação da Lei do Superendividamento, a fim de modificar o valor do "mínimo existencial" (hoje já regulamentado por um decreto de 2022). Passaria de R$ 303,00 para R$ 600,00

Mercado de Capitais

1. PL para aprimorar mecanismos de proteção a investidores minoritários contra danos causados por atos ilícitos de acionistas controladores e administradores

2. PL para alinhar as IMF (responsáveis por processos de liquidação, compensação, garantias, registro e depósitos de ativos financeiros e valores mobiliários) às melhores práticas internacionais

3. Decreto para permitir debêntures incentivadas para infraestruturas sociais e ambientais

Mercado de Seguros

1. PL complementar para possibilitar que cooperativas de seguros ampliem o leque de atuação

2. PL no Senado que revisa e amplia normas de seguro privado

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