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Altas temperaturas e seca reduzem produtividade da soja brasileira, diz estudo

Aumento de cada 1°C reduziu 6% dos resultados; produtores subestimam problema

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Marcelo Lima Loreto
Nova York

O aumento das temperaturas e as secas no cerrado brasileiro reduzem a produtividade da soja, conclui estudo do Ipam (Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia), publicado na revista especializada International Journal of Agricultural Sustainability, em janeiro deste ano.

Os cientistas calcularam que toda vez que a temperatura no cerrado subiu 1°C acima da média histórica (1980 a 2018), a produtividade da soja caiu 6%.

"Parece pouco", diz Daniel Silva, que liderou a pesquisa pelo Ipam e faz doutorado na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Ele diz que as secas do El Niño em 2015 e 2016 elevaram temperaturas acima de 3°C em áreas do cerrado, provocando perdas de produtividade de 18%, sem analisar fatores como manejo de solo, irrigação, pragas etc.

Para Silva, como o El Niño voltou em 2023, ele poderá trazer riscos à soja.

Seca Paraná
Após seca prolongada, chuva atrapalha colheita de soja em Sertaneja, norte do Paraná - Mauro Zafalon - 4.fev.22/Folhapress

O Brasil produz hoje 40% da soja mundial, ultrapassando Estados Unidos (30%). Mais de metade da área cultivada do país (57%) é coberta pelo grão —o equivalente a 40 milhões de campos de futebol— segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos).

Conforme regiões com solos e climas favoráveis ficam mais escassas no centro-sul do país, as lavouras de soja expandem-se para áreas mais quentes e secas do cerrado, como a região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Mudanças climáticas em curso trazem incertezas à produção, especialmente nas áreas de expansão da soja, segundo os especialistas.

"É um tiro no pé [expandir a produção nessas áreas]", diz a bióloga Mercedes Bustamante, professora titular da UnB (Universidade de Brasília) e atual presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

A pesquisa do Ipam mostrou ainda que a produtividade começou a cair quando temperaturas médias anuais ultrapassaram 21°C, indicando que a porção norte do cerrado poderá ficar imprópria para agricultura, caso confirmadas as projeções climáticas.

O INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) estimou um aumento da temperatura média anual de 2°C no Matopiba até 2046.

O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) projetou que as temperaturas nas regiões centrais do Brasil continuarão subindo acima da média global, segundo Bustamante, que integrou o IPCC até 2022.

Há ainda tendência global de "aumento dramático" das secas provocadas pelo aquecimento global até 2100, impactando as terras agrícolas, aponta pesquisa norte-americana de maio deste ano, publicada em prestigiada revista científica do grupo Nature.

No Brasil, secas extremas estenderam-se por quase todo território entre 2011 e 2019, especialmente Nordeste e Sudeste, superando recordes de 60 anos, segundo estudo do Cemaden/MCTI (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), publicado em 2019.

Mudanças climáticas de curto prazo preocupam mais produtores

Embora pesquisas científicas demonstrem perdas agrícolas causadas por mudanças climáticas, agricultores não veem o fenômeno como uma ameaça significativa e estão mais preocupados com flutuações climáticas no curto prazo, segundo a pesquisa do Ipam, que entrevistou 90 produtores de soja do Matopiba.

No total, a maior parcela (33%) considera que a variação climática anual é a principal barreira para aumentar a produção. Depois estão o acesso ao crédito (17%) e a logística (15%).

A maioria (39%) disse que as mudanças ocorrem por oscilações naturais. O desmatamento ficou em terceiro lugar (13%), e o aquecimento global, em quinto (11%).

O desmatamento torna o cerrado mais seco e quente, mostrou pesquisa da UnB, publicada em 2022. Segundo os autores, os solos expostos retêm menos umidade e afetam o ciclo da água. Detectou-se redução 10% na água reciclada para atmosfera e aumento de 0,9°C na temperatura média no bioma.

Outro estudo brasileiro deste ano, conduzido por pesquisadores da UnB em parceria com outras universidades, previu redução de 34% na vazão dos rios no cerrado até 2050, afetando "fortemente agricultura, energia elétrica, biodiversidade e abastecimento de água".

Para os pesquisadores do Ipam, há a crença de que os investimentos em capital e tecnologia contornarão as barreiras climáticas, como ocorreu na conquista agrícola no cerrado. Solos ácidos e pouco férteis do cerrado não impediram avanços das sementes adaptadas e intervenções na terra que elevaram a produtividade da soja na região em 75%, desde 1980, diz Daniel Silva.

O Brasil tornou-se fornecedor mundial de alimentos, sendo o maior exportador da soja (56% do total) e milho (28%) do planeta. A soja é exportada in natura (76%), principalmente para China (57%), segundo Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) e USDA.

Daniel Silva e Mercedes Bustamante não veem indícios de que a tecnologia responderá às rápidas mudanças climáticas em curso, especialmente nas áreas vulneráveis.

Para Daniel, parte do otimismo dos agricultores explica-se por eles ocuparem as fronteiras agrícolas recentemente, dificultando a percepção de mudanças climáticas sutis que evoluem lentamente em décadas.

Eduardo Delgado Assad, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV/GVagro) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), afirma que parte dos sojicultores tem rendimentos tão elevados que impactos climáticos de longo prazo são secundarizados.

A soja brasileira tem batido recordes de produção, mesmo com perdas bilionárias das secas recentes. A produção cresceu 11% em 2021, gerando ganhos de R$ 340 bilhões, calcula o IBGE. O crescimento no PIB no primeiro trimestre de 2023 deveu-se particularmente à soja.

Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo), diz ainda haver interferência de campanhas de ‘negacionistas climáticos’ sobre sojicultores, que seriam organizadas por associações de produtores rurais, e espalham o mito de que o aquecimento global pelo homem não existe.

Os choques climáticos produzem efeitos imediatos sobre agricultores, que reagem mudando calendário de colheita (29% dos entrevistados), adotam sistema de plantio direto (23%) e a rotação de culturas (17%), constatou a pesquisa do Ipam.

A maioria (83%) relatou depender de empréstimos para manter suas lavouras e que as perdas climáticas dificultaram novos empréstimos.

O drama do endividamento é seguido do aumento na concentração de fundiária. Fazendas com mais recursos compram pequenas propriedades que sucumbiram às adversidades climáticas, segundo o Ipam.

Temperaturas elevadas também aumentam demanda por água nas lavouras, o que demanda mais empréstimos para cobrir custos de irrigação.

Para o agrônomo José Renato Bouças Farias, da Embrapa Soja (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a escassez de água será o principal risco para o futuro do grão. Ele calcula que a safra 2021/22 perdeu R$ 90 bilhões pela falta de água apenas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul.

Metade (49,8%) da água captada no Brasil vai para irrigação. No cerrado, áreas irrigadas saltaram de 400 mil para 1,2 milhão de hectares, segundo dados da ANA (Agência Nacional de Águas), de 2019.

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